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‘Esquizofrenia não é sinônimo de violência’, dizem especialistas

O caso de patricídio choca mais uma vez o País. O filho mata o pai, esfaqueia a mãe e depois tenta o suicídio. O crime repercute rapidamente, o morto é o respeitado cineasta Eduardo Coutinho e o trágico caso policial conta ainda com a informação de que o homicida seria supostamente esquizofrênico. Segundo vizinhos, logo após o crime, Daniel Coutinho, 42 anos, gritou que tinha libertado o pai. A reação imediata da população é relacionar esquizofrenia e violência.

“Existe uma crença universal de que a doença mental explicaria a violência”, afirma Wagner F. Gattaz, Presidente do Conselho Diretor Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. No entanto, explica ele, essa sensação não condiz com a realidade. De acordo com estudos científicos, apenas 5% dos esquizofrênicos cometem atos de violência, que vão desde uma briga de tapas ao homicídio. Em torno de 45% dos esquizofrênicos tentam suicídio e destes, 10% se matam.

“Se compararmos, vemos que o número de homicidas entre a população de esquizofrênicos é muito menor que o de homicidas na população sem doença mental. Na verdade, a esquizofrenia está mais ligada ao suicídio”, complementa o psiquiatra e coordenador do Programa de Esquizofrenia da Unifesp, Rodrigo Bressan.

Mesmo assim, casos raros e marcantes como o do designer que morreu após ser acertado por um taco de baseball em uma livraria de São Paulo e do estudante de medicina que matou três em um cinema na capital paulista permanecem por anos na memória. "Apesar de o que aconteceu domingo [com a morte de Eduardo Coutinho] ser uma tragédia, não é uma tragédia para todos os que têm esquizofrenia”, diz Jorge Cândido de Assis, vice-presidente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (ABRE), esquizofrênico há 29 anos.

O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, afirma que todo o paciente esquizofrênico sofre estigma. “Imagina se toda a notícia sobre alguém que cometeu um crime estivesse relacionada com o fato de ela ser hipertensa ou não. Veríamos que esta relação é alta. No entanto, ninguém relaciona hipertensão com violência. No caso do esquizofrênico, o estigma é muito alto e o contrário acontece. Nem sabem se o rapaz era esquizofrênico, eu não vi nenhum laudo sobre isto, mas já dizem que ele é esquizofrênico. É um País psicofóbico”, disse.

Foco no tratamento e não no preconceito
Assis, que convive há 29 anos com a doença e dirige a associação de esquizofrenia, afirma que casos de violência não acontecem de uma hora para outra e que, quando acontecem, são decorrentes da falta de tratamento ou de terapia ou medicação inadequadas. “A impressão que dá é que ele estava muito mal e extremamente psicótico", diz.

Os dados da Coordenação de Saúde Mental da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro reforçam o perigo da falta de tratamento. Dos 120 que cumprem medida de segurança no Hospital Henrique Roxo, 40 cometeram homicídio e quase todos eles não estavam em tratamento quando cometeram o crime.

Assis alerta que pacientes com esquizofrenia precisam seguir o tratamento com a medicação correta, a reinserção social e o acompanhamento psiquiátrico. “A pessoa tem delírios e alucinações. Está acreditando em sinais, constrói enredo próprio de que é perseguida, ou que é um ser superior. São experiências que tiram a pessoa do mundo real e a colocam à parte. É preciso estabelecer uma relação de confiança com alguém para poder voltar para o caminho da vida e aprender a lidar com estas experiências”, diz o hoje palestrante internacional e autor de livros sobre a doença.

Se eu não mato, não sou esquizofrênico
Para Gattaz, do Insituto de Psiquiatria do HC, nada impede mais a reabilitação destes indivíduos que o preconceito. “É preciso lembrar que existem mais de um milhão de esquizofrênicos no País e que precisam de tratamento”, diz. O risco de violência sobe para 30% quando o esquizofrênico consome álcool ou drogas.

A reação ao caso da morte do cineasta Eduardo Coutinho já é sentida nos consultórios. “Vemos pacientes com esquizofrenia que passam a negar que têm a doença, pois como não matam, logo não são esquizofrênicos”, diz o presidente da Associação Brasileira de psiquiatria Antônio Geraldo da Silva.

O psiquiatra alerta que o aumento do estigma é um perigo, pois a violência só acontece por falta de tratamento. “A doença não é algoz. O algoz é não ter o tratamento”, diz, lembrando que estimativas afirmam que existem 1.500 esquizofrênicos sem tratamento só na cidade de São Paulo. 

iG


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