BRASIL

Filólogo Evanildo Bechara defende acordo ortográfico; Entenda mudanças

Por Paulo Dantas

Agora é para valer! O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa está em vigor oficialmente desde 1º de janeiro. Todavia, continua causando polêmicas na imprensa portuguesa e junto a parte da população, que já insinuou que o acordo é uma imposição do Brasil. Na África, escritores reunidos em Cabo Verde reclamam que o acordo não engloba os vocábulos nascidos no continente e precisaria ser pensado uma nova visão de lusofonia.


No entanto, os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) resolveram fazer o acordo para facilitar o intercâmbio cultural e científico entre os países e ampliar a divulgação do idioma e da literatura em língua portuguesa, já que os livros passariam a ser publicados sob as novas regras, sem diferenças de vocabulários. Para o professor Evanildo Bechara, gramático, filólogo, membro da Academia Brasileira de Letras e coordenador da comissão de lexicologia e lexicografia da instituição, entre as funções do acordo está a de aproximar o homem comum da língua escrita e possibilitar que os textos emitidos pelas grandes casas internacionais – como a ONU – possam ser divulgadas em Português, como são feitas em Inglês, Francês, Espanhol, Italiano e Árabe. Hoje isso não é possível porque existem duas normas oficiais do português, uma de Portugal e outra do Brasil. O acordo tenta unificar isso, explicou Bechara em entrevista exclusiva à NORDESTE.

“É claro que o francês que se fala na Bélgica, não é o mesmo francês que se fala na França, mas apesar das diferenças pontuais entre o francês da Bélgica e o francês da França, a ortografia francesa abarca as produções escritas dos dois países. Agora, porque há diferenças também entre o português de Portugal e o português do Brasil, nós vamos ter duas ortografias?! O espanhol falado na Argentina e o espanhol falado na Espanha são muito diferentes, mas na hora de escrever, tanto os argentinos, quanto os madrilenos escrevem da mesma maneira. De modo que eles não são mais inteligentes do que nós, brasileiros e portugueses, nós devemos aproveitar esses exemplos que estão aí diante dos nossos olhos, ao alcance da nossa inteligência”, aconselha.


Bechara garante que a função do acordo ortográfico é mesmo sistematizar a língua, a fim de aproximar a escrita, da realidade de uma língua falada. O professor também rebate críticas do lado português de que o acordo teria sido uma imposição do Brasil. “É história. Quem diz isso não leu o acordo de 90. O Brasil tinha um sistema (feito a partir ) de 1943 e Portugal tinha um sistema (feito a partir de) 1945. Pois bem, o Brasil ao adotar o acordo de 90 teve de fazer mais modificações do que os portugueses. Porque esse acordo de 90 já está 95% prenunciado no sistema português de 1945. Na hora que o Brasil aceitou, e sem muita relutância, (o aplicou) nos jornais e na imprensa brasileira, nos livros didáticos oferecidos pelo governo aos estudantes, os brasileiros tiveram que fazer muito mais cedência do que os portugueses. Na realidade, os portugueses só precisaram fazer uma cedência, que é não escrever uma consoante etimológica, quer dizer, uma consoante que existia em latim, que ele não pronuncia, mas que aparece na escrita. Por exemplo, escrever diretor com c, porque os portugueses escrevem director. Então, os portugueses, na verdade, só precisaram deixar de escrever uma consoante que não pronunciam. Ora, deixar de escrever uma consoante que você não pronuncia é um ato de inteligência”, argumenta.

Outro exemplo apresentado pelo professor é que já em 1945 os portugueses tinham abolido o trema. A retirada do trema, preconizada pelo acordo de 90, estava repetindo o uso português. Além disso, garante Bechara, os portugueses já não escreviam com acento agudo palavras como heroico e jiboia. “Eles não usavam o acento porque pronunciam com “o” mais fechado. Então o brasileiro que pronuncia heroico e jiboia com “o” aberto teve que ceder em benefício da língua portuguesa. De modo que quem diz isso (que foi imposição), nunca leu o acordo de 90, comparado com seus últimos modelos, o brasileiro de 1943 e português de 1945”.


Rebatendo os números divulgados pelo Ministério da Educação, de que o acordo alterou 0,8% dos vocábulos da língua portuguesa no Brasil e 1,3% em Portugal, Bechara frisa que “quem fez essa estatística é no mínimo zarolho. Somou como dois usos diferentes o c de objecto e o c de director. Na realidade foi um caso só, foi o c tanto de director quanto de objecto que desapareceu”, explica o estudioso, lembrando que Portugal parece ter feito mais concessões porque usa a consoante que não pronuncia a toda hora.


O filólogo também respondeu as críticas feitas pelo lado africano. Alguns escritores reunidos em Praia, capital de Cabo Verde, para o 6º Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, debateram os desafios da padronização da língua. O encontro contou com mais de 30 autores de nove países lusófonos e muitos reclamaram que falta ao acordo um novo conceito de lusofonia (identidade cultural dos países de língua portuguesa). O desejo dos africanos é que fossem agregadas as contribuições africanas à língua portuguesa.


“Os africanos sempre adotaram o português como língua de cultura, por quê? Porque num país africano não se falam duas, três, línguas. Falam-se centenas de línguas, e eles precisam se comunicar para ter uma vida nacional e a língua que unifica os africanos é o português. Essa proposta não quer dizer nada. Quando os portugueses chegaram ao Brasil havia para mais 12 mil línguas indígenas. Essas línguas foram reduzidas e hoje no Brasil se falam aproximadamente umas 170 línguas indígenas. Repare que se cada colônia africana fosse falar no seu dialeto, na sua língua materna, aconteceria que os africanos não se entenderiam. Eles só se entendem, numa vida social, porque falam numa língua comum a todos, e essa língua comum a todos é a língua do colonizador africano, que é o português”, frisa.


Para o professor, críticas que estão sendo repetidas pela Imprensa sobre o acordo, usam argumentos de pessoas que não estão no metier (ofício) dos estudos de língua. “São pessoas que não passaram a vida toda estudando, lendo os grandes mestres que se debruçaram na solução de uma boa convenção ortográfica. Ou então, querem atrapalhar, não querem que a língua portuguesa seja uma língua de cultura capaz de ser difundida no mundo”, ressalta. Segundo o estudioso, algumas pessoas se sentem aptas para dar opinião sobre a língua, apenas porque a falam. “Como diz a sabedoria popular: cada macaco no seu galho. Na hora que o Brasil teve que enfrentar a febre amarela, não foi procurar um jogador de futebol, um comerciante ou um dentista, foi procurar um higienista, que foi o Oswaldo Cruz. Ele conseguiu resolver isso”, frisou e emendou, apontando para o costume atual da Imprensa dar voz a qualquer pessoa.

“A Imprensa brasileira não tem a função educadora. Ela tem uma função falsamente democrática de abrir a porta para todas as opiniões. Mas acontece que uma pessoa leiga que diga uma bobagem, vai ser lida por outra pessoa leiga que vai adotar aquela opinião. As opiniões que eu emiti aqui, não são minhas, são opiniões de especialistas que desde 1911, e antes disso, têm se debruçado para resolver o problema da ortografia, que é antes de mais nada pura convenção”. O acadêmico reclamou de como sua argumentação sobre a língua e o acordo, colocada na internet, acaba abrindo espaço para dar voz e autoridade a pessoas totalmente desligadas do estudo da língua. “Algumas com boa vontade dão a sua opinião, e outras dão opinião só para ver o circo pegar fogo. Então, a Imprensa falada ou escrita, ao invés de ajudar, prejudica”.

Nova reforma daqui a 10 anos

O estudioso não descarta que sejam feitos novos ajustes mais adiante, daqui a 10 anos. “Não é um novo acordo. Nós brasileiros usávamos numerosos acentos diferenciais. Colocávamos acento em âquele, em tôda. Pois bem, essa proposta do acento diferencial só foi retirada do sistema brasileiro em 1971. Nós começamos a usar o acento diferencial em 1943, e só em 1971 é que nós tiramos, diminuímos consideravelmente o acento diferencial em Português. E os portugueses que usavam também, só o retiraram em 1973. Então, você terá que por em prática. Porque senão, se não fizer assim, se quiser fazer uma reforma todo mês, todo ano, ninguém tem paciência para mudar de ortografia de ano para ano. Agora passar de 1943 para 1971, um espaço de tempo de 30 anos, aproximadamente. É preciso que haja um estágio de um procedimento para chegar, pela experiência e pelo bom senso, a uma proposta de modificação. E o acordo de 90 enfrentou tantos problemas e resolveu tantos problemas que daqui a 10 anos se tiver que fazer uma pequena alteração, serão alterações muito pontuais”.

A evolução da língua


O estudioso Evanildo Bechara explica que existem dois sistemas diferentes para chegar a escrita de uma língua. O fonético: onde escreve-se aquilo que é ouvido; e o etimológico: quando se busca a origem da palavra. “O exclusivamente fonético é um sistema que não leva a bons resultados porque têm na língua falada palavras diferentes que se pronunciam da mesma maneira, como cela, que pode ser um quarto, ou a montaria de um animal, a pronúncia é a mesma. De modo que fazer uma ortografia baseada na fonética é ficar sujeito a muitas dificuldades”. O sistema etimológico, tinha a vantagem de antigamente nas escolas se estudar latim e grego. No entanto, na medida em que essas línguas foram se apagando da realidade diária das escola, as pessoas passaram a não conhecer como as palavras eram escritas na sua origem. Esse sistema etimológico é responsável, por palavras como farmácia e ciência serem escritas antes com ph (pharmacia) e sc (sciência). À medida que o grego e latim foram saindo das salas de aula, foram aumentando as dificuldades para se escrever dentro do sistema etimológico. O professor explica que hoje o sistema utilizado é misto, combinando a pronuncia com a origem da palavra.


A língua portuguesa é escrita há mais de 400 anos. Os primeiros documentos datam por volta de 1100, em pleno século XII – antes ela já era falada, mas não existem registros escritos. As tentativas para se chegar a uma ortografia científica, a uma convenção razoável, data do século XIX para cá. Daí em diante a ortografia portuguesa passou por varias tentativas de reformas, até chegar a dois sistemas ortográficos, o de 1943, usado no Brasil e o de 1945 usado em Portugal e nas antigas colônias portuguesas da África. Esses dois sistemas apresentavam algumas diferenças entre si. Desta forma, o Acordo de 1990 que entra em vigor, tem a intenção de diminuir as diferenças ortográficas entre Brasil e Portugal. “Por isso não falamos em reforma ortográfica de 1990, falamos em acordo”, explica o professor.


Em vigor oficialmente

Assinado em 1990 com outros Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) para padronizar as regras ortográficas, o acordo foi ratificado pelo Brasil em 2008. A previsão inicial era que as regras fossem implementadas oficialmente a partir de 1° de janeiro de 2013, mas, após polêmicas, o governo adiou a entrada em vigor para 1° de janeiro de 2016. O Brasil é o terceiro dos oito países que assinaram o tratado a tornar obrigatórias as mudanças, que já estão em vigor em Portugal (adotadas em maio de 2015) e Cabo Verde. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste ainda não aplicam oficialmente as novas regras ortográficas. 

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