BRASIL

Fundo social do petróleo engorda superávit primário

Criado em 2010 com o objetivo de investir em projetos de desenvolvimento regional e constituir poupança de longo prazo para o país, o Fundo Social com recursos dos royalties do petróleo vem servindo apenas para compor o superávit primário do país. Com uma receita acumulada de quase R$ 1,2 bilhão, o fundo ainda não começou a operar, por falta de regulamentação pelo Ministério da Fazenda. A expectativa é que a receita atinja a casa dos R$ 2 bilhões ao final do ano.
O Fundo Social é composto pela parcela da União na arrecadação dos royalties cobrados sobre a produção do petróleo. Começou a arrecadar em 2012, quando teve receita de R$ 311,5 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em 2013, recebeu mais R$ 498,3 milhões. Este ano, em três meses, recebeu R$ 386,3 milhões. A receita tende a crescer nos próximos meses, com a evolução da produção de petróleo no país.
Nenhum dos dois conselhos previstos em lei para gerir o fundo, porém, foi criado. Segundo a Lei 12.351, de dezembro de 2010, um deles, o Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social, deve ter em sua composição o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento, o Presidente do Banco Central do Brasil, entre outros representantes. Esse grupo terá como função definir a política de investimentos do fundo. Procurado, o Ministério da Fazenda não se pronunciou.
“Parece que o fundo social será mais um fundo para compor o caixa único do governo, sem cumprir com o papel proposto”, comenta Cláudio Pinho, advogado especialista em petróleo da Araújo Pinho Advogados Associados, lembrando que estratégia semelhante já vinha sendo adotada com os royalties arrecadados antes da criação do fundo. “O setor de petróleo no Brasil vem sendo usado de forma recorrente para gerar superávit primário”, completa o especialista, autor de um livro sobre o marco regulatório do pré-sal, instituído pela Lei 12.351.

De fato, com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Tesouro Nacional (Siafi), os economistas José Roberto Afonso e Vilma da Conceição Pinto, do Ibre/FGV concluem que o desembolso de verbas originárias da exploração de petróleo tem sido bem inferior à arrecadação. Em estudo intitulado “Entesouramento dos Recursos Federais”, eles concluem que 87,7% das receitas com a exploração de petróleo do pré-sal ficaram nas contas do Tesouro. Com relação aos royalties cobrados sobre campos mais antigos de petróleo, 22% ficaram sem uso. O estudo considera a arrecadação e os desembolsos entre 2012 e janeiro de 2014.
“É alegado que o governo pode reter boa parte do que se arrecada com loteria sob pretexto de aplicar nas áreas sociais, é pregado que os royalties do pré-sal financiarão a educação e que os royalties do pós-sal custearão a marinha que deve proteger as reservas. Até do cinema se arrecada a pretexto de beneficiar as artes, mas, no final, parcelas diferenciadas, mas expressivas de tais receitas deixam de ser gastas”, concluem os pesquisadores do Ibre.
Eles citam ainda a Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cobrada sobre os combustíveis, nunca cumpriu seu papel de financiar investimentos em infraestrutura de transportes. Hoje, a alíquota foi reduzida a zero para segurar o preço da gasolina. “Ao aumentar cada vez mais o caixa, no fundo, só se está indiretamente transferindo receitas de uma finalidade para outra: reduzir a dívida líquida e assim gerar superávit primário”, resumem.
O Brasil Econômico perguntou como estão sendo remunerados os recursos do Fundo Social enquanto não sai a regulamentação para a sua aplicação, mas não obteve resposta. A lei estabelece que os gestores do fundo divulguem relatórios trimestrais de desempenho. Procurado, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que ainda não realizou nenhuma auditoria específica no Fundo Social.

Parte dos recursos vai para educação e saúde


No ano passado, lei aprovada no Congresso destinou parcela dos recursos do fundo para investimentos em educação e saúde. Segundo o texto, 50% dos rendimentos das aplicações de royalties arrecadados com contratos de concessão assinados antes de dezembro de 2013 devem ter essa destinação. Para contratos assinados depois, 50% de toda a arrecadação devem ir para escolas e hospitais. Neste caso, já se inclui o campo de Libra, primeiro projeto licitado sob o modelo de partilha da produção, mas ainda não em operação.

Além disso, a lei destinou toda a arrecadação de estados e municípios com royalties para investimentos em educação e saúde. Pinho diz que ainda há dúvidas sobre como se dará essa aplicação. “Não sabemos ainda se os recursos dos royalties serão encarados como verba para investimentos adicionais ou vão substituir as fontes hoje usadas pelos municípios nestes dois setores”, diz ele, ressaltando que é preciso também melhorar a fiscalização sobre os gastos.
O deputado federal Carlos Zarattini, relator do projeto de lei que destinou os royalties para educação e saúde diz que os recursos carimbados do fundo ainda são pequenos, por contarem apenas com a receita de campos existentes do pré-sal, hoje produzindo cerca de 400 mil barris por dia. “Acredito que a regulamentação saia até o final do ano, para que os investimentos possam sair”, afirma. “Mas o grande problema é que o Brasil tem que cumprir o superávit primário. E cada vez que aumenta a taxa Selic, aumenta a dívida e mais dinheiro é preciso para atingir este objetivo”, finaliza. 

 

(do iG)


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