BRASIL

Há mais de 20 anos, eles ‘ocupam’ o Cais José Estelita

“Quando as máquinas começaram a demolição, todas as camas estremeceram. Ninguém nos avisou e todo mundo foi pego de surpresa. Agora eu fico na dúvida, porque quero pintar, ajeitar a casa, mas será que vai valer a pena?”. O questionamento da dona de casa Maria do Carmo da Silva se deve à incerteza. Carminha, como prefere ser chamada, é moradora de uma das três casas no terreno do Cais José Estelita, localizada no olho do furacão que se tornou a área designada à implantação do projeto Novo Recife, na área central da capital pernambucana.

Desde a última quinta-feira (22), quando os antigos armazéns começaram a ser destruídos e a mobilização social se concretizou em ocupação do terreno da antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), as famílias que habitam as únicas moradias da Avenida Engenheiro José Estelita voltaram a se preocupar sobre a continuidade de suas vidas naqueles imóveis. Há 26 anos, Carminha começou a morar com a família na casa de número 41, quando o marido era funcionário da RFFSA. Lá, criou todos os quatro filhos e construiu uma vida num espaço urbano sempre esquecido pelo poder público.
“Precisei fechar (com concreto) todas as janelas por causa dos assaltos frequentes. Já fui roubada inúmeras vezes. Agora eu só me pergunto se há um projeto dessas pessoas que estão acampadas contra as obras. Não adianta protestar no Cais José Estelita para depois não ter zelo com ele. Às vezes acho que as pessoas não sabem pelo que protestam”, disse Carminha, ao lembrar que, até então, não há resposta do Consórcio Novo Recife sobre reapropriação das famílias. Houve reuniões com representantes das construtoras; nenhum acordo foi firmado.
Segundo Osângela Denise, afilhada de Carminha e moradora da casa ao lado, as famílias exigem, no mínimo, uma boa indenização ou outras moradias melhores do que as atuais. “Onde terei uma vista como esta daqui? Não queremos brigar com o Consórcio, mas exigimos nossos direitos”, afirmou Osângela, que vive com dois filhos pequenos e o marido. A residente da casa 42 critica algumas atitudes dos integrantes do Ocupe Estelita. “Hoje logo cedo, umas 5h e pouca da manhã, acordei com eles gritando aqui por trás de casa, xingando Eduardo Moura (diretor da Moura Dubeux). Vi que eles já estão até com micro-ondas na ocupação, estão puxando a energia de onde? A daqui de casa está ficando fraca. Virou bagunça”.
Na casa de Luciene Maria de Assis, seis pessoas dividem o mesmo espaço. “O pior é não saber como vai ficar nossa situação”, diz a moradora, há quase 20 anos residente no local. Segundo a dona de casa, a primeira oferta do Consórcio Novo Recife foi de “apenas R$ 25 mil”, irrisório pela quantia, localidade do imóvel e pela grandeza do projeto, na concepção de Luciene. Ela só pede uma coisa: dignidade. “Espero apenas um acordo digno para nós. O pessoal do Ocupe tem dado uma força e torço para que a situação se resolva”.
Sob o viaduto, o desejo de não ser incomodado
Na outra extremidade do Cais José Estelita, sob a alça do viaduto Capitão Temudo, outro tipo de ocupação, permanente e que já dura mais de 22 anos. A família de Vera Lúcia de Azevêdo mora num compartimento na base do elevado, com a fachada propositalmente pintada de laranja, para deixar claro que ali mora alguém. Em meio a todo rebuliço em torno da região, o desejo da moradora é apenas “que a confusão não chegue aqui. Se chegarem, eu nem me presto a atender. Não quero fazer parte disso”.
Vera confirma que membros do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) do Recife já tentaram convencê-la a deixar o local e ir para algum conjunto habitacional da Prefeitura. A moradora não aceitou e não pensa em deixar o local. “Sabemos que nesses lugares há pessoas de todos os tipos. Tenho filhos, netos, e não quero o risco deles se envolverem com o que não deve. Moro aqui para ensinar eles a suar, lutar pela vida através do trabalho”, disse a senhora que, avessa à câmera, afirmou não tirar foto nem para documento.
Já o genro de Vera, Luiz Carlos da Silva, pensa diferente e apoia o movimento dos ocupantes do Cais. “Se houver esse projeto, vai ser ruim também para gente. O objetivo nosso é também o dessas pessoas que estão acampadas. Acho que precisamos nos unir e protestar de forma mais intensa”, disse o jovem que, atualmente, tenta conseguir um novo emprego na área de informática.  

 

POR:  Alexandre Cunha – Leia Já


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