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IGF 2015: Como a Internet trabalhará pelo desenvolvimento sustentável?

Por uma semana, a capital da Paraíba se tornou a capital mundial da Internet. Mais de 6 mil pessoas se reuniram presencialmente e online entre os dias 10 e 13 de novembro para discutir temas urgentes e desafios emergentes como cibersegurança, direitos humanos online e como as tecnologias podem trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável. Acesse nesta matéria especial, direto de João Pessoa, um resumo do evento.

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

Trata-se do maior fórum aberto do mundo sobre Internet. E neste ano João Pessoa, na Paraíba, foi o centro do mundo para pesquisadores, cientistas, ativistas, formuladores de políticas públicas, jornalistas, estudantes, empresários representantes de governos e da ONU e, inclusive, alguns curiosos.

O Fórum de Governança da Internet (IGF) da ONU, que aconteceu entre os dias 10 e 13 de novembro, atraiu cerca de 6 mil pessoas – a metade presencialmente, os demais participando ativamente online. Em sua décima edição, o IGF terá seu futuro decidido em uma reunião na Assembleia Geral da ONU, já que o mandato de 10 anos chega ao fim. Espera-se um consenso sobre a renovação do mandato do Fórum, enquanto o México já se ofereceu para sediar a próxima edição, em 2016.

Os mais de 3 mil participantes vêm de 116 países. No total, 1.338 pessoas trabalharam no evento, entre funcionários e voluntários nacionais, pessoal de segurança local e da ONU e outros funcionários da ONU. Um total de 174 jornalistas e outros comunicadores cobriram o evento.

Durante todos os encontros, muitos dos participantes destacaram o vínculo entre as políticas públicas “digitais” e os recentemente aprovados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), parte da chamada Agenda 2030.

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

Em discussão, questões que – apesar de técnicas, muitas vezes – envolvem o futuro da Internet e das políticas públicas no setor, como “neutralidade da rede” e “zero rating”. Temas urgentes diante de um importante evento que ocorrerá no final deste ano em Nova York – a Reunião de Alto Nível CMSI+10 (ou WSIS+10, da sigla em inglês) da Assembleia Geral da ONU –, realizada nos dias 15 e 16 de dezembro de 2015.

Parte do processo da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) – as duas conferências ocorridas em 2003 e 2005 com o objetivo de acabar com a desigualdade digital que exclui 4 bilhões de pessoas, entre outros temas –, os Estados-membros e outras partes interessadas já disponibilizaram o rascunho do documento final, base para as negociações textuais durante a consulta informal agendada ainda para novembro.

Apresentação cultural durante o evento. Foto: Ricardo Matsukawa

Apresentação cultural durante o evento. Foto: Ricardo Matsukawa

Durante esta semana, questões como direitos das mulheres e das crianças online, liberdade de expressão na Internet, direitos das pessoas com deficiência, segurança cibernética, criptografia e cooperação técnica fizeram parte de muitas discussões – e incluíram questões emergentes como o “direito de ser esquecido” e as “heranças digitais” – a gestão das memórias daqueles que morreram.

De acordo com um relatório recente das Nações Unidas, os direitos humanos no mundo real – ou “offline” – devem ser respeitados também “online”. O “direito a ser esquecido”, por exemplo, está em diálogo direto com o direito à memória, à verdade ou o interesse público. Para muitos, os direitos à privacidade e à liberdade de expressão devem ser considerados como complementares.

Na imagem, o secretário-geral assistente da ONU para o Desenvolvimento Econômico, Lenni Montiel, durante entrevista coletiva. Foto: Ricardo Matsukawa

Na imagem, o secretário-geral assistente da ONU para o Desenvolvimento Econômico, Lenni Montiel, durante entrevista coletiva. Foto: Ricardo Matsukawa

Algumas das oficinas, por exemplo, levantaram a preocupação sobre o abuso contra as mulheres no mundo online, enquanto os governos ainda não conseguem, em muitos casos, abordar o tema por meio de mecanismos eficazes de aplicação da lei. O problema, muitos concordaram, depende em grande parte de contextos sociais locais, mas há um consenso de que, além de uma violação dos direitos humanos, esta é uma questão premente e global, assim como o é o crescente discurso de ódio e o extremismo violento no ambiente da rede mundial.

Discurso de ódio: entender para combater

O discurso de ódio foi um dos grandes desafios debatidos durante o IGF em João Pessoa. Um dos assessores em Comunicação e Informação da UNESCO, Guilherme Canela pondera: “Temos um problema de definição. Não sabemos exatamente do que estamos falando e quando estamos falando sobre discurso de ódio. Discurso de ódio é tudo do que não gostamos ou com o qual nos sentimos ofendidos?”, questiona. “Se liberdade de expressão se trata de proteger coisas sobre as quais somos a favor, é fácil.”

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

A UNESCO lançou durante o evento uma publicação em que busca a cooperação entre todos os envolvidos no tema – governos, sociedade civil, empresas, especialistas – para mapear o fenômeno do discurso de ódio.

Campanhas, iniciativas e estudos são agregados como forma de dar subsídios para que as políticas públicas se baseiem em uma metodologia mais concreta e mais tangível, voltada para a ação com base em dados.

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

Como se mover das discussões jurídicas para políticas públicas? Como ter mais pesquisas e debates para encontrar áreas comuns em que é possível um acordo? Se o Poder Judiciário determinar que algo é discurso de ódio, como agir na prática, já que nem sempre é tão fácil retirar de circulação conteúdos online? Como treinar os juízes e promotores para que entendam essa nova realidade? Estas são algumas questões colocadas pelo representante da UNESCO.

Equilibrando-se entre a liberdade de expressão e os demais direitos humanos

A Internet, comenta um outro participante, não traz substancialmente novos problemas – muitos deles já existiam, e a Internet apenas ajuda a ampliá-los.

Foto: UNIC Rio/Gustavo Barreto

Foto: UNIC Rio/Gustavo Barreto

Como lidar com as tensões da liberdade de expressão e equilibrar o exercício dos direitos online, a fim de promover um ambiente saudável na Internet que busque ampliar a liberdade de expressão, de privacidade e de igualdade de direitos de todos e todas, se perguntaram alguns dos participantes durante um dos diálogos.

Outra questão urgente, os riscos que as crianças enfrentam online – a exposição a conteúdos inapropriados, o contato inadequado por estranhos e a invasão de privacidade, por exemplo – foram levantados em algumas das oficinas, uma vez que esta é uma preocupação crescente em diferentes países: da Indonésia e Reino Unido ao Brasil e a França.

Os princípios do multilateralismo – a cooperação entre os países sobre um determinado tema – e o “multissetorialismo” – a cooperação ampliada, entre todos os atores sociais – foram um tema recorrente.

As parcerias público-privadas e o diálogo entre os principais interessados no IGF dependerão, porém, da continuação do seu mandato, e isso pode ser alterado pelos Estados-Membros das Nações Unidas em dezembro.

Outro tema importante foi o da infraestrutura de telecomunicações, que está diretamente ligada ao acesso à informação e à luta contra o chamado “fosso digital”, a desigualdade no acesso às tecnologias.

Embora muitos dos participantes falem em “conectar o próximo bilhão”, alguns funcionários da ONU ressaltam a importância de se unir a todos os 4 bilhões de “desconectados”.

A Internet apoia o desenvolvimento sustentável. Mas como?

Para todos participando do Fórum de João Pessoa, há um consenso: a Internet é um potencial motor para o desenvolvimento sustentável.

A questão é: o quão rápido podem as tecnologias de informação e comunicação (TICs) ajudar o mundo a alcançar os objetivos e metas da Agenda 2030? Quão rápido podem os “desconectados” se tornar “conectados”, e como isso poderia ser útil para as questões mais importantes, como por exemplo as mudanças climáticas, segurança, saúde e educação?

É bem verdade que, globalmente, já são 3,2 bilhões de pessoas usando a Internet, das quais 2 bilhões são de países em desenvolvimento. A proporção de domicílios com acesso à Internet aumentou de 18% em 2005 para 46% em 2015.

Além disso, a penetração da Internet cresceu de pouco mais de 6% da população global em 2000 para 43% em 2015. E, ao final de 2015, haverá mais de 7 bilhões de assinantes de um serviço de telefone celular, correspondendo a uma taxa de 97% de penetração, acima dos 738 milhões em 2000.

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

A ONU se pergunta, no entanto: e os demais 4 bilhões de “desconectados”? Na África Subsaariana, por exemplo, menos de 21% da população utiliza a Internet, e nos países menos desenvolvidos esse número é inferior a 10%. Os níveis mais baixos de acesso à Internet são encontrados principalmente nesta região, com Internet disponível para menos de 2% das populações na Guiné, Somália, Burundi e Eritreia.

No mundo em desenvolvimento, as mulheres têm acesso à Internet cerca de 25% menos do que homens. Esta diferença sobe para quase 50% em algumas partes da África Subsaariana.

O desenvolvimento econômico não é um assunto menor quando se trata do potencial da Internet: para cada aumento de 10% na penetração da banda larga no mundo em desenvolvimento, o produto interno bruto (PIB) aumenta em quase 2% em média.

Não à toa, a interface entre o desenvolvimento econômico, a segurança e os direitos humanos estiveram presentes em quase todos os debates.

Rumos da governança e do diálogo

Após dez anos de existência, o IGF continua a fornecer uma plataforma de diálogo e intercâmbio de pontos de vista multissetorial, imparcial e independente, e de compartilhamento de conhecimentos e melhores práticas sobre políticas relativas à Internet.

Foto: Ricardo Matsukawa

Foto: Ricardo Matsukawa

Dez anos depois de sua primeira edição – e o Brasil sediou duas delas, com o Rio de Janeiro recebendo a edição de 2007 –, o IGF é um fórum ainda mais aberto a todas as pessoas com interesse em questões de governança da Internet. E está ainda mais maduro.

Há dez anos, eram muitos os que confundiam a palavra “governança” com “governos”, o que costumava provocar algum repúdio pelo medo do controle sobre um ambiente que deve ser livre e independente.

Hoje, no entanto, chegamos a um consenso amplo e irrestrito: sem uma governança multissetorial, a Internet corre o risco de perder sua principal força criativa e libertária.

Acesse o especial da ONU sobre o IGF em http://nacoesunidas.org/tema/igf2015 e todas as fotos em http://bit.ly/IGF2015fotos


Agência

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