BRASIL

Jaques Wagner: Brasil pode ser tornar alvo da cobiça de forças estrangeiras

Em entrevista exclusiva, veiculada na edição 102 da Revista NORDESTE, o ministro da Defesa Jaques Wagner fala sobre investimentos para ampliar estrutura das Forças Armadas e das políticas de defesa visando preservar a soberania e riquezas nacionais.  Ele comenta ainda sobre as relações com EUA e grandes potências Internacionais: "Os Estados Unidos são parceiros históricos do Brasil no setor de Defesa, haja vista a aliança vitoriosa contra o nazi-fascismo durante a II Guerra".


Leia a entrevista na íntegra:

Revista NORDESTE – O mundo, em diversos Continentes, não para de registrar conflitos, em muitos casos voltados a questões de soberania com motivações econômicas. Na condição de Ministro de um setor tão estratégico do Brasil, como analisa a existência e reprodução desses conflitos?

JAQUES WAGNER – Os conflitos são inerentes à dinâmica das relações globais desde os primórdios da civilização. Infelizmente, eles continuam se reproduzindo, embora se manifestando de formas diferente das guerras tradicionais dos últimos séculos. Os conflitos hoje não são localizados, tem fronteiras difusas e surgem, muitas vezes, de forma imprevisível. O terrorismo, a pirataria e os ataques virtuais, por meio da internet, inclusive com espionagem e roubo de informações, dão o tom dos embates na contemporaneidade. Embora não participe de um conflito desde a II Guerra Mundial, o Brasil sempre esteve e continua atento ao cenário internacional. Enfrentamos a pirataria internacional, sendo que 95% do comércio internacional do Brasil flui pelo Atlântico sul, além do problema mundial é que é a ajuda no combate ao tráfico de drogas.

 

NORDESTE – E como combater em acordo entre países interessados na mesma intervenção?

JAQUES WAGNER – Nosso princípio é da paz entre as nações e da não intervenção nos assuntos dos outros países. Somos reconhecidos internacionalmente como promotores e indutores das relações pacíficas. O que não significa que possamos estar alheios à possibilidade de termos nossa soberania e nossos interesses confrontados. Para isso, temos de ter uma Defesa robusta, com militares bem preparados e equipados. Isso é fundamental para assegurar esse bem tão precioso para nossa população que é a paz. 

 

NORDESTE – O exame do processo histórico aponta ainda que, ao longo dos anos, as guerras se sucedem em busca de dominação de valores da natureza, a exemplo do petróleo, diamante, ouro, água, etc. O Brasil é um País privilegiado nas riquezas naturais, minerais. O Petróleo brasileiro (Pré-Sal, Amazônia, etc) não seria uma cobiça de estrangeiros? Como estamos nos protegendo?

JAQUES WAGNER – Num cenário global de crescente escassez de recursos naturais, é evidente que um país privilegiado como o Brasil pode se tornar alvo da cobiça de forças estrangeiras. Toda nossa estratégia de Defesa, expressa na Política Nacional de Defesa, na Estratégia Nacional de Defesa e no Livro Branco da Defesa Nacional, é clara no sentido de que temos que estar fortalecidos para dissuadir qualquer possibilidade de ameaça contra os nossos recursos naturais.

 

NORDESTE – Como está nossa estrutura de Defesa?

JAQUES WAGNER – Todo o programa de modernização dos equipamentos das Forças Armadas objetiva, em grande medida, a proteção da nossa soberania territorial. O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), que prevê a construção de um submarino de propulsão nuclear – equipamento que apenas cinco países detêm – visa à proteção dos recursos de mais de 3,5 milhões de KM² do nosso litoral, inclusive o petróleo da Camada Pré-Sal. Outros projetos, como a compra dos caças Gripen NG, que serão desenvolvidos em parceria com a empresa sueca Saab, a colocação em órbita do Satélite Geoestacionário Brasileiro, a implantação do Sistema de Monitoramento Integrado das Fronteiras (Sisfron), entre várias outras iniciativas, vão, certamente, fazer com que a cobiça contra o território nacional seja contida. Estar permanentemente preparados para dissuadir as ameaças contra o Brasil vai garantir nossa soberania.

 

NORDESTE – Durante algum tempo do Governo do PT, esta questão da Defesa, não teve a decisão de investir mais fortemente aparelhando o Brasil, nossas Forças Armadas, como se percebe agora nos últimos anos. Qual o Papel do Sr. nesta ação estratégica? Como sua condição de ex-aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro pode contribuir para afinar os interesses de todas as partes deste setor?

JAQUES WAGNER – O governo do PT, desde seu primeiro momento, com o presidente Lula, tratou de recuperar a capacidade operacional, os efetivos e os equipamentos das Forças Armadas – severamente degradados nos governos anteriores. A prova disso é que, entre 2003 e 2014, os recursos empregados pelo Ministério da Defesa em custeio e investimento aumentaram quase seis vezes – saltando de R$ 3,7 bilhões para R$ 19,6 bilhões em 2014.

 

NORDESTE – Como se traduzem esses números na realidade?

JAQUES WAGNER – São esses os recursos que permitem o desenvolvimento dos projetos que estão modernizando os equipamentos das Forças Armadas e consolidando a da Base Industrial de Defesa (BID) no Brasil – um setor que movimenta mais de US$ 7,5 bilhões ao ano, gerando dezenas de milhares de empregos. Foi nos governos do PT que o Brasil finalmente alcançou os investimentos de Defesa na ordem de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o que ainda não é ideal, mas que nos coloca no patamar mais próximo de países de maior envergadura militar. Não por outro motivo que o Brasil é, atualmente, responsável por 41% dos investimentos em defesa na América Latina. Além dos investimentos, foi sob o governo do PT que o Ministério da Defesa se consolidou completando 15 anos de criação, com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) que está completando 5 anos, além dos documentos balizadores da estratégia para o setor como a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional. São esses documentos que apontam o caminho da Defesa nacional para as próximas décadas, assegurando que os recursos e esforços necessários sejam canalizados para que nossa soberania não seja ameaçada.
Hoje, o setor de Defesa está mais robusto e organizado do que em qualquer outro momento da nossa história.

 

NORDESTE – O Sr entrou em janeiro no Ministério da Defesa. Como tem sido conviver com as importantes Armas brasileiras (Exército, Marinha e Aeronáutica) e o que pretende construir para fortalecimento das Forças Armadas?

JAQUES WAGNER – A convivência é a melhor possível. Fui aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro e, durante a adolescência, cogitei em seguir carreira na caserna antes de cursar Engenharia pela PUC do Rio, curso que não completei. Conheço a hierarquia e a liturgia militar. Enquanto fui governador da Bahia também tive uma excelente relação com as autoridades militares que atuam no estado. Portanto, essa convivência não é nenhuma novidade para mim.

 

NORDESTE – Como o Sr define sua missão em Ministério tão estratégico?

JAQUES WAGNER – O trabalho do Ministério da Defesa é justamente harmonizar os interesses da Marinha, do Exército e da Aeronáutica de forma que possamos modernizar a gestão do setor, racionalizar os recursos e estabelecermos uma estratégia conjunta de Defesa Nacional, inclusive com a participação dos setores civis da sociedade brasileira, que devem cada vez mais vestir a camisa de uma área tão estratégica como a Defesa. A atual política de Defesa Nacional do Brasil demonstra o amadurecimento da democracia brasileira.

 

NORDESTE – Para estar amplamente estruturado no campo da Defesa em nível dos avanços internacionais, sobretudo no mundo tecnológico e nas áreas da inovação, o Brasil precisa investir mais na aquisição de equipamentos de última geração visando satisfazer esta necessidade de proteção da soberania nacional. Quais as possíveis inovações e investimentos neste sentido?

JAQUES WAGNER – Os investimentos e as inovações estão acontecendo. O aumento dos investimentos citados acima comprova que a modernização dos equipamentos das Forças Armadas é um processo que se tornou prioridade do governo brasileiro. As inovações estão presentes em projetos como o do blindado Guarani, que tem sua matriz tecnológica desenvolvida pelo Exército e sua produção industrial feita pela multinacional italiana Iveco, que construiu uma fábrica em Minas Gerais apenas para esse objetivo. O projeto do cargueiro KC-390 é outra iniciativa desenvolvida pelo Brasil, em parceria com países amigos, a partir de pesquisas feitas pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA) e com a produção sob responsabilidade da Embraer.

 

NORDESTE – E a inovação marítima?

JAQUES WAGNER – Não posso deixar de voltar a falar no submarino de propulsão nuclear. Apesar do desenvolvimento do casco ser em parceria com a França, a tecnologia nuclear é 100% obra dos engenheiros da Marinha, que há mais de 30 anos se dedicam a assegurar essa base científica para o Brasil. Os projetos são muitos e envolvem equipamentos de comunicação, veículos não-tripulados, embarcações de patrulhamento, sistemas de defesa cibernética… enfim, o setor de Defesa induz à inovação, que, inevitavelmente, acaba transbordando para o setor civil. Durante visita ao Centro Tecnológico da Aeronáutica ouvi um argumento muito convincente sobre a necessidade de investir na indústria de Defesa. Muitos equipamentos precisam ser fabricados no Brasil porque existem proibição de importação deles. E quando se consegue vencer a barreira, o referido equipamento ou a peça de reposição existe lei internacional impedindo o uso do equipamento. Ou seja, muitas vezes uma aeronave ou um helicóptero ficam parados aguardando peças estrangeiras que custam uma fortuna e que poderiam ser fabricadas no Brasil. É exatamente por isso que a Defesa deve ser priorizada pela nossa sociedade: ela assegura tanto a nossa soberania como o nosso desenvolvimento. 

 

NORDESTE – Alguns processos de aquisição neste campo acabaram merecendo acompanhamento do Mundo e disputa, inclusive, dos grandes investidores internacionais. Como estão as aquisições dos Caças Gripen, Porta-aviões, etc?

JAQUES WAGNER – Nada mais natural que o mundo acompanhar o processo de aquisições e fortalecimento das Forças Armadas. Isso faz parte dos protocolos de inteligência dos principais países, inclusive do nosso. Esse é um mercado de US$ 1,5 trilhão e não podemos ter a inocência de que, ao tomar uma decisão, muitos interesses internacionais podem ser contrariados. Mas, como já dito, isso é natural da dinâmica do setor. Como já citado, os processos de compra de novos equipamentos e de modernização dos mais antigos estão em pleno andamento. A compra dos 36 aviões de caça F-X2 Gripen NG já teve seu contrato assinado em outubro de 2014. Os recursos para o andamento dos projetos em 2015 – da ordem de R$ 1 bilhão – já estão assegurados. A previsão inicial é a de que a primeira aeronave seja entregue em 2019 e a última em 2024.

 

NORDESTE – Estamos guardados no espaço aéreo?

JAQUES WAGNER – Como falei, as aeronaves vão proteger e policiar o nosso espaço aéreo, além de realizar missões de defesa e reconhecimento. E mais que isso, vão gerar empregos qualificados e aumentar o potencial de exportações e de avanço tecnológico com nacionalização dos produtos em alto nível. Ao mesmo tempo, no contrato há clausula de repasse da tecnologia de construção para o Brasil, o que representa um grande avanço para o país.

 

NORDESTE – O Brasil ao longo dos anos tem tentado, sem sucesso, se inserir no clube dos poucos Países do mundo a investir fortemente na produção de Foguetes que, na ponta, significa estar se equipando para proteger seu universo espacial. De que forma, a atual gestão encara estes investimentos e o que fará para sedimentar os avanços na área? Parcerias com Países, como a China, já estão em que nível?

JAQUES WAGNER – O Brasil já faz parte desse clube. Temos projeto em andamento para colocar o nosso Veículo Lançador de Satélites (VLS) em órbita a partir da Base de Alcântara (MA) ainda sem data prevista. Termos parcerias robustas em tecnologia aeroespacial com países como a Alemanha, a China, a Suécia e a Rússia. Nesse sentido, já conseguimos colocar em órbita mais de 300 sondas espaciais e outros 30 veículos sub orbitais. Também estamos desenvolvendo, no âmbito do Instituto de Aeronáutica e Espaço, o Veículo Lançado de Microssatélites – também uma parceria com a Alemanha. Além disso, temos cientistas e pesquisas de ponta no setor aeroespacial, o que tem, inclusive, reconhecimento internacional. Se não caminhamos tudo o que gostaríamos nesse setor, não tenho dúvidas que a base está sedimentada para o Brasil se tornar uma potência espacial nas próximas décadas.

 

NORDESTE – E com os Estados Unidos, em que nível estão os entendimentos?

JAQUES WAGNER – Os Estados Unidos são parceiros históricos do Brasil no setor de Defesa, haja vista a aliança vitoriosa contra o nazi-fascismo durante a II Guerra Mundial. Há muito espaço para a cooperação e desenvolvimento de projetos conjuntos com os americanos.

 

NORDESTE – Embora a questão das Fronteiras esteja afeita ao Ministério da Justiça, como a Defesa trabalha em sintonia para garantir a proteção e soberania plena nessas áreas geográficas estratégicas com outros Países?

JAQUES WAGNER – As fronteiras são assunto tratado em parceria entre a Justiça e a Defesa. Naquilo que é da nossa competência, as iniciativas são muitas. Uma delas é a implantação do Sisfron (Sistema de Monitoramento Integrado de Fronteiras), cujo projeto piloto já está em andamento no Mato Grosso do Sul. São investimentos da ordem de R$ 12 bilhões que vão assegurar monitoramento 24 horas por dia dos quase 17 mil km da fronteira brasileira com equipamentos de última geração. Também temos reforçado nossa presença nas fronteiras, especialmente na região amazônica com vários países, tal como preconiza a Estratégia Nacional de Defesa. Além disso, realizamos anualmente a Operação Ágata, com o emprego de 30 mil militares e em parceria com outras instituições do governo, em toda a região de fronteira. Dentro de nossas competências, as Forças Armadas não fugirão da sua responsabilidade de assegurar a soberania do território nacional contra qualquer tipo de ameaça que queira atravessar nossas fronteiras.

 

NORDESTE – Meses atrás, o Ministério da Defesa promoveu ensaios de “Guerra Virtual” tendo como base a cidade de Natal envolvendo diversos Países parceiros do Brasil. Embora esteja no plano da ficção, de que forma sua Gestão pretende avançar mais forte para garantir a pronta defesa de nossas armas a situações de invasão? Quantos outros treinamentos devem estar por vir?

JAQUES WAGNER – Atualmente funciona em Brasília o Centro de Defesa Cibernética (CDCiber), criado com o intuito de assegurar a integridade de nossas comunicações, tanto as militares quanto as civis. Também estão instalados nas principais capitais centros menores que atuam em integração com os oficiais do Exército responsáveis pelo CDCiber. As iniciativas são concretas e funcionaram muito bem no plano de Defesa da Copa do Mundo Fifa 2014. A proteção de nossa banda eletromagnética foi um sucesso durante o evento. Estamos trabalhando para que todo o território nacional tenha esse mesmo nível de proteção ininterruptamente. A segurança e confiabilidade das comunicações ganhou relevância nacional. Está prevista ainda a implantação da Escola Nacional de Defesa Cibernética e do Comando de Defesa Cibernética, que consolidará os esforços do país visando uma segurança cada vez maior das redes digitais de interesse da Defesa Nacional. 


Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

Recomendamos pra você


Receba Notícias no WhatsApp