BRASIL

Jogos Mundiais Indígenas não são as “Olimpíadas” dos povos tradicionais

As provas esportivas e a presença de atletas de várias nacionalidades são as poucas coisas que aproximam os Jogos Olímpicos, que ocorrem de quatro em quatro anos, e a primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), marcada entre os dias 20 e 31 de outubro, em Palmas (TO). Deixando de lado os pódios e os quadros de medalhas, os Jogos dos povos tradicionais surgem como um evento esportivo-cultural, apontando para o congraçamento das etnias desde o lema adotado – “o importante não é ganhar, e sim celebrar” – até a inclusão de jogos demonstrativos em seu programa.

 

“Queremos que os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas promova a conscientização dos índios e o resgate de nossa identidade a partir dos esportes. Não é uma competição entre etnias, tampouco uma busca por medalhas”, aponta Marcos Terena, articulador internacional do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), que está à frente da organização dos Jogos, que vão reunir cerca de 2.300 atletas de 22 etnias brasileiras e de 20 países.

 

Além das competições dos chamados jogos nativos de integração – os esportes tradicionais comuns para a maioria dos povos nacionais –, os indígenas poderão apresentar as práticas particulares ao seu povo, sem caráter competitivo. Etnias estrangeiras que desejarem mostrar os jogos tradicionais praticados em seus países também poderão se inscrever.

 

O jikunahati (futebol de cabeça), do povo Paresi; o Jawari (ritual que envolve lançamento de dardos para atingir os oponentes), apresentado pelos Kamayurá e Kuikuro; o Akô (prova de velocidade semelhante a um revezamento), trazido pelos povos Gavião Kyikatêjê e Parkatêjê; e o Peikrãn (jogo onde uma peteca feita de palha de milho é arremessada entre os jogadores), praticado pelos Kayapós, já estão na lista de jogos demonstrativos.

 

Mesmo contando com fase eliminatória e finais, os chamados esportes de integração (arremesso de lança, arco e flecha, cabo de força, canoagem, corrida de velocidade, corrida de fundo, corrida com tora e natação) têm um sistema de premiação próprio e, por vezes, fogem do modelo não indígena. Em vez de conferir aos três primeiros colocados medalhas de pesos e simbolismo distintos, os quatro melhores receberão o mesmo prêmio. Outra exigência é a utilização de equipamentos confeccionados de acordo com a tradição indígena, vedado o uso de materiais que mudem o ritmo na corrida de velocidade ou óculos e touca na natação.

 

“Quando vira apenas um campeonato, perde-se a fraternidade e a reciprocidade dos povos. Competir vai contra o pensamento dos povos indígenas”, explica Terena. “Apesar disso, precisamos estabelecer regras essenciais para evitar que os Jogos sejam vistos como um momento folclórico dos índios. Estimulamos as seletivas e os treinamentos para que os atletas possam chegar ainda mais organizados”.

 

Os critérios das provas estão sendo definidos nos congressos técnicos do evento – um realizado em junho, em Brasília, e outro marcado para a próxima quarta-feira (21), em Palmas. Uma das definições foi a padronização das canoas, das lanças, das cordas do cabo de força e das toras utilizadas na corrida, uma vez que cada etnia confecciona esses equipamentos de maneira própria. A organização cederá aos atletas o material necessário para estas provas. Na corrida de rua de 100 metros, por exemplo, a regra é que todos corram descalços.

 

Em entrevista ao programa Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia, o secretário extraordinário dos Jogos Mundiais Indígenas, Hector Franco, salienta as diferenças do esporte profissional para o esporte tradicional. “O esporte, para o indígena, está muito mais integrado ao seu dia a dia. A flecha serve para que ele cace seu alimento. Ele nada no rio para buscar o que comer e utiliza a lança como instrumento de defesa. O esporte vai desde sua sobrevivência até a dimensão espiritual e ritualística”.

 

Futebol e arenas – Amplamente praticado pelos povos indígenas, o futebol é o único esporte ocidental que estará nos Jogos Mundiais. As regras são as mesmas estabelecidas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas com uma alteração no tempo de jogo: a meia hora de partida foi dividida em dois tempos de 15 minutos, mais dez minutos de intervalo. Os Jogos ocorrerão no Estádio Nilton Santos, e, se necessário, em outros campos de futebol de Palmas.

 

A Arena Green, montada nas proximidades do Nilton Santos, receberá as cerimônias de abertura, com o ritual de Acendimento do Fogo Sagrado, e as competições e demonstrações esportivas tradicionais. Os esportes aquáticos vão acontecer no ribeirão Taquaruçu-Grande, que corta a capital tocantinense. As delegações serão compostas por, no máximo, 50 participantes, sendo 48 atletas e dois expositores da Feira de Arte e Artesanato Indígenas.

 

De acordo com o Comitê Intertribal, os critérios para seleção dos participantes são etnia, crenças e conservação dos costumes – os mesmos adotados nas 12 edições nacionais. No caso das etnias brasileiras, também foi pré-requisito a participação em alguma edição dos Jogos Nacionais, que acontecem desde 1996. Bom comportamento e cumprimento das regras nas edições passadas também contaram como pontuação para conquistar uma vaga nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Houve também a tentativa de contemplar povos oriundos dos diversos biomas brasileiros.


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