BRASIL

Lídice garante que pauta conservadora da Câmara não passará no Senado

Por Paulo Dantas

A primeira e única mulher que esteve à frente da Prefeitura de Salvador, a economista Lídice da Mata também é a primeira Senadora eleita pela Bahia.Chegou à Prefeitura em 1992 com o apoio de uma ampla coligação. A sua carreira política teve início no movimento estudantil, quando ainda cursava economia. Lídice ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas da Ufba em 1976 e em 1980 seria eleita a primeira presidente mulher do Diretório Central dos Estudantes. Atualmente preside o PSB da Bahia, Lídice foi fundadora do Instituto Pensar (Centro de Estudos e Debates voltados para discussão de temas relevantes para cidade) e consultora do Projeto Axé, responsável pela educação e assistência a jovens em situação de risco social. Em 2010, integrando a chapa do governador Jaques Wagner (PT) foi eleita a primeira senadora da Bahia, com 3.385.300 votos. Na entrevista concedida com exclusividade à Revista NORDESTE a senadora fala sobre a atual crise vivida na Câmara Federal, garante que projetos conservadores aprovados pelos deputados federais deverão ser modificados no Senado e diz: ainda é cedo para o PSB falar sobre 2018.

Revista NORDESTE: O Congresso Nacional tem sido apontado como um dos mais conservadores dos últimos tempos. A que pode ser atribuída essa formatação?
Lídice da Mata:
As eleições no Brasil, onde temos um sistema presidencialista, favorecem que o centro das atenções seja o Poder Executivo. Com isso, o Parlamento fica com importância secundária no processo eleitoral. Faltam, por exemplo, mais transmissões de debates dos postulantes ao Parlamento, já que o tempo de propaganda eleitoral de rádio e televisão privilegia os debates dos candidatos ao Poder Executivo. Isso faz com que as propostas dos candidatos ao Parlamento não tenham tanta visibilidade para o eleitor, que acaba tendo visão superficial das propostas. O atual sistema político também favorece grupos com maior poder de mobilização, inclusive econômico. Além disso, o sistema eleitoral vigente não garante uma participação mais democrática das representações de todas as camadas sociais, como mulheres, negros e minorias.

NORDESTE: A senhora acha que há uma crise institucional no Congresso?
Lídice:
Ao contrário. O Congresso e as instituições democráticas têm resistido muito bem às crises econômicas e políticas.

NORDESTE: Como a senhora tem visto a atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Lídice:
O presidente da Câmara tem comandado uma pauta extremamente conservadora, mas deu ritmo às atividades da Câmara dos Deputados. O problema central é a questão moral em que ele se envolveu.

NORDESTE: Ao que tudo indica, o presidente mentiu numa CPI sobre contas no exterior. A senhora acredita que ele deveria renunciar?
Lídice:
Acho que as provas são muito contundentes contra o deputado e não se justifica que ele não tenha declarado os ganhos ao Imposto de Renda. Defendo que o PSB vote por sua cassação na Comissão de Ética. Nós queremos que tudo seja esclarecido e, principalmente, que o Brasil possa sair dessa crise; e que a Câmara dos Deputados também possa sair dessa crise. O problema de um presidente de um Poder que está tão vulnerável é que este Poder perde força e o Parlamento não pode perder a força de decisão. A saída para o presidente da Câmara não passar pelo risco de uma cassação seria ele renunciar à Presidência.

NORDESTE: Alguns setores da esquerda têm se movimentado para conseguir a saída de Eduardo Cunha, qual a sua posição e do seu partido sobre isso?
Lídice:
O PSB ainda não tomou posição, mas é importante lembrar que, na Câmara, o partido lançou candidato próprio à Presidência da Casa e se colocou contrário à eleição de Eduardo Cunha desde o início.

NORDESTE: Recentemente, o Senado aprovou projeto que definia terrorismo e deixou de fora trecho que isentava movimentos sociais. Como a senhora vê esse projeto?
Lídice:
A bancada do PSB no Senado se colocou contrária à aprovação dessa lei, por entender que no Brasil não há a necessidade de uma legislação dessa natureza, por não haver práticas de terrorismo, como em outras nações do mundo. Também entendemos que o Código Penal brasileiro dá conta de diversas formas de crime praticadas em nossa sociedade. Muito nos preocupou durante a votação da proposição o fato de uma lei dessa natureza poder levar à criminalização mais facilmente de ações como, por exemplo, as dos movimentos sociais e, por isso, a bancada apoiou a emenda que garantia a exclusão dos movimentos sociais daquelas normas.

NORDESTE: A bancada BBB (bala, boi e bíblia) tem conseguido alguns avanços e vitórias no Congresso, entre elas a definição da família, redução da maioridade penal, demarcação de terras indígenas, alterações no estatuto do desarmamento. Essas vitórias significam um retrocesso?
Lídice:
Se avaliarmos o desempenho da Câmara dos Deputados sim, trata-se de um retrocesso do ponto de vista de direitos legais e constitucionais já consagrados para os cidadãos e cidadãs brasileiras. Temos, hoje, uma Câmara mais conservadora e um Senado menos conservador. Com isso, algumas questões podem ser revertidas no Senado. No entanto, muitas vezes se avança no Senado, mas as pautas retornam à Câmara, onde novamente sofrem alterações. É assim que funciona nosso sistema legislativo, que é bicameral. No caso da definição de família, por exemplo, da maneira como está sendo aprovada na Câmara, posso adiantar que este projeto terá resistência. E, no Senado, sou autora de outro projeto, que apresenta uma definição mais ampla de família. O conceito de família hoje é muito mais plural. Esperamos que nosso projeto avance. Da mesma forma, a questão da redução da maioridade penal teve nova proposta formulada e aprovada no Senado. Em relação ao Estatuto do Desarmamento, temos a convicção de que esta proposta, do jeito que foi aprovada na Câmara dos Deputados, não passará no Senado.


NORDESTE: Alguns parlamentares têm denunciado o que consideram um Congresso fascista. Há essa tendência no Congresso?
Lídice:
O Congresso tem que ser entendido como a Câmara e o Senado juntos. O que nós temos hoje, efetivamente, é um Congresso mais conservador. Acho o termo “fascista” um exagero.

NORDESTE: Na sua opinião, como tem se portado o Senado neste momento, onde o país passa por uma crise política e econômica. Como tem sido a atuação do presidente Renan Calheiros?
Lídice:
O Senado tem tomado iniciativas importantes para discutir alternativas para a saída da crise política e econômica. Nesse sentido, o Senado, por iniciativa do presidente Renan Calheiros, lançou a Agenda Brasil e criou uma comissão especial para discutir propostas como, por exemplo, o novo Pacto Federativo e novas fontes de receita para o País. Mas o Legislativo tem uma participação limitada, embora aberta ao diálogo com o Poder Executivo e a sociedade.

NORDESTE: Na sua avaliação o PT está refém do PMDB, que busca assumir a presidência?
Lídice:
O PT e o PMDB são hoje os maiores partidos da base do governo e, naturalmente, num momento de crise ocorrem disputas de poder.

NORDESTE: O PSDB e o DEM têm insistido na pauta do impeachment. A senhora concorda com a forma como esse movimento tem sido gestado? A senhora é a favor do impeachment ou da renúncia da Presidenta? Seria uma saída para o país?
Lídice:
Não vejo nenhum respaldo na Constituição Federal para um impeachment. Hoje, não há nada que leve ao impedimento da Presidente da República, constitucionalmente. Mas considero que a Presidente da República precisa estar atenta às opiniões do povo, para que ela compreenda o tamanho da crise que o País enfrenta e seja capaz de colocar o seu governo a serviço dessas novas necessidades, porque senão ela perde a legitimidade, o que é diferente da sua condição constitucional de governar. O que precisamos é garantir estabilidade aos governos, para que cumpram o que constitucionalmente lhes foi dado como dever.

NORDESTE: A crise vivida pela presidente Dilma Rousseff foi criada pelos meios de comunicação ou ela existe de fato? Qual o papel da mídia nesta crise?
Lídice:
A crise é real, não dá para atribuir à mídia. Entretanto, a polarização da crise, assim como a polarização de determinados temas em tramitação no Legislativo ganham mais força com a forma como são expostas na mídia. E mais ainda com a força que têm hoje as mídias sociais digitais, instrumentos que potencializam a discussão e o debate. Se, por um lado, a mídia ajuda a formar opinião, de outro, também pode ser manipulada por grandes conglomerados políticos e ou econômicos, o que, efetivamente, alguns meios de comunicação fazem. Não vejo a crise como criação da mídia. Mas é importante que tenhamos uma imprensa cada vez mais responsável e ciente de seu papel num momento como este, de crise econômica e política. A investigação e a verdade devem ser condição, sempre, para um jornalismo sério e cumpridor do seu papel de bem informar ao cidadão.

NORDESTE: Em recente entrevista o ex-presidente do PSB, Roberto Amaral, afirmou que o governador Ricardo Coutinho seria uma das poucas esperanças do partido contra uma aliança com o PSDB. Ele seria uma força para a manutenção do partido mais à esquerda. O mesmo ele falou sobre a senhora. Ele acredita que os dois deveriam atuar juntos. Como a senhora vê essa declaração?
Lídice:
Ainda estamos muito distantes da eleição presidencial. Temos hoje uma crise econômica e política que precisa ser resolvida, com a participação de todos e, antes, uma eleição para as prefeituras no próximo ano. Creio que a sucessão presidencial será discutida ao seu tempo.

NORDESTE: Na Bahia, qual será a posição do PSB nas próximas eleições? O partido terá candidato próprio?
Lídice:
Nós iniciamos as discussões e estamos reestruturando o partido com a formação de novas comissões em todo o Estado e vamos analisar caso a caso para saber onde teremos condições de lançar candidatos próprios e onde faremos aliança. Nosso objetivo é lançar candidatura própria em pelo menos 100 municípios. No caso de Salvador, estamos analisando o cenário político. Salvador é minha maior base eleitoral, onde sempre tive expressivas votações, fui a deputada mais bem votada, senadora também mais bem votada, fui a primeira mulher a governá-la. Portanto, minha responsabilidade para com Salvador é muito grande e seja qual for a decisão do partido, vou participar ativamente das eleições na capital baiana.
 

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