RIO GRANDE DO NORTE

Livro registra trajetória do rock potiguar

Ramon Ribeiro

Repórter

Colaborou: Tadzio França e Cinthia Lopes

Em 1966, o ainda adolescente Leno lançava ao lado de Lilian, um compacto trazendo as canções “Devolva-me” e “Pobre Menina”, baladinhas românticas que marcaram sua estreia no mercado musical brasileiro, a partir da  Jovem Guarda. O disco tanto lançou Leno no rock brasileiro, como marcou o início da história do rock norte-rio-grandense, que em 2016 chega a meio século de existência. Parte dessa história está contada no livro “100 Discos do Rock Potiguar”, dos autores Alexandre Alves, Alexis Peixoto, Hugo Morais, Olga Costa, Jesuino André Oliveira e Mr. Moo. Publicado pela Editora 8, a publicação terá um pré-lançamento nesta quarta-feira (7), no Estúdio Ícone do Mudernage, em Ponta Negra, para convidados. E no domingo, no Centro Cultural Nestor Lima, em Parnamirim, acontece mais um lançamento, desta vez aberto ao público.

Obras de referência sobre a produção cultural do RN são raras. E tendo em vista o alcance nacional que a música potiguar recente tem conseguido, principalmente com bandas e artistas da cena rock – a mais organizada e fértil no momento –, “100 Discos do Rock Potiguar” chega num momento oportuno para mostrar para as gerações mais novas todo o caminho que o gênero percorreu até chegar no que é hoje.

Cabeça dessa empreitada, o músico e professor universitário Alexandre Alves resume o livro como “uma espécie de memória que poderia ser esquecida”. Além de pesquisador, ele também é protagonista dessa história, já que está envolvido com o rock potiguar desde os primeiros acordes na banda Movement (1991-1995), depois na Chronic Missing (1996-2000), até a Automatics, que desde 2001 está na ativa.

Para chegar aos 100 discos do livro, Alexandre contou com a ajuda de outros cinco autores, todos ligados a área musical (produtores culturais e/ou musicais, jornalistas, diretores de selos independentes, engenheiros de estúdios). Eles fizeram suas listagens pessoais que depois foi ajustado em consenso para a composição final. Ao todo, foram dois anos de pesquisa.


DivulgaçãoImpacto Cinco, Lágrimas AzuisImpacto Cinco, Lágrimas Azuis


Cada disco citado vem acompanhado de uma resenha, nota de imprensa falando de sonoridade e aspectos qualitativos do trabalho, bem como comentários e curiosidades sobre o artista ou a banda. “Tudo estava guardado nos meus arquivos pessoais e no de Vlamir Cruz (Mr. Moo), jornais das décadas de 1980 e 1990. Se a gente fosse pesquisar “in loco”, o livro só sairia daqui a cinco anos e durou dois anos. Sem estes arquivos pessoais, o livro não poderia ter sido feito do modo como ficou”, comenta Alexandre.

Entre 1996 e 2006, o autor coordenou no RN um selo independente, a Solaris Records, que lançou 50 discos. Nessa época o músico percebeu que a produção de rock no estado deveria passar dos 300 álbuns. Na pesquisa o foco é exclusivamente de discos físicos. “É o único formato que nós conseguiríamos escrever com fidelidade. Todo disco tem ficha técnica e capa com alta qualidade para impressão em formato de livro. E mais: nada garante que os discos lançados em formato virtual fiquem na rede para sempre”, opina o músico, que mantém uma coleção de discos (LP’s, CD’s, Compactos, EP’s e K7’s) que ultrapassa dois mil exemplares. “Devo ter entre 250 e 300 potiguares, mas só guardo os que percebo qualidade neles. Desde 13 anos que compro discos”.

Os maiores desafios foram encontrar registros do rock potiguar nos anos 1960 e 1970, período em que a produção de um disco não era tão acessível como é hoje. O jornalista Alexis Peixoto reforça essas dificuldades, apesar de na família ter tido o contato com obras antigas por causa de um irmão e um tio que acompanhavam os primórdios da cena do metal.


DivulgaçãoFar From AlaskaFar From Alaska


Para ele, a pesquisa também revelou surpresas positivas. “Dei sorte poder escrever sobre discos muito bons, que acabei descobrindo durante o processo do livro. O “Meu Nome É Gileno”, do Leno, por exemplo, eu não conhecia. É um disco da porra inclusive, vou até escutar aqui”, diz o jornalista, aos risos.

Para Alexis, os anos 1990 foram os mais significativos. “É o grande boom do rock potiguar. Não tanto em quantidade de discos gravados porque as condições eram difíceis. Mas certamente foi um salto no número de bandas ativas com repertório autoral, que tocavam pela cidade, organizavam shows de bandas de fora, faziam zines. É pena que poucas chegaram a gravar alguma coisa”.

Marcas do rock potiguar
Olhando o resultado da seleção, observa-se algumas particularidades da produção local. O rock no RN aponta para várias direções: rock garageiro, indie rock, alternativo, pop rock, rock instrumental. Alexandre entanto, nos 100 discos selecionados, a distorção impera nas bandas. Mais rock, impossível”. Outra marca, é a pouca durabilidade das bandas. “Dos presentes no livro de 2001 até aqui, só passaram no teste do tempo Expose Your Hate, Sanctifier, Camarones, Discarga Violenta e Automatics Da safra 2000, a maioria das bandas acaba em cinco anos e larga o rock”.


DivulgaçãoAbaeté, FukaiAbaeté, Fukai


Para o jornalista Hugo Morais – editor, ao lado de Alexis, do site de música OInimigo –, dos subgêneros do rock mais explorados nos últimos anos no RN, o pop é o mais em alta. “O rock daqui teve uma boa fase hardcore. Está tendo uma instrumental e a que chamam de experimental. Sem falar da pop. Se for atualmente, para mim a pop está com bastante força: Plutão (Já Foi Planeta), Luiz (Gadelha), Simona (Talma), Khystal, Camarones”.

O primeiro rock star e produtor musical
Figura seminal, ponto de partida para a cena do rock potiguar, o cantor e compositor Leno Azevedo era aluno do Marista em Natal quando teve sua primeira banda de rock, The Shouters, em 1964, inspirado numa música dos Beatles. Lembrado pelo público sobretudo pela dupla com  Lílian, no movimento Jovem Guarda, no livro, Leno é reconhecido como o primeiro rock star desta esquina do continente. 


DivulgaçãoLeno é reconhecido como primeiro rockstar potiguarLeno é reconhecido como primeiro rockstar potiguar


Três trabalhos do artista foram escolhidos. O LP solo “Leno” (CBS, 1968), onde predominam as canções autorais. O romantismo ingênuo é marcante em quase todas as faixas. É nas versões de hits internacionais  onde Leno se revela um bom ouvinte de rock and roll. A seleção é assinada pelo jornalista e músico Alexandre Alves, acrescido de uma citação da revista Rolling Stone, de 2009.  O segundo trabalho presente no livro é “Meu nome é Gileno” (CBS, 1976), já maduro, com um pé na psicodelia e no folk, seguido pelo cultuado “Vida e obra de Johnny McCartney” (concebido em 1971, mas só lançado em 1995), onde há colaborações com Raul Seixas. O autor das obras apreciou a sequencia dos discos escolhidos. “Eu gosto de todas essas fases. Houve uma sequência de amadurecimento. O primeiro disco foi importante pelo sucesso comercial que me deu. A música ‘Eu não existo sem você’ é do Tom Jobim, e o próprio gostava muito da gravação”, conta. “Já os outros discos foram mais maduros, e refletiam as inquietações de cada época. Era um rock crítico, um som realista”, analisa. Leno não aprecia o rótulo de eterno ícone da Jovem Guarda, e prefere o posicionamento da crítica musical de hoje em dia. “Os críticos de hoje são mais lúcidos e abertos que os da minha época, que sempre analisavam tudo por um viés político e ideológico”, afirma.

Leno diz que o recém-lançado “Idade Mídia” é o seu disco favorito, mas que de certa forma, ele compõe uma trilogia com os álbuns passados. “O ‘Vida e Obra’ é considerado um dos dez melhores discos de rock do Brasil. Eu gosto que ele também esteja numa lista de rock potiguar”, comemora. Ser reconhecido como um pioneiro local também agrada o cantor. “A gente tocava no Aeroclube, na Cidade da Criança…nosso primeiro cachê foi usado para comprar dois discos dos Beatles. Tenho um deles até hoje”, conclui.

Tribuna do Norte


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