NORDESTE

Médica Fátima Duques revela que sociedade de Gastroenterologia convive com efeitos da Covid nos hábitos alimentares afetando aparelho digestivo

Por Walter Santos

Todos os segmentos da vida no mundo convive com os efeitos da Covid, entre eles a Sociedade de Gastroenterologia precisando cuidar dos efeitos produzidos pelos novos hábitos de consumo alimentar. Esta é a sintese da abordagem contemporânea da professora e médica Maria de Fátima Duques, presidente da Sociedade de Gastroenterologia da Paraiba avaliando muitos outros aspectos causados pela má digestão em face de novas culturas alimebtares do mundo moderno.

Eis a entrevista na integra:

WSCOM – O mundo vive o impacto da pandemia, que além dos muitos problemas afetou a cultura de consumo alimentar através do Delivery. Qual o impacto deste contexto no aparelho digestivo da humanidade?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – Muitos comportamentos modificaram-se durante a pandemia de Covid-19 e um deles foi o crescimento exacerbado desse hábito já existente de pedir comida para entrega em domicílio, que no Brasil aumentou quase 200% em 2020. Se a escolha recai em locais que preparam refeições ditas saudáveis e com boas práticas de higiene além de acondicionamento correto e entrega em tempo adequadas, pode não ocorrer um impacto negativo sobre a saúde das pessoas. No entanto, são corriqueiros os pedidos de comida em locais sem planejamento nutricional que servem refeições desbalanceadas e com preparo inadequado, além de entregas fora de tempo hábil, aí sim, gerando riscos ao consumidor.

Um movimento interessante a partir dessa explosão de consumo foi que restaurantes e empresas de delivery tem se esforçado para qualificar-se e oferecer melhores serviços. Muitos pequenos restaurantes, sem ajuda estatal, salvaram-se de fechar as portas por terem se adequado às novas demandas.

Entre as pessoas mais abastadas que optaram por preparar as próprias refeições – em vez de pedir fora – ocorreu um aumento do consumo de frutas, legumes, hortaliças e grãos como o feijão. Esse pode ser considerado um ganho, além de algumas famílias terem restaurado o velho e bom hábito de refeições em conjunto.

Por outro lado, em regiões mais pobres e de escolaridade mais baixa houve aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, produtos industrializados que contêm muitos ingredientes como açúcar, sal, adoçantes, corantes, aromatizantes e conservantes, o que sem dúvida traz prejuízos à saúde como um todo.

WSCOM – Estatisticamente como a Sociedade de Gastroenterologia acompanha e o que atesta como consequência dos novos hábitos alimentares?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – A Sociedade de Gastroenterologia da Paraíba (SGPB) já foi denominada Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição da Paraíba. O desenvolvimento e a ampliação da Nutrição trouxe independência a esta ciência, mas mesmo com a mudança do nome, a gastroenterologia como especialidade sempre caminhou par e passo com diversos temas que são também do escopo da Nutrição.

Há doenças do aparelho digestivo que se exacerbam com hábitos alimentares. Um exemplo disso é a doença do refluxo gastroesofágico, cuja sintomatologia piora com refeições volumosas, excessivamente gordurosas, acompanhadas de líquidos em abundância ingeridos concomitantemente. Em outras situações, a correção alimentar muitas vezes é suficiente para controlar o quadro, como ocorre em alguns tipos de diarreia.

É papel da nossa sociedade observar e registrar os hábitos alimentares atuais, além de munir-se da literatura científica para atuar na lida com indivíduos e junto às instituições que cuidam ou deveriam cuidar da segurança alimentar da nossa população.

WSCOM – Mesmo sociedades ricas, como a americana, têm adotado a cultura do fast food afetando o nível da qualidade do que se ingere como alimento. Qual o raio X desta realidade?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – A origem do fastfood é americana, numa época de prosperidade dos Estados Unidos e que oferecia essas opções rápidas para uma população que já tinha possibilidade de alimentar-se fora sem querer gastar muito e ganhando um tempo precioso. Hamburguer, batatas fritas e refrigerantes tiveram um sucesso estrondoso entre os americanos, mais adiante invadiram a Europa e o resto do mundo, tornando-se um hábito mundial talvez dos mais deletérios por tratar-se de alimentos ricos em carboidratos simples, sal, gordura e conservantes artificiais.

Nos tempos correntes, cadeias internacionais de fastfood tem seus tentáculos espalhados em todo o mundo, sobretudo concentrados nos grandes centros comerciais das grandes cidades mas já invadindo pequenas cidades e seduzindo sobretudo os jovens, não só pela praticidade mas pela aura de modernidade que esse tipo de comida pode enganosamente sugerir.

Um dos principais resultados negativos do consumo frequente de fastfood é o desenvolvimento de obesidade, além de outras consequências. Presencial ou delivery, fujam sempre deste tipo de comida, vocês só tem a ganhar!

WSCOM – No Brasil, o Nordeste e o Norte do País convivem com a desnutrição. Que efeitos são registrados no contexto gástrico sem uso frequente de alimentos?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – Embora haja outras causas, num contexto populacional a principal causa de má nutrição é a pobreza. O Brasil conseguiu por uns tempos melhorar bastante a condição socioeconômica de muitas pessoas e saiu do mapa da fome mundial. Assim falou recentemente Daniel Balaban  diretor do escritório no Brasil do Programa Mundial de Alimentos (World Food Programme – WFP): “O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014. Agora, está caminhando a passos largos para voltar”, avaliou, citando dados do relatório do Banco Mundial.

A desnutrição calórico-proteica atinge sobretudo crianças quando submetidas a restrições alimentares. É a principal consequência da fome e tem diversas consequências sobre o organismo pois é uma condição que o atinge como um todo. Isso inclui cabelo, quebradiço, seco e sem viço; a pele seca, descamativa; edema (inchaço); perda de massa muscular; tendência a infecções respiratórias e do tubo digestivo; alterações importantes nos exames laboratoriais como anemia, dentre outras.

Como se vê, essa convivência com a desnutrição ascendente já vinha ocorrendo. Agora, com a pandemia, a desigualdade já tornou a parcela mais vulnerável da nossa população mais pobre que antes e sem algum plano de ajuda a tornará mais desnutrida e mais doente.

WSCOM – Quais os problemas gástricos mais comuns a partir dos novos hábitos das novas gerações?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – Os novos hábitos dos mais jovens incluem o consumo de fastfood, comer rapidamente sem mastigar bem os alimentos, ingerir bebidas gasosas e cheias de açúcar sobretudo durante as refeições.

Se a isso junta-se o consumo excessivo de bebidas alcóolicas, fumo, drogas ilícitas, estresse, uso de certos medicamentos como antiinflamatórios e infecção pela bactéria Helicobacter Pylori podem acarretar algum tipo de gastrite, piorar doença do refluxo, azia e dispepsia, aquela sensação terrível de empachamento, gases, já na hora do jantar a pessoa sente que o almoço quase nem saiu do estômago.

A falta de consumo frequente de fibras também pode levar à prisão de ventre, piorando desconfortos gástricos.

WSCOM – Como a Sociedade de Gastroenterologia acompanha o ensino e formação dos novos médicos da área e como a Covid afetou esse universo?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – Na atuação da Sociedade de Gastroenterologia da Paraíba há uma coadjuvância ao dar suporte às Ligas de Gastroenterologia, onde estudantes organizam-se para estudo da disciplina para além dos muros da universidade. A sociedade promove eventos, reuniões, discussões extra-curriculares, contando com o apoio dos professores de Gastroenterologia ou mesmo palestrantes de outras instituições.

Quanto à pandemia, todos os eventos da Gastroenterologia estão se realizando on line, para evitar contatos presenciais que sabemos ser como se difunde a Covid19. Estamos seguindo a conduta internacional e nacional, dado que a Federação Brasileira de Gastroenterologia também tem seus eventos nessa modalidade atual.

Em 2020 o GASTROPARAÍBA, evento anual da Sociedade de Gastroenterologia da Paraíba realizou-se virtualmente com muito sucesso. Este ano, para a segurança dos participantes, o GASTROPARAÍBA que ocorrerá em agosto será também nesse formato.

WSCOM – que poderíamos definir como maiores desafios dessa Sociedade profissional balizada pela ciência?

DRA MARIA DE FÁTIMA DUQUES – O primeiro desafio é manter-se balizada pela ciência. Estamos vivendo um momento muito difícil no país, onde há discordâncias em relação às posturas científicas internacionais.
A pandemia veio sacudir o meio médico que até então parecia concordar com o exercício da medicina baseada em evidências onde as condutas médicas são regidas por níveis de evidência. O que isto quer dizer? Uma conduta médica é tanto mais verdadeira quanto maior for o seu nível de evidência, o que significa que foi estabelecida por meio de estudos multicêntricos com um número grande de indivíduos estudados, com metodologia bem definida, randomizados (com escolha aleatória da intervenção) e duplo-cego para evitar interferências.

As evidências vão caindo em importância até chegar nos relatos individuais, a partir da experiência pessoal do investigador. Estes, embora sejam válidos, têm uma limitação quando comparados ao modelo de estudo que descrevi acima, que produz a melhor evidência científica.
No início da pandemia não foi possível de imediato seguir os melhores princípios para a Covid19. Mas o tempo foi dando caminhos e atualmente já existem bússolas que regem a condução da doença aprovadas no mundo inteiro.

Mas estamos vendo ainda uma ciranda de opiniões pessoais sobre medicamentos até de pessoas não médicas e não ligadas à ciência, o que favoreceu um conflito de opiniões que deve bagunçar a cabeça das pessoas, de tão divergentes que são. Em algum momento há que se chegar a um consenso que oriente melhor as pessoas.

Nesse cenário, manter a especialidade conduzindo-se dentro dos preceitos científicos mais rigorosos é tarefa da nossa e de outras sociedades médicas.
O segundo desafio é abrir um leque de relacionamentos. Com a população, dando-lhe acesso às informações corretas sobre temas da Gastroenterologia, tornando-nos visíveis como sociedade local e braço da Federação Brasileira de Gastroenterologia o que amplia o escopo da SGPB.

E também com os colegas da especialidade e com os de outras especialidades que têm pontos de convergência com a Gastroenterologia. Visando atravessar a pandemia de modo ético, científico e empático, acreditamos que com essa interação ganhamos todos.


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