PERNAMBUCO

Mulheres ainda não têm representatividade no legislativo municipal

Mais da metade da população do Brasil, as mulheres são também maioria – 51,9% – do eleitorado no país, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Embora estejam em maior número nas ruas e nas unas, elas não ocupam espaços de liderança, o que coloca o Brasil na 129ª posição em um ranking de 189 democracias, no que diz respeito à inclusão de mulheres nos cargos de poder. Entre os vereadores, por exemplo, apenas 13,4% são mulheres, segundo a série histórica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA). Em Pernambuco, onde as mulheres são 51% da população, três das 14 cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR) não têm nenhuma vereadora nas suas câmaras legislativas, e a maioria tem apenas uma parlamentar, segundo levantamento feito pelo Diario. Diante das crescentes discussões sobre as questões de gênero, a ausência delas nestes cargos inflama o debate sobre representatividade.

Em outubro, 17.651 candidaturas  estarão disputando as vagas das câmaras legislativas de Pernambuco, segundo o Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-PE). Entre estas, pouco mais de 15% –  5. 571 – serão mulheres. Para especialistas e parlamentares, o resultado das urnas revela um universo de oportunidades desiguais para candidatas e candidatos, que finda na falta de representatividade e voz para as mulheres no Legislativo.

Ao todo são 16 vereadoras na RMR, divididas em 11 municípios. A maior concentração é na capital, onde seis mulheres estão no parlamento, ao lado de 33 homens. A vereadora Isabella de Roldão (PDT), que ocupa uma das vagas, relata que o machismo aparece no aumento do tom de voz de um colega durante a discussão de uma pauta e também em determinados comentários, mas explica que vai muito além. 

 

Vera Lopes (PPS) critica a ausência de mulheres na mesa diretora da câmara, defendendo que os postos sejam divididos igualmente. Foto: Nando Chiappetta/DP

 

Vera Lopes (PPS) critica a ausência de mulheres na mesa diretora da câmara, defendendo que os postos sejam divididos igualmente. Foto: Nando Chiappetta/DP

“As mulheres não estão representadas. Primeiro pelos números. Em um universo de 39 homens, é difícil ampliar as pautas das mulheres. As pautas feministas na câmara não são discutidas, não avançam, e você vai se dando conta do porquê, do reflexo disso nas políticas públicas. Não tem quem entenda a importância da discussão”, reflete a vereadora. 

Também vereadora do Recife, Vera Lopes (PPS) destaca a ausência de mulheres na mesa diretora da câmara e defende que os postos sejam divididos igualmente entre homens e mulheres. “A mesa é formada predominantemente por homens, a gente não tinha nenhuma vereadora. Entrei com um projeto de emenda para que tivesse uma mulher, mas o ideal era que fosse meio a meio”, explica Vera, que acredita que a falta de representatividade impacta na vida das cidadãs. “Quando a gente vai fazer ou discutir um projeto de lei, podemos entender a necessidade de outra mulher representá-la”, afirma, refletindo ainda sobre o componente de machismo na eleição dos homens. 

“As mulheres são maioria dos eleitores, mas votam em homens. E os homens votam em homens. As mulheres não se valorizam, não valorizam as mulheres, parecem que concorrem. E isso é um traço machista da criação”, aponta. 

Cotas simbólicas

Criada em 1997, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como mecanismo de transição para a igualdade entre os sexos, a cota que obriga os partidos políticos a destinar 30% das suas candidaturas às mulheres não foi capaz de garantir aumento expressivo da representação feminina no Parlamento federal, estadual e municipal. Importante dizer que, sem os mesmos recursos e apoios partidários, elas não têm as mesmas chances de vitória dos homens. 

 

Vereadora do Recife, Aline Mariano (PMDB) lembra que, na hora de garantir uma representatividade dentro do partido, priorizam os homens. Foto: Julio Jacobina/DP/ Arquivo

 

Vereadora do Recife, Aline Mariano (PMDB) lembra que, na hora de garantir uma representatividade dentro do partido, priorizam os homens. Foto: Julio Jacobina/DP/ Arquivo

Para a vereadora do Recife Aline Mariano (PMDB), é daí que deve começar a mudança no cenário da representatividade. “Geralmente temos muitas mulheres no comando de associações de bairros, por exemplo, mas na hora de garantir uma representatividade dentro do partido, priorizam os homens. É importante que os partidos dêem condições para que elas possam disputar com igualdade”, defende a vereadora, afirmando que nem todos os partidos cumprem a cota estabelecida para o processo eleitoral. “Para fortalecer políticas de gênero é essencial a participação direta das mulheres nesses espaços de poder. A igualdade de gênero é essencial para a democracia.”

Uma das duas vereadoras de Olinda, Graça Fonseca (PMB) acredita que a presença das mulheres leva perspectivas únicas aos debates. “É um olhar diferente sobre a questão das mulheres,  do direito das mulheres, mas não só isso. A gente tem sensibilidade para as questões sociais de modo geral, porque envolvem família”, diz a parlamentar. 

Para a vereadora do Recife Michele Collins (PP), é preciso ampliar o debate e fortalecê-lo, com mais mulheres ocupando esses espaços. “A mulher é mais detalhista, seria muito bom mais mulheres para fortalecer o debate, se você tem mais vozes dizendo a mesma coisa, pensando, tem mais força, mais poder, consegue aprovar mais projetos e ampliar esse debate”, explica. 


"Essa representação feminina é importante e necessária , atendendo ao clamor por políticas públicas mais eficazes no combate à violência e à discriminação da mulher", declara Aimee Carvalho (PSB), parlamentar do Recife. 

 

ENTREVISTA

 

CARMEM SILVA, educadora do SOS Corpo e membro do Fórum de Mulheres de Pernambuco 

 

Foto: SOS Corpo/Divulgação

 

Foto: SOS Corpo/Divulgação

Representatividade importa? 

Na minha avaliação, importa muito porque é o princípio do poder legislativo, é o princípio da representação. Então, o poder legislativo em um estado democrático deveria ter uma representação democrática da sociedade. E a sociedade não é um bloco, tem inúmeras diversidades, que são, inclusive, contraditórias entre si. Por exemplo: tem a classe trabalhadora e a empresarial, brancos e negros, homens e mulheres, isso falando em três elementos básicos da diversificação de interesses presentes na sociedade. 

 

E como é o parlamento hoje? 

 

O parlamento brasileiro, tanto no nível das câmaras municipais, quanto estadual e federal, não tem o princípio de representatividade democrática. Nosso sistema político, as leis que regem a organização do processo eleitoral, dos partidos, da distribuição dos poderes no estado, essas leis não consideram a possibilidade de construir o parlamento com base no princípio de representatividade. 

 

Mas a cota é uma conquista importante, não é?

Foi e é importante porque não tinha nada, não tinha legislação que favorecesse a representação de mulheres. A cota é uma conquista do movimento feminista para ampliar a representação nesse sistema político que é cheio de problemas. Mas elas são para candidaturas, não para as vagas. Essa obrigação de concorrer não significa que elas ganhem. 

E dentro dos partidos como é essa divisão?

As condições dessas candidaturas frente às candidaturas de homens são desiguais porque a sociedade é desigual. Temos menos acesso a recursos econômicos na sociedade brasileira, menos acesso ao poder no interior dos partidos, as executivas dos diretórios são masculinas, os palanques, os tempos de inserção da TV, tudo isso influencia para termos menos mulheres eleitas.

Além disso, as mulheres são responsabilizadas socialmente pelo trabalho doméstico, o que faz com se exijam estar em casa. Os homens podem sair, ir para uma reunião do partido, fazer campanha em qualquer hora do dia ou da noite, viajar, porque tem uma retaguarda em casa, de pessoas que cuidarão do seu bem-estar, da sua roupa lavada e passada, dos seus filhos, da sua mãe doente. É injusto. 


 

A reportagem do Diario tentou mas não conseguiu contanto com a vereadoras: Marília Arraes, do Recife, Mônica Ribeiro, de Olinda, Irmã Sandra, de Jaboatão dos Guararapes, Eliete Maria Lins, de Ipojuca, Dona Yolanda, de Paulista, Givanilda da Silva, de Araçoiaba, Prazeres e Erica Uchôa, de Igarassu, Izolda Pereira, de Itapissuma, Ana Matos e Patrícia Brasil, de Moreno e Dora da Padaria, de São Lourenço da Mata.

Diário de Pernambuco


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