PERNAMBUCO

Naná Vasconcelos: “Nível de criatividade do carnaval de Recife empobreceu”

Por Paulo Dantas

O músico Naná Vasconcelos descobriu um câncer de pulmão em agosto do ano passado, pouco depois de seu aniversário de 71 anos, dia 2. Desde então vem vivendo uma bateria de exames e aplicações de radioterapia e quimioterapia. Apesar de lutar contra uma doença agressiva, o músico se mantém na ativa e deve abrir o carnaval de Recife comandando o Macaracu. Há 15 anos Naná é responsável pela tradicional abertura da festa de Momo na capital pernambucana, regendo um cortejo com mais de 500 batuqueiros de 11 nações de maracatu de baque virado. Naná concedeu entrevista à Revista NORDESTE para falar do carnaval, onde teceu críticas a falta de apoio para o frevo-canção, estilo o qual teme pela continuidade. Na reveladora entrevista que segue o músico fala sobre o carnaval da Bahia, de Pernambuco, o maracatu, novos projetos e a doença. Confira!

Revista NORDESTE: Como você vê o carnaval feito em Pernambuco?
Naná:
Recife tem um carnaval muito livre. Recife não vende as coisas. O carnaval de Recife não precisa Abadá para você participar. Isso é um ponto. Agora tem outros pontos aí, o nível de criatividade empobreceu muito. Você não tem mais frevos-canções novos, não tem mais músicas novas. Isso é uma coisa que acontece especificamente aqui em Recife, porque na Bahia todo ano tem uma música que todo mundo canta, aquela coisa de Carlinhos Brown que dois meses depois ninguém se lembra mais e tudo, mas tem esse movimento de fazer a música para o carnaval. Eu sou de uma época que as músicas de carnaval saiam normalmente em novembro. Na passagem de ano novo já tinha gente cantando as marchinhas de carnaval. Ninguém escreve mais frevo-canção. O Rio de Janeiro é que está pegando essa coisa de marchinha de Carnaval. O frevo instrumental, tem os grandes músicos como Spok, Duda, maestro Forró, Araujo, cada um com seu estilo, forró muito irreverente. Mas é assim, como a música não toca no rádio, ninguém conhece. Fica arriscado a perder a identidade, deixa de ser pernambucano, e nunca foi sul americano, passa a ser jazz ou outra coisa. Eu trabalhei um tempo na Bahia, morava fora ainda, e lá chegava e diziam: você está na Bahia e você tem que tocar música baiana, ou senão botamos a sua rádio daqui para fora. Ainda prevalece isso. A diferença é que na Bahia tem grupos como o Chiclete com Banana, não sei o que, que tem uma rádio, outros têm rádios. Então na Bahia você escuta música baiana, música de carnaval. Um fenômeno aqui de Pernambuco, uma coisa que é triste até. Você não vai ter um frevo-canção que o povo vai entoar, aí fica tocando “Vassourinha”. Isso é triste.

NORDESTE: A quê você atribui essa falta de novos músicos, cantores?
Naná:
Tinha que ter um convênio, uma conversa entre o secretário de cultura e as rádios, porque não adianta você querer também… teve uma ideia de botar frevo o dia todo nos auto-falantes da Prefeitura, mas não adiantou nada. Parecei mais uma lavagem cerebral, onde as pessoas ficam forçadas a ouvir, entrando no elevador ouvindo frevo o dia todo. Não é por aí.

NORDESTE: Existem novos compositores, ou uma coisa leva a outra?
Naná:
Uma coisa leva a outra. Existem novos compositores, mas existe falta de estímulo. Não adianta fazer uma música se vai ficar com ela no bolso. Deveria ter uma conversa, um movimento entre os organizadores… Olha tem que se divulgar a música dos caras. É delicado a situação, você não pode dizer que a culpa é de fulano ou sicrano, é muito triste porque fica tocando “Vassourinha” todo o tempo. As músicas novas, como não tocam nas rádios, não fazem efeito nenhum. O pessoal de Recife é triste, não sei como resolver esse negócio aí. Sei que é um negócio assim que a gente precisa de ajuda. Precisava parar e sentar com o pessoal da rádio e tudo. Afinal de contas estamos falando de cultura.

NORDESTE: Sarajane, da Bahia, falou numa crise no Axé Músic, você concorda?
Naná:
Isso já basta, já fez. Fez tanto que pasteurizou. Eles têm a coisa do mercado, marketing. Realmente eles fizeram isso e fizeram muito bem. Você não escuta uma música pernambucana na rádio da Bahia, você escuta música baiana. O Axé basta. O sertanejo estão pegando a vez aí e vamos dançar a música sertaneja durante o carnaval. O axé já deu o que tinha que dar e virou quase uma coisa descartável, porque você não se lembra mais da música do ano passado, que foi sucesso no carnaval passado.

NORDESTE: Você acha que o Carnaval perdeu um pouco a identidade?
Naná
: A identidade aqui até que não, porque o carnaval aqui sempre foi livre. Eu diria até que perdeu na Bahia, porque o pessoal agora brinca dentro dos camarotes. Brinca ali dentro e enquanto o trio está passando eles nem estão aí. Aqui, graças a Deus, nós não temos isso. Esta sendo reforçado cada vez mais a valorização da cultura que existe nessa região do Brasil, onde a miscigenação cultural é enorme. Pernambuco é um dos pontos chaves. Esse ano vou vir com os Caboclinhos que estão prestes a desaparecer sem registro. Vamos dar uma oportunidade para que as pessoas vejam o caboclinho, que é lindo, elegante e exuberante. É isso, o estilo é completamente diferente. O carnaval de Recife é o único ainda que você pode brincar realmente livremente, sem comprar abadá. Os outros ou você fica no camarote assistindo ou compra um abadá para sair no cordão de isolamento. E aqui, graças a Deus, não temos isso. Ainda não.

NORDESTE: Você acha que esses cordões de isolamento, esses abadás criaram uma espécie de apartheid na Bahia?
Naná:
É para quem tem dinheiro, esses abadás não são baratos, para você comprar um abadá e participar de um desses trios de Ivete, Margareth. Claro que é para quem tem dinheiro.

NORDESTE: Como é o teu projeto com o Maracatu nas comunidades?
Naná:
Faço já há 15 anos, e este ano por eu ter estado doente eles decidiram me ajudar. Nós vamos fazer música, tocar música, fazer dinâmicas e tudo. Isso a gente já faz, o negócio é perder aquele espírito de competição e entender que o carnaval é um espetáculo e com bailarinos, tem artistas de fora que não necessariamente tem a ver com o carnaval. Este ano, acredito que deve ter muita coisa bonita, nova, com o forró sendo homenageado. Vamos ter surpresas bonitas e boas.

NORDESTE: Você está com um novo projeto chamado um Budista Afro
Naná:
Um disco que começou no final do ano, eu estava lá na Argentina. Foi uma frase de um jornalista que disse que eu sou um budista afro, ele conhece um pouco da minha trajetória, como Don Cherry, Codona. Eu me entusiasmei e achei o nome bonito. Um budista afro…. Já compus a música, fiz a música Amem e Ámem. Fiz uma música no hospital, o “Diga 33”. O médico chegava para mim e dizia: respire fundo e diga 33. Estou fazendo a trilha de um balé de São Paulo chamado “Dança a Vida”, de Ribeirão Preto. Estou fazendo a trilha. Aproveitei, peguei o embalo no hospital e comecei a compor sem parar, está num pique danado. Depois do carnaval vou me organizar, parar e ver como vou fazer, porque é para orquestra, orquestra grande, coisa desse tipo. Eu gosto de improvisar. Quero deixar um trabalhar assim do Extremo Som, o som popular e o erudito.

NORDESTE: Quando fica pronto?
Naná
: Não sei, deixa passar o carnaval. Agora mesmo vou lá para o Bode, ao encontro do Pina, da Maestrina. Você vê, quando eu comecei isso, há anos atrás, mulher não podia tocar coisas do maracatu. Isso tudo foi desmistificado, foram quebradas essas barreiras. E hoje o maracatu tem uma maestrina que conduz tudo. Isso é muito bom. Tem muita gente que está chegando de fora e ficam morando nos locais carentes de onde vem os maracatus, para aprender. Mas não se surpreenda de chegar o maracatu africano aqui, eu vim aqui para aprender como fazer… o maracatu porto rico…

NORDESTE: Como você está enfrentando a doença
Naná
: Na minha cabeça eu estou bom. Fui fazer a tomografia. Eu estou bom. Desde o início quando apareceu eu perguntei ao médico: é sério? Ele disse que é sério. Então está sério, vamos lá. Se eu tiver que ir vou, é para o bem. Se eu tiver que ficar, fico, é para o bem. Porque faço tudo de corpo e alma. Não esqueça: Amém e Ámem.

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