BRASIL

NORDESTE entrevista Nicolelis: neurocientista conecta mente e máquina

O neurocientista, Miguel Nicolelis, aquele que fez um paraplégico dar o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014, concedeu entrevista a Revista NORDESTE e falou sobre os estudo de conexão entre mente e máquina.

A evolução da união cérebro-máquina

Cientista deve anunciar nos próximos dias avanços nas pesquisas com exoesqueleto para paraplégicos, pesquisa já estabeleceu ligação neural homem máquina e pretende avançar em barreiras de terapias contra Parkinson e epilepsia

Por PAULO DANTAS

Miguel Nicolelis desde criança tem um grande sonho: descobrir os mistérios do cérebro e entender a mente humana de uma forma mais completa. Este sonho o levou a hoje desenvolver pesquisas com comunicação neural em paraplégicos. O fruto disto, são trabalhos com exoesqueletos, estruturas que possibilitam fazer com que pessoas com lesões nas medulas possam andar e venham a fazer tarefas normais, comandando através do cérebro uma estrutura corporal metálica. O médico deve anunciar nos próximos dias descobertas e avanços feitos em sete pacientes em São Paulo. Outra pesquisa que tem mostrado avanço é a comunicação entre cérebros. Nicolelis conseguiu fazer com que três macacos, com seus cérebros interligados, pudessem interagir com um computador e efetuar uma tarefa virtual. As pesquisas de Nicolelis abrem novas perspectivas na ciência. Na entrevista à Revista NORDESTE, o cientista conta sobre esses projetos, suas influências no meio científico e como vê a atuação situação política do Brasil.

Revista NORDESTE: Quais as pesquisas desenvolvidas hoje pelo senhor?
Miguel Nicolelis
: São várias. São pesquisas relacionadas a interface cérebro máquina e elas têm uma grande variedade de linhas. Estudamos mecanismos básico de funcionamento do cérebro, novas terapias para Parkinson, novos métodos de aplicação para paralisia, epilepsia. Nós temos, inclusive, uma nova terapia usando uma interface, uma nova prótese, que acabamos de publicar para cegueira. São várias linhas tanto básicas, quanto aplicadas à medicina.

NORDESTE: O que é o exoesqueleto?
Nicolelis
: É uma vértebra robótica que foi criada, no nosso caso, no intuito de oferecer uma nova ferramenta de reabilitação para pacientes com lesões medulares. No nosso caso esse exo foi o primeiro controlado pela atividade cerebral direta do paciente e que permite que o paciente receba também feedback tátil durante a triangulação. Ou seja, ele não só controla o movimento de andar, mas ele tem o sinal que informa para ele quando o pé do exoesqueleto encosta no chão, quando a perna dobra. Então o paciente tem uma experiência muito mais realista. Principalmente paciente com lesão medular, que não anda há muito tempo, tem uma experiência extremamente real de estar andando novamente.

NORDESTE: Em maio, na Filadélfia, o senhor revelou as primeiras evidências de melhoria sensório-motora em sete participantes com lesão medular, após 24 meses de neuroreabilitação, baseada em interface cérebro-máquina. O senhor pode explicar o que significa esse avanço?
Nicolelis
: Em poucas semanas nós vamos fazer um anúncio mundial sobre esse avanço, não posso dar mais detalhes porque os resultados foram feitos para publicação.

NORDESTE: Não pode adiantar nada?
Nicolelis:
Posso adiantar que são resultados inéditos, espetaculares e que por causa disso vamos ter que fazer um anúncio mundial sobre o que nós conseguimos com os sete pacientes que permaneceram treinando com a gente desde o final de 2013.

NORDESTE: Onde foi esse treinamento? São pacientes com paraplegia?
Nicolelis
: Foi feito aqui em São Paulo. Pacientes com paraplegia completa. Começamos com oito pacientes em dezembro de 2014. Sete que continuaram até hoje, completando 28 meses de treinamento.

NORDESTE: O senhor já afirmou que o exoesqueleto não servirá ao uso industrial, como o modelo para trabalho pesado apresentado pela Lockeheed Martin. Qual a diferença dos dois modelos?
Nicolelis:
O nosso é um protótipo que foi criado para uso experimental, para testar. Nós não temos nenhuma capacidade de produção industrial. Nosso trabalho é um trabalho de pesquisa clínica. Só que as ideias que nós escrevemos e as novas invenções que nós realizamos vão ser descritas publicamente e eu imagino que outros que são especializados no desenvolvimento de produtos industriais vão aproveitar essas ideias porque elas claramente deram resultados muito importantes do ponto de vista da reabilitação.

NORDESTE: O senhor também anunciou resultados de conexão entre os cérebros de dois ratos. Como foi isso e quais os avanços nessa área?
Nicolelis:
A comunicação entre cérebros de ratos foi em 2013. No ano passado já publicamos dois outros trabalhos. Conseguimos inscrever três macacos se comunicando mentalmente para realizar uma tarefa motora comum, ou seja, os macacos colaboraram mentalmente para mover um braço virtual, num ambiente virtual e tridimensional. E nós também conseguimos conectar quatro ratinhos que colaboraram na solução de um problema computacional. Então, nós estamos evoluindo nessa pesquisa e ela está tendo resultados cada vez mais interessantes. Estamos desenvolvendo outras aplicações dessa tecnologia que em breve vamos comunicar também.

NORDESTE: Qual a intenção da pesquisa? Diferente de se montar uma rede de computadores com inteligência artificial, o senhor pretende reunir os cérebros, é isso?
Nicolelis:
Em algumas dessas aplicações estamos literalmente ligando os cérebros um com o outro, por isso chamamos de interface cérebro/cérebro. Em outras aplicações você está combinando a atividade desses cérebros múltiplos com o computador. Ou seja, vários cérebros doam a sua atividade elétrica e ela é combinada por um sistema digital que gera um output comum que pode ser realizado para a solução de problemas computacionais. Então essas arquiteturas são totalmente novas, porque elas não são redes de computadores, são redes de sistemas nervosos que nunca foram interconectados dessa maneira. Então nós estamos aprendendo tudo de novo. É uma área completamente nova.

NORDESTE: Qual a função prática dessa atividade?
Nicolelis
: Depois que nós publicamos nosso trabalho em ratos, três ou quatro grupos fizeram uma reprodução do nosso achado em seres humanos, com demonstração muito simples, mas mostrando que o nosso aparato, ou pelo menos a nossa ideia, funcionava em seres humanos. Nós estamos preparando um trabalho onde vamos inscrever a primeira aplicação clínica da interface cérebro/cérebro, mas eu não posso adiantar nada novamente, porque o trabalho ainda está em confecção. Mas acho que vai ser uma grande surpresa para toda a comunidade que achava que a ideia só era usada em animais de experimentação.

NORDESTE: Existe resistência no meio científico em relação a essas pesquisas?
Nicolelis
: Não existe resistência nenhuma porque é uma das áreas mais ativas. Quando a gente inventou a interface cérebro/máquina em 1999, no começo as pessoas ficavam surpresas, porque achavam que não era possível que ela existisse. Mas hoje é uma área estabelecida na fronteira da neurociência. Do ponto de vista científico não existe resistência nenhuma, muito pelo contrário. A área não para de crescer.

NORDESTE: O senhor pode falar quais as suas principais influências científicas?
Nicolelis:
Cientificamente eu fui muito influenciado pelo meu professor aqui no Brasil, professor César Timo-Iaria, que foi meu orientador no doutorado. Ele foi para mim uma pessoa espetacular. Um dos grandes heróis da ciência brasileira. Pouco conhecido pelo público, mas um homem de uma integridade e um conhecimento impressionante. Depois, nos EUA, eu trabalhei com um americano John Chapin, também um cientista espetacular que apoio as minhas ideias. Outro pesquisador americano, John Kaaf, que descobriu a porticidade cerebral e que é amigo meu há 30 anos, foi uma grande influência científica. E evidentemente, do ponto de vista geral, o Santos Dumont, pela ousadia e pelo desejo de sempre inventar e desafiar o que as pessoas comuns achavam que era impossível.

NORDESTE: Qual é o maior sonho de Miguel Nicolelis?
Nicolelis
: Como todo mundo tenho vários. Um deles era disseminar o método científico e a paixão pela ciência, pela juventude brasileira. Essa foi a razão pela qual em 2003 eu comecei a voltar ao Brasil para fazer o projeto do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), que hoje é uma realidade. Nós temos um Campus a ser inaugurado. Já são mais de 12 mil crianças que passaram pelas nossas escolas de educação científica. Duas no Rio Grande do Norte e uma na Bahia. Acho que esse sonho está a caminho, pelo menos no sentido do que era possível ser feito foi feito. E os outros sonhos é continuar trabalhando e descobrindo os mistérios do cérebro, porque são quase intermináveis e desde criança é esse o meu objetivo tentar entender a mente humana de uma forma mais completa.

NORDESTE: Sobre o projeto do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), na capital do Rio Grande do Norte. O IINN esteve envolvido em denúncias de irregularidades feitas por Sidarta Ribeiro. O que de fato acontece e quando o Campus do Cérebro será inaugurado?
Nicolelis:
Infelizmente, eu não comento entrevistas desse senhor. Há seis anos eu não faço isso. Não comento e não tenho nada a dizer. Não existe irregularidade nenhuma, são acusações absolutamente falsas. São coisas que eu não comento. Em relação a inauguração do Campus eu não tenho a data ainda, depende da Universidade Federal do Rio Grande do Norte que é quem é responsável pela edificação e construção, mas acho que vamos ter boas surpresas em breve.

NORDESTE: Por que fazer um equipamento com a estrutura do IINN em Macaíba?
Nicolelis
: Como eu conto no livro que eu acabei de publicar sobre a história desses 14 anos, “Made in Macaíba”, essa visão de levar a ciência a lugares que nunca tiveram acesso aos meios de produção científica de alto porte, e o sucesso dessa iniciativa, junto com o fato que nós estamos muito próximos de terminar tudo que a gente planejou, mostra que você pode levar ciência de alto nível a qualquer canto do Brasil. A comunidade local vai responder de uma maneira extremamente favorável e passa a ser possível ver os resultados claros do impacto desse projeto de infraestrutura científica no desenvolvimento econômico e social da região. Inclusive, falando de Macaíba, recentemente uma edição extra da revista Exame listou 50 cidades de médio porte no Brasil que tiveram crescimento muito importante nos últimos anos e para a nossa felicidade Macaíba estava incluída nessa lista. Eu não tenho condições de demonstrar, mas acredito que o fato do Instituto de Neurociência ter sido criado lá é um dos fatores contribuintes desse desenvolvimento, e prova que a equação investir em ciência a longo prazo traz benefícios sociais e econômicos claros para qualquer comunidade. Então, essa era a visão para mostrar que a ciência pode ser um grande agente da transformação social no Brasil.

NORDESTE: O senhor lançou a pouco tempo o livro Made in Macaíba, que é o primeiro volume de uma série. Do que trata o livro e os outros volumes?
Nicolelis
: O livro conta toda a trajetória, desde 2003, do projeto do IINN. Conta tudo que nós enfrentamos, tudo que foi feito e quais são os resultados do ponto de vista educacional, científico, e o impacto que isso trouxe não só para Macaíba, mas para a ciência brasileira fora do Brasil, porque é um dos projetos científicos mais reconhecidos no exterior, vindo do Brasil.

NORDESTE: Em 2013 o senhor divulgou o Manifesto da Ciência Tropical : um novo paradigma para o uso democrático da ciência como agente efetivo de transformação social e econômica no Brasil. Há necessidade de uma nova postura em relação a ciência no país?
Nicolelis
: A ciência está sofrendo um ataque frontal, com a fusão do ministério da Ciência e Tecnologia com o Ministério das Comunicações, que é uma decisão arbitrária e absolutamente sem nexo, que foi criticada não só no Brasil, mas também mundo afora. Então a ciência está sofrendo profundamente, infelizmente, diferentemente do movimento dos artistas brasileiros que se uniram para combater a eliminação do Ministério da Cultura. O mesmo ainda não ocorreu na classe científica, que na minha opinião, ainda não reagiu a altura ao ataque que sofreu. Mas é evidente que se o Brasil renunciar a usar a Ciência e Tecnologia como uma visão estratégica, ele está renunciado a sua própria soberania e as consequências serão dramáticas para o país.

NORDESTE: Em março o senhor afirmou que irá divulgar o que está acontecendo no Brasil. Na sua visão, houve um golpe branco?
Nicolelis
: Eu falei sobre isso em todas as minhas palestras mundo afora e continuo falando. Para mim houve evidentemente um golpe constitucional e parlamentar que removeu ilegalmente de maneira espúria alguém que tinha sido eleita democraticamente. E não sou só eu que falo isso. Hoje é consensual a posição da grande imprensa mundial sobre o que ocorreu no Brasil. Aqui no país ainda existe resistência de alguns setores a concordar com isso, mas fora do Brasil não existe dúvida alguma.

NORDESTE: Como é a recepção no exterior aos cientistas brasileiros?
Nicolelis
: A recepção é ótima, tanto que o Ciência Sem Fronteiras se transformou num programa emblemático. Eu encontro jovens brasileiros nas melhores universidades do mundo. Os cientistas do mundo inteiro que eu conheço sempre elogiam os alunos brasileiros. A ciência brasileira é muito bem quista, muito reconhecida. Temos muitos cientistas aqui no Brasil e fora do Brasil, brasileiros, que têm destaque mundial. Ela sofre dramaticamente com essa incerteza institucional. Principalmente agora. Ela sofreu muito com a crise financeira do último ano, provocada por toda essa crise institucional ao longo de 2015, e ela está sofrendo dramaticamente agora. Os laboratórios brasileiros estão numa crise muito séria e a comunidade internacional é solidária aos cientistas brasileiros e têm se posicionado em apoiar a ciência brasileira e mostrar para o mundo todo que os cientistas brasileiros têm que ser melhor tratados por esse pessoal que está aí agora, porque o dano para o país é gigantesco. (Pode levar) a paralisação da atividade científica no Brasil.

NORDESTE: Quer acrescentar mais alguma coisa?
Nicolelis:
Nas próximas semanas nós vamos poder dar ao Brasil e ao mundo grandes notícias e mostrar como o projeto “Andar de Novo” teve um impacto definitivo e decisivo na vida de pacientes paraplégicos e como a ciência brasileira vai ser reconhecida por ter investido nisso.
 

 

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