BRASIL

O que a inflação tem a ver com a política, por Marson Cunha com Exclusividade

Os últimos 24 meses, especialmente a partir de fevereiro de 2020, foram desafiadores sob diversos aspectos. Houve rupturas nas relações de confiança entre países, autoridades nacionais e multilaterais de saúde pública foram obrigadas a encontrar (e rápido) soluções para o enfrentamento de uma emergência sanitária sem precedentes e as cadeias globais de fornecimento sofreram abalos com a repentina paralisação das economias e a subsequente retomada — o que provocou estresse de oferta e aumento de preços. Isso sem falar nos efeitos colaterais coletivos e individuais de uma pandemia, que devem deixar marcas profundas e duradouras nas sociedades.

 

Do ponto de vista da economia, a pauta hoje está concentrada na inflação. Mas antes de analisar esse tema, vale observar alguns pontos menos óbvios das altas de preços. O primeiro envolve aspectos comportamentais — e, como tais, menos quantitativos — dos indivíduos que compõem governos, órgãos oficiais de saúde e empresas, pessoas que foram obrigadas a tomar decisões difíceis nesses últimos dois anos. Mesmo diante de circunstâncias inéditas, informações limitadas e com baixo grau de confiabilidade, pressões familiares, problemas de saúde e medo, tiveram que tomar decisões que afetaram todos em algum grau. Nessas condições, acumularam erros e acertos que encaminharam o mundo para a atual condição de atividade econômica “normalizada”. Essa classificação é pertinente à medida que ainda se está descobrindo um novo ponto de equilíbrio nas curvas de oferta e demanda e nas políticas econômicas e fiscais.

 

Vale lembrar o que diz Uma Teoria Econômica da Democracia, tratado publicado em 1957 pelo economista americano Anthony Downs. A abertura do livro tem a seguinte observação: “Mundo afora, governos dominam o ambiente econômico. Seus gastos determinam se a empregabilidade plena prevalece; seus impostos influenciam inúmeras decisões; suas políticas controlam o comércio internacional; e suas leis estendem a quase todo ato econômico”. É comum que se trate a economia desconsiderando o fato de que ela é, em grande parte, um produto de políticas internas e externas, um resultado de relações entre países e das leis de cada nação.

 

Então, como se pode analisar a inflação? Embora por vezes alguns enxerguem a questão mais como uma espécie de visita indesejada, na realidade ela é uma progressão natural dos preços de bens e serviços. É um fenômeno decorrente da dinâmica natural dos preços. Tome-se como exemplo uma economia estagnada, que não cresce: como não está gerando riquezas, as pessoas não recebem mais por seu trabalho, não poupam — e, com isso, os preços não sobem. Não há, portanto, inflação.

 

Na prática, o que se vê agora em termos de alta de preços é decorrência de uma interrupção brusca na atividade econômica, e que foi sucedida por uma súbita retomada. Era inevitável um choque de preços. Afinal, não haveria maneira saudável de qualquer governo ou empresa suportar esse vaivém sem repasses à cadeia produtiva. 

 

Assim, a demanda prévia (ou similar) se recupera, mas num momento em que não há oferta na mesma proporção, dado que fábricas tiveram as operações interrompidas por um longo período — adicionalmente, a demanda aquecida encontrou os setores de comércio e serviços mais enxutos, já que as empresas precisaram se adaptar às condições iniciais da pandemia para preservar o caixa. Também é preciso levar em conta que, mesmo inserindo na equação os robustos programas governamentais de proteção de empresas, emprego e renda, a volta da demanda praticamente aos níveis pré-pandemia não constava dos prognósticos. 

 

Fica claro que, pela disrupção representada pela pandemia, se configurou um descasamento entre oferta e demanda, o que explica a atual alta da inflação global. Não houve mudança nas curvas de oferta e demanda levando a um novo ponto de equilíbrio, mas um desequilíbrio temporário de preços. Pode-se dizer, nesse sentido, que a inflação deste momento tem caráter circunstancial e não estrutural.

 

Entendida a engrenagem teórica da inflação, cabe a pergunta: quanto perdura a alta de preços? A discussão poderia envolver teses econômicas, análise de políticas fiscais e até a aderência (por vezes transitória) da curva de Philips (uma equação econômica que trata da relação entre inflação e desemprego). Entretanto, seriam postulações meramente acadêmicas, pouco úteis na previsão semiesotérica (a antecipação de movimentos econômicos). Considerando que, como destacado no início deste artigo, existe uma forte relação entre forças políticas e econômicas, arrisco um palpite: se os países se empenharem na tarefa de fazer a cadeia global de suprimentos retornar à normalidade de maneira acelerada — de que forma seria uma excelente pergunta e tema para mais debates, considerando as diversas agendas e restrições físicas de produção e transporte, por exemplo — ao final de 2022 seria possível ver os preços regredindo. 

 

(*) Marson Cunha é diretor da Midtown Capital Partners e membro do conselho da Brazilian-American Chamber of Commerce of Florida (BACCF)


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