Filipe Reis Melo – professor de Relações Internacionais da UEPB
Depois de um intervalo de oito anos, realizou-se a Terceira Cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que reúne 33 países americanos, e a União Europeia (UE) de 27 países, nos dias 17 e 18 de julho de 2023, em Bruxelas, Bélgica.
A Declaração Final, com 41 pontos, faz alusão a vários temas que são compartilhados pelos dois grupos de países, como a promoção conjunta na luta contra a insegurança alimentar, a pobreza, a desigualdade, a degradação do meio ambiente.
Também se fortalece o entendimento mútuo na defesa dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da democracia, da liberdade de imprensa, da cooperação internacional, e se ratifica a defesa e o respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a reforma do sistema das Nações Unidas, inclusive o seu Conselho de Segurança.
Há pontos na declaração que foram trazidos em função dos interesses de alguns países e que foram consensuados, a exemplo dos parágrafos 10, 11 e 13, sugeridos pela CELAC.
O parágrafo 10 faz uma menção ao sofrimento infligido a milhões de pessoas vítimas da escravidão. No parágrafo 11, mencionou-se a Resolução A 77/7 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 3 de novembro de 2022, quando se aprovou a necessidade de acabar com o bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos.
O parágrafo 13 fez uma alusão à necessidade de que a questão sobre a soberania das Ilhas Malvinas seja tratada em consonância com o respeito ao Direito Internacional e à solução pacífica de controvérsias.
Até aí, o entendimento parecia bem sintonizado. O tema mais espinhoso foi trazido pela UE: a situação da Ucrânia, no parágrafo 15. Enquanto a UE insistia em citar e condenar a Rússia, alguns países da CELAC opunham-se. O resultado foi um parágrafo que ficou ao meio do caminho e não agradou plenamente nem aos europeus, nem aos americanos.
Expressou-se a preocupação com o curso da guerra contra a Ucrânia, e com as consequências que causam sofrimento humano, mas sem citar a Rússia. Cuba esteve a ponto de não assinar a declaração por conta da expressão “guerra contra a Ucrânia”. Cuba defendia “guerra na Ucrânia”. A Nicarágua foi o único país que se recusou a assinar a declaração e acusou a UE de violar os procedimentos democráticos.
A visão ocidental sobre o que ocorre na Ucrânia, representada pela UE, chocou contra a percepção latino-americana e caribenha. Neste ponto, o entendimento entre os países da CELAC coincide com a visão majoritária da comunidade internacional.
O chamado mundo ocidental (UE, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) representa cerca de 12% da população mundial; os 88% restantes conformam a ampla maioria da comunidade internacional que não adotou sanções contra a Rússia.
A postura europeia de seguir acriticamente a política externa dos EUA, criou uma situação de tensão entre a CELAC e a UE que ficou patente nesta cúpula.
Tendo em conta o curso da guerra por procuração na Ucrânia levada a cabo pela OTAN contra a Rússia, a diplomacia latino-americana e caribenha será cada vez mais exigida para fazer valer seus interesses regionais e, ao mesmo tempo, conseguir manter uma relação cordial com o Ocidente.
A tarefa não é simples e haja vista as posturas dos lados envolvidos no conflito, não há perspectiva de negociação no curto prazo.
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