BRASIL

“Para falar das flores”: Biografia não autorizada resgata Geraldo Vandré

A história de um dos mais enigmáticos artistas brasileiros está sendo contada em uma das primeiras biografias não autorizadas publicadas após a decisão favorável do Supremo Tribunal Federal, em junho. Durante 10 anos, o jornalista Vitor Nuzzi investigou a vida reclusa do cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré e reuniu tudo em “Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida”, lançado no último mês pela Editora Kuarup.

Fã declarado, Nuzzi investigava a vida de Vandré há 30 anos, mas a ideia de fazer o livro veio só em 2005 e por um motivo nobre: reviver o artista na memória dos brasileiros.

“Pensava que ele seria esquecido aos poucos. Muitas pessoas não lembravam dele, ele não aparecia, não lançava nada”, contou o jornalista ao iG sobre a vontade de contar a história do autor de clássicos como “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” e “Disparada”, hinos entoados durante a ditadura brasileira, nos anos 1960.

Entretanto, a proposta do paulistano não agradou o músico, que não quis colaborar com o projeto. “Ele disse que não tinha interesse, que se quisesse um livro, ele mesmo escreveria”, lembrou.

Apesar da negativa, ele nunca atrapalhou o trabalho do autor. “Ele nunca tentou impedir, só disse que não tinha interesse”, deixou claro Nuzzi.

A recusa do artista fez o projeto esbarrar na questão das biografias não autorizadas. O autor começou a escrever o livro na época em que Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação sua biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita por Paulo Cesar de Araújo. O livro sobre Vandré só foi publicado por uma editora após a decisão do STF.

Sem a ajuda do principal personagem, Nuzzi intensificou o trabalho. Se não tinha Vandré contando a própria história, o jornalista recorreu a mais de 100 fontes para que eles remontassem a vida do artista, desde gente consagrada como Jair Rodrigues e Caetano Veloso a membros da família, passando por quem trabalhou no Festival Internacional da Canção de 1968, o evento que fez o músico ser conhecido nacionalmente.

Mitos pós-exílio

Em seu trabalho, o escritor buscou investigar mitos sobre a vida de Geraldo Vandré. O principal deles é sobre a volta do cantor ao Brasil, em 1973, após ter sido exilado, quando lançou apenas um disco e depois desistiu da música.

“O que me despertou a curiosidade sobre ele foi o porquê de ele nunca ter voltado como artista”, disse Nuzzi.

Em suas investigaçãoes, o jornalista descobriu que a família negociou com os militares para que o músico voltasse — e eles ainda forjaram uma entrevista exibida pelo Jornal Nacional. “A entrevista foi feita por policiais e ele foi orientado a dar uma declaração sobre não ter pertencido a nenhum grupo político”, contou o autor.

Mas a declaração não foi totalmente falsa. Apesar da música mais famosa de Geraldo Vandré ter sido uma das mais conhecidas canções de protesto contra a ditadura, Vitor Nuzzi defende que o cantor nunca foi engajado politicamente. “Ele sempre foi muito independente e ele mesmo declarava que a arte não podia ser panfleto, tinha que ser livre”, disse o escritor. “[A música dele] Era uma crônica da realidade, não era um hino contra as forças armadas. Mas naquela época, era 8 ou 80, e ele entrou na lista [de artistas perseguidos pela ditadura]”, explicou.

Amante da liberdade

Um dos objetivos de Nuzzi em “Uma Canção Interrompida” é mostrar um outro lado de Vandré e tirar o estigma de cantor de protesto. “Hoje eu vejo o Vandré como um artista livre e libertário, ele era um cantor das liberdades. Ele ficou marcado como um cantor de protesto, mas ele estaria contra qualquer regime totalitário. Ele é um amante da liberdade”, afirmou o jornalista.

Mas, o objetivo principal é fazer o recluso Vandré voltar a ser assunto. “Ele ficou esquecido na medida em que os discos não tocam, que você não vê a pessoa se apresentando”, disse o autor. “Muita gente achava até que ele tinha morrido, já que ele não aparece. Então a tendência é o esquecimento”, continuou.

Além de elucidar a história de Vandré, o livro de Nuzzi também abre caminho para novas biografias não autorizadas no Brasil. Depois de publicar a obra de maneira independente, só com 100 exemplares, o autor finalmente conseguiu um contrato com uma editora.

“Depois do julgamento do Supremo, as editoras se animaram e perderam o receio. É importante pela história, é mais um pedaço da história. Ajuda a por um pouco de luz na história de um artista tão lembrado e tão pouco conhecido”, afirmou o jornalista.

IG


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