BRASIL

Para governar sem Sarney, ‘nova política’ de Campos terá de unir PT e PSDB

"Serei presidente da República e respeitarei José Sarney, mas, no meu governo, ele vai ficar na oposição nos quatro anos." Foi com essa declaração que o pré-candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, arrancou aplausos de três mil pessoas no reduto político do senador e ex-presidente, no interior do Maranhão, há dez dias. Para conseguir a inédita proeza de governar sem Sarney e seu PMDB, Campos – que repete o discurso de "nova política" em suas falas de pré-candidato – terá de realizar, caso vença a eleição, uma façanha talvez maior: unir PT e PSDB em sua hipotética base de apoio no Congresso.

Presidente entre 1985 e 1990, Sarney deixou o posto, mas jamais abandonou o poder. Principal expoente do maior partido do Brasil, foi com seu apoio que Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (2011-até agora) garantiram maioria no Congresso. Foi também com seu aval que Itamar Franco voltou ao PMDB para presidir o Brasil (1992-1995) depois do impeachment de Collor.

Embora respeitado no nordeste, no sul do Brasil Sarney é visto com desconfiança, e se opor a ele pode render os mesmos dividendos eleitorais explorados por Collor durante sua campanha de 1989. “Naquela época, o Sarney foi chamado até de bandido por ele”, recorda-se Carlos Melo, cientista político cuja tese de doutorado analisou a queda do então “caçador de marajás”. “Fazer isso na época de eleição é uma coisa; bater nele depois de chegar ao Planalto é outra, e o Collor é prova disso.”

Dispensar o apoio da maior bancada no Senado, com 20 parlamentares, e da segunda na Câmara, com 78 eleitos, pode significar suicídio político em razão da própria natureza do presidencialismo no Brasil. “Nosso sistema é multipartidário, só se governa em coalizão. Nos Estados Unidos é diferente. Como lá apenas dois partidos têm representatividade, um deles acaba tendo maioria”, explica o cientista político Rogério Schmitt.

O equívoco de Collor foi quase repetido por Lula, que no primeiro mandato também tentou governar sem o PMDB. Ainda em 2003, a bancada peemedebista decidiu barrar até nomeações do governo para cargos no segundo e terceiro escalões. Lula não conseguiu emplacar nem o nome do ex-deputado Luiz Alfredo Salomão para uma diretoria da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Mas a pior consequência pode ter sido a crise do mensalão. A tese defendida pelos cientistas é que, sem o aliado peso-pesado, Lula ficou refém de pequenos partidos, que passaram a chantagear o governo em troca de espaço político. Quem detonou a crise foi o PTB, de Roberto Jefferson – o primeiro a falar a palavra “mensalão” – , responsabilizado pela criação da CPI dos Correios, cujo relator foi o peemedebista Osmar Serraglio. “Com uma base ampla, o PT não teria se submetido à chantagem desses parceiros”, acredita o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

O jeito encontrado por Lula foi sentar com Sarney, simpático a ele já em 2002, e negociar o embarque do PMDB no governo. Do primeiro para o segundo mandato, os peemedebistas saltaram de três para seis ministérios. No mesmo período, o apoio do partido aos projetos do governo pulou de 56,9% para 63,7%, de acordo com levantamento da consultoria política Arko Advice.

Petistas e tucanos juntos?

Se de fato Campos quiser governar sem Sarney e não terminar como Collor, sua única possibilidade de formar maioria no Congresso será conseguir a façanha de atrair os arquirrivais PT e PSDB para sua base de apoio.

A possiblidade, aventada pelos especialistas como única saída, é tratada como estratégia pelo correligionário do partido de Campos, deputado federal Walter Feldman (PSB-SP). Egresso da Rede e próximo de Marina Silva, ele afirma que a tática de isolar Sarney é coerente com a aliança formada com a ex-senadora, pré-candidata a vice. “O nosso mote é trabalhar pela nova política, e não há nada mais antigo no Brasil do que o Sarney. Ele é o mais importante sobrevivente da historia política brasileira que se manteve ativo”, justifica.

De acordo com o parlamentar, Collor quis governar sozinho, erro que o aliado não pretende repetir. “Não dá para governar só com o PSB e PPS. Teremos de contar com os melhores quadros do PSDB, PT e PMDB. Em todos esses partidos há núcleos que se alinhariam ao nosso programa.”

No PT, a declaração de Campos é considerada mais eleitoreira do que estratégica. “É uma postura arrogante. O PMDB é mais do que um fiel da balança”, afirmou ao iG o líder do partido na Câmara, deputado federal Vicentinho (SP). “Isso tudo é conversa para chamar atenção em período pré-eleitoral.”

Já no PMDB, o assunto é tabu. Nem aliados nem adversários de Sarney tocam no assunto. Nos bastidores, a ordem é botar panos quentes, já que o partido não nutre pretensões de ir para a oposição, mesmo que Dilma não se reeleja.

Ao iG, Sarney considerou “de circunstância” as declarações de Campos. “Sempre tive excelentes relações com o governador Eduardo Campos, a quem conheço desde os tempos de muito moço. E tenho por ele grande respeito”, afirmou o senador antes de alfinetar: “O que eu posso dizer é que não irei para a oposição no seu governo porque ele não existirá. No futuro governo, tenho a impressão de que ele vai renovar seu apoio à presidente Dilma.”


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