ARQUIVO NORDESTE

Por uma vida menos capital: Veja novo estilo de vida de comunidades alternativas

Por Paulo Dantas

Viver numa comunidade alternativa, longe das cidades e com regras que visam uma relação harmônica com a natureza e o convívio entre as pessoas. A ideia não é nova, teve grande florescimento na década de 70, durante o movimento hippie, quando milhares de comunidades surgiram pelo mundo. A ideia era fugir de uma vida excessivamente materialista, com moralidade rígida, mas considerada hipócrita, e um profundo cerceamento da liberdade. Na época, o movimento não foi à frente. Hoje, uma nova onda em relação às comunidades alternativas começa a tomar força.

Entre as mais famosas dessa nova geração está uma na Grécia e outra no Brasil. Aqui a comunidade de Piracanga é uma das mais antigas: começou por volta de 2004, também com uma experiência inovadora na sua visão econômica e na forma como insere o dinheiro nas suas atividades. A da Grécia é mais radical: lá tudo é feito por sistema de trocas. A comunidade nasceu justamente com o agravamento da crise no país mediterrâneo. A comunidade “Free and Real” existe desde 2009 no sopé do monte Telaithrion, na paradisíaca ilha de Evia e é bem conhecida no Brasil. Segundo o fundador da comunidade, Apostolos Sianos, o Brasil é o segundo país que mais curte a página do facebook do projeto, só perdendo para os próprios gregos.

Piracanga, refúgio espiritual e nova proposta econômica

Nas duas comunidades, entre os diferenciais em relação à década de 70, está a mistura de pessoas já com família constituída e alto grau de escolaridade. Muitos dos adeptos são médicos, advogados, administradores, engenheiros, agrônomos, terapeutas e jornalistas. Gente que simplesmente não consegue mais se encaixar no mundo como ele está hoje e quer outro estilo de vida. Muitas vezes estar desempregado serve de ponto de partida para uma virada. Outro ponto diferencial é que o uso de drogas é banido, a alimentação é vegana – nada de origem animal é consumido – e normalmente produzida no local.


Não é possível dimensionar quantas comunidades existem no Brasil e no mundo hoje. As experiências estão espalhadas. Há registros em Portugal, Índia, EUA, Japão, Coréia do Sul, Irã, Turquia, Nepal, Vietnã, China, Havaí e Espanha. No Brasil existem comunidades no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Brasília, Santa Catarina, Goiás e na Bahia, só para citar algumas.  

O paraíso fica na Bahia

Fundada há 12 anos na península de Maraú, a 7Km de Itacaré, a comunidade de Piracanga existe graças um casal holandês, Gabriel Loomans, e uma portuguesa, Angelina Ataíde. Ela chegou a Piracanga guiada por um sonho, literalmente. “No sonho golfinhos a levavam para as profundezas do oceano e mostraram um lugar. 10 anos depois, ela veio a descobrir que era essa fazenda na beira do mar, aqui na península de Maraú”, conta João Vianna, morador do local. Com o tempo, Gabriel e Angelina se separaram e apenas ela toca o projeto.


Hoje, “Piracanga – Centro de Realização do Ser” é composta pelo Centro Holístico onde são oferecidos cursos e atividades diárias; uma Ecovila, com moradores permanentes; e a Comunidade Inkiri, voltado para a viviência espiritual. Na verdade, toda a experiência na comunidade tem uma proposta espiritual. “Piracanga é um modelo experimental, com algumas coisas já estabelecidas de sociedade. Somos uma comunidade intencional. A nossa intenção é servir de inspiração para o mundo, é inspirar as pessoas a realizarem seus sonhos”, conta Vianna. A fim de resolver questões legais e facilitar a autogestão da comunidade, possibilitando venda e confecção de produtos, Piracanga resolveu se constituir de duas formas distintas. “Nossa comunidade hoje é legalizada como uma Associação e nosso Centro Holístico é uma empresa”, conta o morador.


Em Piracanga não é permitido nenhum tipo de droga, nem bebida alcoólica ou cigarro. A comunidade tem cerca de 200 moradores. Para se manter, construiu chalés para turistas e oferece cursos aos visitantes que pagam pela hospedagem, pela alimentação, pelos produtos que são vendidos no local e pelos cursos. Esse dinheiro é revertido para as pessoas que prestam serviços na comunidade, que vão desde o recepcionista, quem faz a limpeza, o pessoal que prepara a comida no restaurante local, até educadores e palestrantes. A mão de obra que faz a comunidade funcionar é composta dos próprios moradores. Uma parte de todo o dinheiro arrecadado vai para um fundo comunitário para suprir os gastos com coisas do uso comum, como o carro e o sistema de energia solar. Parte do dinheiro é utilizado para reinvestir em novos projetos a fim de manter o equilíbrio dessa mini sociedade.

“Acreditamos que o dinheiro e a espiritualidade podem caminhar juntos, perfeitamente. Só que a gente precisa quebrar alguns padrões, principalmente a questão da escassez. O sentimento da escassez de recursos, de dinheiro e de amor”, filosofa Vianna. Outra moradora da comunidade, Celeste Chiarotti, dá mais detalhes: “O dinheiro é a nossa energia de materialização e manifestação, ele é a ferramenta que nos permite criar na matéria nosso sonho de inspirar à humanidade. Na comunidade trabalhamos nosso relacionamento com o dinheiro sabendo que quanto mais livre seja e mais abertos estamos a receber a abundancia da vida, mais coisas vamos conseguir concretizar para viver o nosso sonho na matéria e no dia a dia.

Centro Holístico, Ecovila e Universidade

O Centro Holístico hoje conta com restaurante, loja, escola e pousada com capacidade para 80 hospedes. São inúmeros projetos em funcionamento. “Temos o Espaço Cultural das Artes, onde acontecem atividades de artesanato, música, dança, teatro, circo e costura. Temos uma loja de alimentos integrais. Temos um projeto de alimentação, que se chama Cozinha Alquimia. Todos os projetos são autossustentáveis, oferecem cursos, atividades e programas para os visitantes e moradores”, explica Vianna.


Há ainda o projeto da Escola da Natureza, responsável pela gestão de recursos e cuidados ambientais e que põe em prática o que vem a ser sustentabilidade no cuidado com a natureza. O projeto faz a gestão da água, que vem do subsolo e tem qualidade de água mineral; da energia, totalmente solar, por esse motivo não há ar-condicionado nem ventiladores na comunidade; e do saneamento, implementado na comunidade e em todo o Centro Holístico, com banheiros secos e com água, além da filtragem de água vindas das cozinhas com utilização de plantas. Ainda há um Templo laboratório, que é uma fábrica artesanal de produtos de higiene e limpeza, lá são produzidos produtos biodegradáveis, já que em Piracanga não é permitido utilizar produtos convencionais de higiene e limpeza. A comunidade ainda oferece serviços como transporte e construção, entre outros.


“Temos uma universidade que na verdade é um programa onde recebemos jovens que querem ter uma experiência nova e um pouco fora do sistema convencional. É um espaço que ajuda o jovem a se realizar”, frisa Vianna. Ainda há a Ecovila, onde estão instalados os moradores fixos. Lá estão construídas aproximadamente 50 casas entre moradias comunitárias e casas particulares.

É possível ir morar em Piracanga?

É possível chegar como um visitante e ficar hospedado no Centro Holístico. O interessado também pode ir viver uma experiência através de algum programa, ou alugando um quarto ou casa. “A gente recomenda virem passar um período para ter uma experiência. Depois a pessoa decide se quer ficar e fazer parte da comunidade”, conta Vianna. Em relação ao sustento, uma das mudanças principais e necessárias é entender que a vida será mais simples e com consumo consciente. “Será necessário reduzir as necessidades e os gastos. Normalmente as pessoas que vêm viver aqui, acabam trabalhando por aqui ou ela traz um projeto de fora que se soma ao grande projeto. Poucas pessoas continuam mantendo um trabalho fora”, revela.

Uma revolução na Grécia

“O que os outros viram como crise global, vimos como crise de civilização”, explica um dos fundadores da comunidade grega Free and Real, Apostolos Sianos, frisando porque a crise econômica serviu de combustível para a construção da comunidade. O estilo de vida da comunidade Free and Real, conhecido também como Telaithrion Project, consegue ser mais extremo que o de Piracanga. A comunidade grega não admite o uso do dinheiro. Apostolos acredita que o uso do dinheiro nas trocas internas pode vir a ser uma armadilha.

A ideia da comunidade é mesmo abandonar uma moeda “baseada em dívidas e adotar uma sociedade baseada no compartilhamento de recursos”. Na comunidade há apenas 10 moradores fixos. Todavia, segundo os organizadores, cerca de 15 mil visitam o lugar durante o ano. “As pessoas não vêm e ficam aqui, não fazem daqui suas casas. Elas vêm para dar apoio ao projeto. Co-criar algo que é para todos, não para eles mesmos”, explica Apostolos. Os visitantes ajudam a preparar a terra e as construções, além de participarem de workshops e ajudarem a pensar o projeto.

Apostolos, em busca de uma nova forma de viver


As casas comunitárias têm dois pavimentos e são feitas com uma estrutura circular de metal, e cobertas de lona. Possuem uma janela lateral e outra no teto. A iluminação é feita com pequenas lâmpadas abastecidas por placas solares. Há apenas banheiros secos, feitos com sistema de compostagem, onde os dejetos humanos são tratados para serem reutilizados como adubo na própria terra. O processo é semelhante ao utilizando também em Piracanga.


Para os que desejam participar da comunidade, a Free and Real conta com um estágio de adaptação antes do integrante ser aceito definitivamente. Além das moradias, há dois outros espaços, um onde fica a cozinha comunitária, mas também são cultivadas as plantas medicinais e é feito o laboratório de arquitetura sustentável, entre outros projetos. O outro local, uma grande redoma, é onde são apresentados workshops, interações artísticas e meditações. A ideia do projeto é a construção de um grande conglomerado, com direito a “usina” eólica e de manejo da água, moradias e imenso jardim de hortaliças e frutas.
No início deste ano os integrantes da comunidade resolveram percorrer o mundo para conhecer outras experiências e trocar informações a fim de enriquecer o projeto, além de contribuir com outras localidades. Em relação ao porque fazer a comunidade, Manthos T., outro fundador da comunidade explica: “As pessoas estão frustradas e procurando soluções. Eu acho que existe uma crise social e uma crise ambiental e as duas são maiores que a crise financeira. O sistema promete que se nós sofrermos por alguns anos, talvez possamos voltar a viver na bolha em que vivíamos, o que não é sustentável. As pessoas querem acreditar nisso, para não saírem das suas zonas de conforto”, argumenta.

A missão do Projeto Telaithrion é criar um protótipo de uma comunidade sustentável, caracterizada com uma combinação de uma sociedade que compartilha seus recursos e com o desenvolvimento de instalações de pesquisa e tecnologias experimentais.

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