BRASIL

Primeiro Transhomem a ser operado batiza projeto que trata de gênero

“Desde que me entendo por gente, aos 3 ou 4 anos, eu já queria ser tratado no masculino. Eu sabia que isso não podia ser explicitado verbalmente. Então eu corrigia mentalmente, e toda vez que me tratavam por 'ela' eu passava para 'ele'. Mas eu tinha que me submeter àquele mundo feminino que era imposto para mim, do uniforme da escola aos brinquedos.”

 

O relato de João Nery, 65 anos, é apenas um entre os vários episódios vividos por ele – que nasceu em um corpo feminino, mas sempre se identificou como homem.

 

Em uma época em que não se falava em transexualidade, João Nery ousou ao firmar uma trajetória de busca e construção da própria identidade. Ele é o primeiro homem transexual brasileiro a ter sido operado.

 

Ainda na infância, ele conta que, para poder se manifestar como menino, fez um carrinho de rolimã e brincou com ele no quintal de casa até destruir o concreto. “Era um recurso infantil. Mas na pracinha me chamavam de Maria Homem e era muito ruim. Minha mãe me proibiu de ir para a praça, mas acabei achando bom, pois me sentia mais protegido dentro de casa.”

Na adolescência começaram a aparecer as características físicas femininas. “Começou a brotar um corpo pior ainda. Seios, 'monstruação' – como eu chamo a menstruação, porque aquilo era um monstro para mim. Fui crescendo aos trancos e barrancos, sem um rótulo”, lembra.

A dificuldade em lidar com a situação era tanta que, aos 16 anos, tentou namorar um rapaz, mas a experiência não durou muito. Depois veio a década de 1970 e a moda unissex. João se sentiu livre para cortar o cabelo curto e usar calça jeans.

Ainda com identidade feminina, ele se formou em psicologia, começou a fazer mestrado e deu aulas em três faculdades no Rio de Janeiro.

“Eu era uma figura ambígua. Com 22 anos, eu já vivia duas vidas socialmente antagônicas. Eu era mulher para os amigos, parentes e colegas de trabalho. E era visto como uma figura masculina para os desconhecidos. Fui morar com a minha namorada e, no prédio, era visto como o marido dela. Era uma loucura. Eu nunca sabia se iam me chamar de senhor ou de senhora”, conta.

Cirurgias

João já havia feito duas cirurgias de redução de mama, uma em 1966 e outra em 1968 – o médico, por medo de perder o diploma, tinha concordado apenas com a redução, e não com a retirada. Em 1976, fez a retirada do útero e dos ovários.

“Em 77, finalmente, fiz a mamoplastia masculinizadora e uma neouretra, para poder urinar em pé”, relata.


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