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Referência Socioeconômica, Emirados Árabes é como um oásis no deserto

O professor Marcos Formiga, colaborador da Revista NORDESTE, que escreveu uma série de reportagens sobre a Índia, agora faz uma análise dos Emirados Árabes Unidos. Confira:

Emirados Árabes: Nova Referência Socioeconômica 

No meio do deserto países do Oriente Médio fazem surgir verdadeiros oásis de trabalho, tecnologia e de pulsante economia, que já enfrenta a crise

Por Marcos Formiga

O cenário geopolítico internacional no último quarto do século XX assistiu o surgimento de um novo e importante ator. Emirados ancestrais e esparsos, se juntam sob a forma de uma Federação, em torno Abu Dhabi, aquele de maior espaço geográfico, tornado capital. A Federação de 7 Emirados, criada em dezembro de 1971, situa-se na extremidade sudeste da península arábica, entrada do Golfo Pérsico no Oriente Médio.

Abu Dhabi: Capital e sede do governo da Federação, em 2013, a população total deste emirado era 2.33 milhões: Abu Dhabi (1,42 milhões), Al Ain (0,63 milhão), Al Gharbia (0,29 milhão). Entre os 7 emirados, Abu Dhabi possui as maiores reservas de petróleo. Tem tradição de incentivo ao crescimento sustentável e autossuficiência, pelo aumento da produção agrícola a partir da conversão do deserto em terras produtivas usando florestamento. Ocupa 86,7% da área total EAU.

Dubai: Grande exemplo do que uma economia não petrolífera pode alcançar. Com uma fração dos recursos petrolíferos de Abu Dhabi, foi o primeiro Emirado a trilhar de forma ousada rumo à diversificação econômica através da manufatura, comércio, finanças e turismo, ultrapassando a categoria de economia em desenvolvimento para o reino do mundo desenvolvido. Corresponde a 5% do território dos EAU e sua área metropolitana, com 2,51 (2016) milhões de habitantes apresenta-se a mais populosa.
Sharjah: Considerada a capital cultural da federação, é o terceiro maior Emirado com 3.33% do território, agora engajada na construção da infraestrutura para crescimento futuro. Com tradições islâmicas firmemente enraizadas, seus museus e galerias de arte coexistem com fábricas e outras estruturas manufatureiras em um esforço direto para abrir portas ao crescimento industrial.

Ras al-Khaimah: Ganhou reputação de importante centro comercial, apresenta cultura dinâmica e empreendedora. Abriga unidades industriais líderes na fabricação de cimentos, tijolos e cerâmicas, base para o desenvolvimento de empreiteiras dos EAU. A área equivale a 2,17% do território.

Fujairah: Quinto maior emirado, seu moderno porto de 2 terminais, 7 atracadouros, cais de até 1.500 metros em águas profundas, é um grande complexo marítimo da indústria do petróleo. Posiciona-se ao lado de Rotterdam e Singapura como principais zonas de abastecimento e logística. Ocupa 1,50% do território dos Emirados.
Umm al-Quwain: Situado entre Ajman e Ras al-Khaimah no litoral norte, também, foca o desenvolvimento do turismo. Suas principais atrações são as extensas e límpidas praias, lagoas e estábulos para equitação. A ilha de Al Sinniyah a um quilometro da capital é uma reserva natural para várias espécies de aves. Área equivale a 1%.
Ajman: Menor emirado com apenas 0,33% do território, também, situa-se no litoral norte. Com praias excelentes para instalação de hotéis e resorts, aposta nas belezas naturais para atrair o crescente comércio turístico. Apresenta excelentes oportunidades para investidores nacionais e internacionais.

Nessa introdução merece constar um conjunto de Dados Gerais para melhor compreensão dos Emirados Árabes Unidos:

• Cada Emirado tem o nome da capital sendo governado por um xeque com soberania total sobre assuntos internos;
• Território predominantemente desértico de 83.600 Km2, pontilhado de oásis com algumas montanhas e muitas praias;
• População de 9,40 milhões de habitantes (2016), sendo 84% de imigrantes;
• Chefe de Estado e Presidente: Sheik Khalifa bin Zayed Al Nahyan (Abu Dhabi, desde 2004);
• Primeiro Ministro e Vice-Presidente: Sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum (Dubai, desde 2006);
• PIB de US$399,5 bilhões (2014), moeda: Dirham árabe, cotação US$1 = AED 3,67;
• Nacionalidade: árabe, religião: muçulmana, idioma: árabe;
• Expectativa de vida: 78 anos. 90% alfabetizados. Renda per capita: aprox. US$44.500. IDH: 0,835 (41º lugar).

EAU: uma síntese de modelo econômico liberal especial

O atual presidente dos Emirados Árabes Unidos – EAU, Sheik Khalifa bin Zayed Al Nahyan está autorizado a reconstruir e atualizar um modelo econômico sucedâneo ao elaborado pelo seu pai, primeiro presidente, Sheik Zayed bin Sultan Al Nahyan, que governou a União dos Emirados por 33 anos (1971 a 2004). Deve-se a este o forte programa econômico de reformas e liberação da economia. O Sheik de Abu Dhabi é o Chefe de Estado, e o Sheik de Dubai Chefe de Governo.
O modelo econômico em prática recebeu amplo endosso dos organismos internacionais, FMI (Fundo Monetário Internacional) e OMC (Organização Mundial do Comércio). As três primeiras décadas da Federação dos sete Emirados teve como base econômica o petróleo e o gás natural. Durante este período quase sempre ocorreu a valorização dos preços internacionais, até 2008, quando a crise internacional abala os alicerces do capitalismo tradicional pautado em bolhas dos mercados de ações, valores, e imobiliários, com predominância do capital fictício, e supervalorização dos ativos financeiros.

Cabe ao ministro da economia e do planejamento monitorar a agenda econômica focada na liberação, diversificação e promoção do papel do setor privado.
A política econômica de cada Emirado, isoladamente, está relacionada às potencialidades específicas e ativos próprios, cabendo ao governo central de Abu Dhabi continuar o desenvolvimento em grande escala na exploração de recursos de hidrocarbonetos para distribuição industrial de produtos petroquímicos, enquanto foca o crescimento não petroleiro. Isto envolve um proativo programa de privatização de projetos industriais concentrados nos setores de energia e água. Pela forte dependência do petróleo, a economia experimenta permanente alerta para a necessidade de diversificação do perfil econômico como uma forma de defesa contra fortes oscilações de preços das commodities petrolíferas como recentemente verificado pela política de redução de preço da Arábia Saudita e a crescente exploração do gás de xisto nos EUA. Deve-se relembrar que devido a condição geofísica, com predominância de áreas desérticas, há grande escassez de recursos hídricos sendo necessário investimentos vultuosos para dessalinização da água do mar, fato diretamente conectado ao setor energético. Nesse contexto, Dubai continua a liderar a diversificação do processo econômico, construindo um hub (ponto central) de serviços da região: turismo, mídia, navegação, serviços financeiros e comerciais e indústrias de manufatura. Todas estas atividades contribuem para a expansão econômica em rede da união dos Emirados Árabes.


O acerto da adoção desse modelo comprova que nos últimos trinta anos a diversificação econômica gradativa permitiu o crescimento contínuo de bens e serviços não relacionados ao petróleo. As exportações de outros setores já somam mais de 60% do total.

O programa de diversificação econômica dos EAU escolheu áreas-chave, entre elas: aviação, estrutura portuária, turismo, finanças e telecomunicações. Importância particular aos acordos de livre comércio, tanto para a região do Golfo, como o resto do mundo. Ao mesmo tempo tal estratégia promove a transferência de tecnologia para o setor privado, fortalece o crescimento da indústria doméstica e auxilia a diversificação econômica.

As zonas de livre comércio têm se convertido em atrativo ao investimento interno, graças à forte infraestrutura de transportes e comunicações que permitiu criar um dos centros chave de comércio e transbordo do mundo.

O Banco Mundial ao analisar a eficiência da governança financeira, inclui os Emirados como o melhor desempenho no Oriente Médio. Para compreender o conceito de governança, o BIRD assim a define: “o conjunto de tradições e instituições pelas quais a autoridade no país é exercida”. Quanto maior a jurisdição exercida, melhor a pontuação no ranking de governança. Tal qual acontece no Brasil, o Banco Central dos Emirados é a autoridade regulatória que formula a implementação da política monetária e bancária, além de assessorar o governo nos assuntos relativos a bancos e ao setor financeiro. Ressalta-se a presença majoritária de bancos internacionais com sedes e agências nos Emirados, complementada por um forte sistema bancário doméstico.

O documento “Abu Dhabi: Visão Econômica 2030” em implementação, define quatro objetivos de cunho liberal para um bom ambiente de negócios. Tais objetivos realizam-se de forma paralela e justaposta a um ambiente político centralizado.

1º- Estrutura simples e transparente de impostos é considerada uma das principais vantagens para atrair investimento estrangeiros;
2º- Uma nova legislação diminuirá os custos e encorajará o lançamento de Start-ups;
3º- O Governo assegura a rapidez do judiciário para enfrentar as constantes mudanças no ambiente de negócios;
4º- Os Emirados estabelecerão um programa de facilitação com intenção de incentivar a fixação de novas iniciativas empresariais na Região.

Resumo histórico de uma região berço da humanidade

• Primeira evidência da presença do homem na região: Cerca 5.500 BC;
• Século VII (630 AD) enviados do profeta Maomé para conversão ao islamismo;
• Séculos XI e XII: Introdução do cristianismo;
• 1498: Vasco da Gama cruza o Cabo da Boa Esperança e Fernão de Magalhães faz Viagem de Circum-navegação utilizando informações náuticas árabes;
• Século XVI, rivalidade portuguesa-otomana pelo domínio do Golfo Pérsico;
• 1588: Gasparo Balbi navegador, geógrafo, joalheiro Veneziano descreve e mapeia a costa dos Emirados e registra a presença de fortes portugueses;
• 1720, cresce a presença comercial inglesa no Golfo e aumenta a rivalidade Anglo-Holandesa;
• 1892, Reino Unido assume a responsabilidade da segurança e relações externas do conjunto de domínios dos Sheiks denominados Estados Trucial;
• 1930, colapso do mercado de pérolas naturais com a invenção japonesa da pérola cultivada; primeiros acordos para a exploração de petróleo;
• 1962, primeira exportação de petróleo por Abu Dhabi;
• 1960, governo inglês anuncia intenção de sair do Golfo, início das discussões para formação de uma federação dos Emirados;
• 2/12/1971, data nacional comemorativa da formação dos Emirados Árabes Unidos EAU;
• 2004, Sheik Zayed – Primeiro Presidente falece após 33 anos de chefia do governo

Impressões sobre o Oriente Médio e o Futuro dos Emirados

Sobre o Oriente, o brasileiro projeta construções imaginarias que reúnem religião e mistério. A formação cristã e a familiaridade com a leitura da narrativa bíblica, evocam uma terra distante, de meio ambiente inóspito que lembra vastos desertos na imensidão árida. Ou, quase uma natureza morta, cujos elementos vitais são representados pela espécie humana, animais como camelos e caprinos, e alguns oásis de escassa vegetação, difícil acesso à água e variadas palmeiras, com destaque para a tâmara. Na verdade, os elementos de fixação mental dramatizam e potencializam este cenário criativo. A experiência in loco ameniza, surpreende, e encanta o visitante. Isto aconteceu na nossa primeira viagem ao Oriente Médio, com destino ao Qatar e sua charmosa capital Doha. Além das características únicas da arquitetura árabe, o vigor do país catariano e o dinamismo de sua metrópole põem por terra uma série de estereótipos imaginados ou de influências externas, como relatos de visitantes ou ex residentes, literatura, cinema (em especial para quem viveu sua “época de ouro”, até a década de 70).

Para reforçar essa errônea impressão, a mídia impressa e digital, sobretudo, a televisão com compulsivo viés pela violência, esforça-se em expor guerras e conflitos reais ou disputas territoriais e políticas que acirram ânimos opondo-se a uma desejável coexistência pacifica.

Excetuando conflitos localizados, permanentes ou temporários, o Oriente Médio, onde se situa os Emirados Árabes, é uma região predominantemente pacífica, segura e atraente ao visitante, em particular, às levas de imigrantes de países próximos ou distantes que buscam emprego e oportunidade de vida digna. Ressalte-se que do contingente atual de 9,4 milhões de habitantes nos Emirados, 84% são migrantes quase sempre temporários, que por um período renunciam à proximidade da família e suas raízes telúricas para obter uma poupança e financiar a construção de uma residência confortável no país de origem, ou iniciar o próprio negócio como prêmio ao duro trabalho e sacrifícios conscientes.

Os povos do Oriente Médio têm uma história milenar. Parte do berço da humanidade, além da ancestral vocação ao comércio – negociantes natos -, buscavam no meio disponível a sobrevivência: pesca, captação de pérolas, pequeno pastoreio e agricultura pouco diversificada, por vezes nômades, vide os característicos beduínos.
Sem generalizar, este cenário predominou no Golfo Pérsico, seja entre os que optaram por uma vida econômica e organização política autônoma (Kuwait, Bahrein, Qatar e etc.), ou formaram uma Federação como os Emirados Árabes Unidos, recém visitado. Todos viviam do comércio de seus limitados recursos econômicos, quando foram surpreendidos por um rico presente do subsolo pleno de jazidas de petróleo e gás natural.

O processo de industrialização e a crescente demanda por energia aumentaram a dependência da economia mundial pelo petróleo e derivados. A extração, beneficiamento e distribuição destas commodities petrolíferas marcaram um ponto de mutação no destino e conformação destes países, quer de pequena dimensão geográfica, ou grande território como Iran, Arábia Saudita, Iraque, Omã, Iêmen.

Desse modo o petróleo mudou o perfil da economia mundial e esta região ressurgiu duplamente fortalecida, política e economicamente. As duas crises do petróleo na década de 70 do Século XX retiraram parte do protagonismo dos países cêntricos do capitalismo, elevando ao cenário mundial uma nova região estratégica adormecida entre os gigantes geopolíticos da Guerra Fria: Estados Unidos e União Soviética. Este período pode ser simbolizado pela atuação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), criada em 1960. A região, também, passa a centralizar disputas com a frequente ocorrência de conflitos: Guerra do Golfo (invasão do Kuwait pelo Iraque), Guerra Iran-Iraque, Ocupação do Afeganistão pelos soviéticos e pelos americanos, Israel x Palestina, outros eventos bélicos localizados: Líbano, Síria, Faixa de Gaza e recentemente o surgimento do ISIS.

Nesse panorama conflituoso paira um oásis de progresso e diversificação econômica: Emirados Árabes Unidos. É fato que o padrão de desenvolvimento é claramente uma opção influenciada pelo Ocidente, não apenas econômica pelo Consenso de Washington, mas, em função da falência do comunismo centralizado de estado. Buscou-se no capitalismo de livre iniciativa e direito à propriedade privada o modelo a ser seguido, quando possível com adaptações locais que valorizam potencialidades, tradições e ativos próprios.

Mas, nada está imune à mudança: o capitalismo tem o vírus das crises cíclicas econômicas globais. A iniciada em 2008, passados oito anos, continua a atingir em diferentes níveis, a quase totalidade dos países. Percebemos in loco seus efeitos na aparente redução da exuberância econômica de Dubai.

Nativos e colegas brasileiros que visitaram mais de uma vez a região relatam desaleração no ritmo do crescimento e dinamismo econômico. Exuberantes construções e complexos projetos imobiliários seguem em clima menos audacioso. O cenário sugere uma transição, ou período de ajuste. Regimes fortes, autocráticos, possuem condições políticas diferenciadas para arrefecer os efeitos da crise mundial mediante o gerenciamento ágil e eficaz das variáveis econômicos. Neste particular os EAU estão fazendo seu “dever de casa” com notória prontidão e sólido pensamento estratégico.

Nesse texto, mesclamos a percepção de visitante e observador crítico com a leitura de documentos oficiais que antecipam mudanças para a rápida adaptação à nova realidade. Merecem citação, e aos interessados recomenda-se leitura, os seguintes paradigmáticos documentos: “The Abu Dhabi Economic Vision 2030”; “Why UAE? Maximising Opportunities”; “Explore Abu Dhabi Through Statistics” (www.scad.ae); UAE National Charter 2021 – http://www.economy.gov.ae/english/pages/default.aspx.
A diversificação econômica parece ser a chave para os novos tempos de adaptação, na tentativa de minimizar os efeitos da crise mundial. O fato das exportações do setor não-petroleiro representarem mais de 60% do total comprova a eficiência da escolha e dimensão do tamanho do desafio e a capacidade para superá-lo.

Para um estudioso de um País de forte instabilidade socioeconômica de frágeis instituições e democracia ainda na infância, ressalvadas as peculiaridades de um regime político autocrático, é possível constatar a existência de um “Projeto de Nação” e a funcionalidade da sociedade emir-arábica. Ter esperança e constatar resultados evidenciados por indicadores devidamente construídos e testados.
 

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