BRASIL

‘Regulamentar a mídia é mais importante que Reforma Agrária’, diz Erundina

A deputada federal Luiza Erundina, paraibana, atua no estado de São Paulo e tem muita experiência na política. Em uma entrevista exclusiva à Revista NORDESTE, a deputada falou sobre o atual momento da política nacional, da esquerda e da direita. A entrevista, que aqui você lê na íntegra, está na 112ª edição da NORDESTE

“Regulamentar a mídia é mais importante que Reforma Agrária”

Erundina afirma que crise no Brasil é generalizada, atinge Judiciário, Executivo e Legislativa, além de todos os partidos e considera que esquerda está perdendo luta para a direita

Por Paulo Dantas

A deputada federal eleita em São Paulo, Luiza Erundina de Sousa, é paraibana da cidade de Uiraúna e assistente social. Atualmente pertence à bancada do PSOL na Câmara Federal. Em 2014, ainda no PSB, foi coordenadora geral da coligação Unidos pelo Brasil, que lançou Marina Silva como candidata à presidência da República no lugar do falecido Eduardo Campos. Erundina ganhou notoriedade nacional em 1988 quando foi eleita a primeira prefeita da cidade de São Paulo e além disso concorrendo com um partido de esquerda, o PT. Durante sua gestão na capital paulista elaborou ações importantes nas áreas de saúde e educação, que teve os educadores Paulo Freire e depois Mário Sérgio Cortella, ambos reconhecidos internacionalmente, no comando da pasta. Em 22 de janeiro de 2016, a deputada lançou em Porto Alegre no Fórum Social Mundial, um novo partido chamado Raiz Movimento Cidadanista, que pode se aliar ao partido Rede Sustentabilidade de Marina Silva. A nova legenda ainda não tem registro definitivo, mas isso não impediu Erundina de sair logo do PSB. Aproveitando a janela partidária em março, a deputada deixou o Partido Socialista Brasileiro após 19 anos e ingressou no PSOL, que a aceitou de forma temporária. Em conversa com a Revista NORDESTE, a deputada falou sobre a saída do PSB e a criação do novo partido. Discorreu também sobre excessos da Operação Lava-jato, concordou com a deputada Jandira Feghalli quando diz que existe fascismo no Congresso Nacional e ainda criticou a ida do ex-presidente Lula para o Ministério da Casa Civil.

Revista NORDESTE: Como a senhora está vendo este atual momento político do país?
Luiza Erundina:
Com muita preocupação, porque o que está em jogo é a própria democracia, o estado democrático de direito, e o esvaziamento das instituições políticas, o próprio estado brasileiro se esgotou do ponto de vista de uma demanda da sociedade muito diferente daquela de quando se promulgou a constituição de 88. O sistema partidário está completamente exaurido, os partidos não significam mais se não legendas, não tem projeto político, não tem identidade ideológica, então a meu ver há um esgotamento do sistema político em todos os aspectos e o congresso não teve a responsabilidade, no curso dessas duas últimas décadas de ter criado condições de viabilizar uma reforma política que fosse uma reforma estrutural do sistema como um todo de modo a corrigir as enormes distorções do sistema partidário, do sistema eleitoral, enfim, o sistema político como um todo. Existe uma prática política bastante viciada, muito voltada para os interesses e os privilégios de uma minoria, o Estado fica a serviço desse privilégio dessa minoria e a sociedade imobilizada, não tanto do ponto de vista de expressão de massa, mas imobilizada do ponto de vista de sua organização, organização a partir de interesses legítimos, coletivos. Como fizemos em outros momentos no país, por exemplo a luta de resistência a cultura militar, organizou, mobilizou e politizou a sociedade, de lá para cá foi promulgada a constituição de 88, retomado o processo de democratização do país, a sociedade civil se recolheu, imaginando que uma constituição que atenda bastante as demandas da sociedade, que na época que foi elaborada pela constituinte, a sociedade estava bastante mobilizada, bastante participativa, daí se explica os avanços da constituição de 88, porém a regulamentação desta constituição e a sua implementação em relação ao marco institucional não contou com a participação dessa cidadania e o fato é que nós estamos hoje sem o marco institucional legal adequado aos novos tempos, associada a uma prática viciada. O Estado passa a ser o patrimônio de uma minoria e deixa de ser aquilo que deveria ser, ou seja, aquele que efetivamente administra os conflitos da sociedade e arbitra os interesses de diferentes segmentos da sociedade brasileira e agravado por esse desvio ético, crise moral,  crise éticas, além da crise social, uma politica econômica bastante inadequada às necessidades da maioria do povo brasileiro, gerando enormes problemas sociais, como desemprego em massa, inflação que reduz a capacidade de consumo da população. Por tanto a crise econômica profunda, agonizada pela crise política e a crise ética, crise moral, isso termina gerando uma outra crise que é a crise de esperança, de expectativa, a crise de que as coisas possam demorar. há um desalento generalizado que está se transformando em revolta, em indignação, exatamente até ódio, há um ódio manifestado, sobretudo nessas manifestações de rua, irracionais, então isso é perigoso porque agrava o quadro multifacetado de crises que nós estamos enfrentando ai, portanto temos que juntar não mais só a partir  do critério partido, mas do critério de quem quer resolver os problemas do país, colocar o país novamente no rumo que se saiba para onde ele está indo e potencializar todo esse, mobilizar esse potencia enorme que existe no país, mas falta uma liderança, não enquanto indivíduo, alguém que conduza, mas um projeto capaz, levado por um coletivo e um governo que dialogue com a sociedade e escuta as soluções da sociedade e seja legítima frente a essa sociedade, o problema é a verdade de legitimidade e credibilidade, seja no  poder executivo, legislativo e agora os excessos no poder judiciário, ministério publico, da policia federal, esta agindo do ponto de vista de buscar a verdade, e trazer a verdade a luz e encaminhar junto ao poder judiciário, teve até que apoiar, fortalecer, mas não admitir os excessos que termina comprometendo a própria legitimidade desse trabalho e os resultados que está gerando, portanto é um momento crítico, mas um momento de oportunidades também. Então é isso que eu penso, é nessa direção que estou me conduzindo e me colocando a disposição dessa busca e saída de soluções e dialogando inclusive com aqueles setores com quem eu tenho mais identidade, que são a base de sustentação dos meus mandatos e da minha atuação política.

NORDESTE: Deputado, tocando um pouco mais sobre a Operação Lava-Jato, cada vez mais a operação fecha o cerco contra a corrupção. Há vozes que apontam para uma ação tendenciosa para o lado do PT. A senhora concorda com essa visão, existe uma tendência?
Erundina
: Eu concordo, sem dúvida nenhuma, portanto a apuração e a divulgação dos resultados dessas investigações tem sido seletiva. Porque há denúncias graves em relação a outras lideranças e outras forças políticas, que não tem o destaque e  o tratamento que tem sido dado em relação ao PT e as lideranças do partido dos trabalhadores. isso é ruim porque termina desacreditando, deslegitimando um trabalho importante que o Ministério Publico não vem fazendo e a PF, mas é preciso evitar os excessos que significam um desrespeito ao estado democrático de direito pelas regras básicas da democracia. Temos que denunciar isso, temos que rejeitar essa forma, como está se dando o uso desses elementos que estão sendo levantados pelas investigações, ainda há muita coisa a ser apurada, ainda há delações a serem feitos, e isso tem que ter limites e responsabilidade na sua divulgação e no seu encaminhamento, para onde deve ser encaminhado. Concordo inteiramente com essa visão. Diria até que há um víeis preconceituoso contra o partido dos trabalhadores que cometeu sérios erros. Temos que lamentar porque quem sofre é a esquerda e cresce a direita, cresce o conservadorismo, cresce aqueles que sempre tiveram no controle do estado, com o controle do poder político e econômico, se beneficiando dele. Eles não foram diferente daquilo que se esta colocando hoje não legitima o que esta sendo feito, muito pelo contrário, nos viemos no processo político, a luta de resistência a ditadura, na construção de espaços democráticos de atuação política e de debate político e também os princípios da moralidade publica, da ética, da transparência, do controle social, enfim , do estado que deve conduzir, e as instituições politicas, que devem ser controladas pela sociedade civil organizada. até porque no campo democrático popular de esquerda tem também a tarefa de educação política das massas, setores populares e lamentavelmente o PT tem conduzido no governo, inclusive esvaziando as organização autônoma dos movimentos sociais, uma das criticas que eu faço ao governo Lula principalmente, e a forma como ele lidou com os movimentos sociais e populares, de uma certa forma domesticando, hoje não se tem mais oposição e situação sindical. Tem o controle do movimento sindical, nunca se criou tanto central sindical como hoje, em razão do imposto sindical que 10% é destinado a centrais sindicais, enquanto os sindicatos de base não tem sido contemplados com esses recursos que eventualmente pudessem receber. Então eu acho que o partido dos trabalhadores, em seus governos aconteceram graves equívocos, graves desvios, graves erros, não só ético, mas também politico, e quem esta pagando o preço disso é a esquerda como um todo. E a consequência perversa disso é o crescimento daqueles que sempre tiveram controle do estado, se beneficiaram dele, e hoje se sentem defensores da moralidade, das bandeiras e de causas que sempre foram da esquerda no Brasil. Então há uma crise profunda, mas temos que parar com ela e juntar quem queira o bem do brasil, para se juntar acima ou junto de partidos que eventualmente estejam identificados com as saídas, tem que ser a esquerda e não a direita, como lamentavelmente tem se dado esse processo nos últimos tempos.

 

NORDESTE: Sobre a Operação, como a senhora vê o uso de delações premiadas, levar o presidente coercitivamente para uma, prisões preventivas, grampo de telefone, como vê a atuação da operação e a importância da operação para o país.

Erundina: Eu sou absolutamente contrária, crítica, tenho denunciado isso, tenho rejeitado isso, só que isso não significa desconsiderar a importância desse trabalho que está sendo feito, que é uma oportunidade enorme, na história republicana, de passar a limpo tudo isso e colocar na cidadania a responsabilidade pelo controle do poder, pelo controle do estado, pela legitima democracia direta, democracia participativa. O Poder Legislativo está completamente desacreditado, deslegitimado, ninguém se sente representado pelos seus representantes do congresso. Então é um poder esvaziado de poder do ponto de vista da sua legitimidade, da sua credibilidade, do seu respaldo popular. Então em me recuso a isso, denuncio isso, rejeito isso, que a forma arbitrária seletiva como se tem usado esses dados, porém não quero deixar de apoiar e de reconhecer o trabalho importante necessário que se está fazendo, e ele não pode parar, não pode se colocar a serviço de um pequeno grupo ou de um grupo que está aí, não disputando posições, propostas ou projetos políticos, é um grupo que está disputado o poder, eles querem, desde que saiu o resultado das eleições, não reconheceram o resultado das urnas, de lá para cá não tem feito outra coisa se não bombardear a presidente Dilma, não oferece nenhuma alternativa, inclusive a tudo isso que o Governo vem tentando fazer e, chegou o momento de propor medidas no Poder Legislativo, que são um complemento das conquistas dos trabalhadores, as conquistas importantes das praças populares. Nesse sentido nós temos que ter a clareza para não misturar e não achar que os abusos que tem sido cometidos possa de uma certa forma, neutralizar o aumentar o mérito do trabalho importante que está sendo feito pelo Ministério Público, e ao mesmo tempo coibir, denunciar e impedir o controle, ou quem temo poder de controlar, enfim as instancias que existem superiores às instancias de 1 e 2 grau do poder, sendo ministério publico ou poder judiciário para coibir esses abusos e qualquer tentativa de desrespeito à democracia e ao estado democrático de direito, porem apoiando e exigindo a continuidade deste trabalho com o controle da sociedade. Não dá para ser seletivo, tem que passar o país à limpo e a partir daí, quem sabe, a gente começa a colocar o país nos trilhos, se não vamos acabar partidarizando nossa posição, isso não é bom, porque nenhum partido mais hoje representa aquilo que já representou no passados inclusive os partidos da esquerda, nós temos que fazer até autocrítica, o PT, lamentavelmente não faz, o Governo não tem feito, e isso termina dificultando o diálogo dessas lideranças com a sociedade, que é a ela que tem que se prestar contas e, lamentavelmente o PT e o Governo, em nenhum momento se colocou na disposição de fazer auto crítica, reconhecer o seus erros, e ser humilde, pedir apoio da sociedade que queira ajudar o país, sem partidarismo, sem expectarismo, sem privilegiar um em detrimento do outro. Foi por isso que eu saí do PSB, que estava inclinado mais para uma lado mais atrasado, mais conservador do processo, então realmente temos que mudar completamente esse quadro, essa concepção da politica, a cultura politica vigente, isso que eu acho que a grande oportunidade que a crise coloca, é a possibilidade de realizarmos uma profunda, ampla reforma politica, que de conta da reconstrução do próprio estado brasileiro e todas as funções políticas que a meu ver estão exauridas diante das demandas, e no momento que o mundo vive, não é só o Brasil eu avalio que essa crise existe também em outros países democráticos como o nosso. As margens dessa politica, dessa economia e dessa cultura, que tá na base dessa pratica politica… como se da dialeticamente, desde sempre, A história não anda para trás, anda para frente mas com esses momentos de aparente retrocesso, acho que é um ciclo que esta terminando e se mobilizando para um outro ciclo, em um outro patamar, e essa fase de um ciclo para outro, transitando nesse processo dialético da história, dentro da espiral dialética da história, e isso é difícil
muito bom senso, muita coragem, rever posições, rever práticas, rever culturas políticas e é isso que está sendo vivido, a meu ver no atual momento.

NORDESTE: Um terço dos deputados que vão definir o futuro da presidente são investigados, incluindo o próprio Eduardo Cunha. Como a senhora vê a atual Legislatura? A senhora já falou um pouco, mas a deputada Jandira Feghali chegou a falar de uma Legislatura fascista, um Congresso Fascista. A senhora concorda com isso?

Erundina: Tem uma maioria, sem dúvida. A cada legislatura, a gente lastima que piora, piora em todos os sentidos, na sua composição, na sua representação, porque representa segmentos minoritários ultrapassados, ao fundamentalismo tomou conta daquela casa. Ocupa os espaços mais importantes, como o espaço da Comissão que luta, se ocupa e se dedica a garantia dos direitos sociais, direitos humanos, a comissão de direitos humanos e minorias, e as outras comissões todas, a Comissão de … Participativa, que é uma janela aberta para a sociedade e mais comissões e, lamentavelmente que nós, mais progressistas, que temos outros compromissos, nos sentimos muito desconfortáveis, pior que isso impotentes diante daquilo que está trágico no Congresso Nacional, mas é um momento de resistência, momento de denunciar tudo aquilo que a gente entende que seja retrocesso, que tem também no lado do Governo, com essas medidas de ajuste fiscal, não dá para defender mesmo. E essa relação do executivo com o legislativo, é uma relação também, a meu ver, promiscua, uma relação submetendo o poder executivo ao poder legislativo. Uma confusão total da relação entre poderes. O executivo legisla, o judiciário legisla, o poder legislativo se nega a ser o contraponto das decisões porque está tudo contaminado, uma mídia que precisa ser reformulada, eu tenho dito isso muito dos meios de comunicação, na comissão de ciência da tecnologia, comunicação e informática, eu fui atuar nessa comissão por designação da minha liderança e não tinha nenhuma experiência nesse campo, porque a minha formação é social, mas chegando lá eu me dei conta que , lutar pela democratização dos meios de comunicação e o controle social sobre eles, na minha experiência considero que é mais importante que a própria reforma agrária, que é causa principal que me mobilizou a entrar na política e a militar pelo dia de hoje. Porque no dia que a gente tiver o controle dos meios de comunicação, não é negando o direito a liberdade de expressão, lutamos por isso a vida toda, é porque, no dia em que a cidadania tiver o direito de voz, o direito de usar o patrimônio natural da sociedade, que é a frequência eletromagnética, que estão monopolizadas, sobre o controle de pequenos grupos, que fazem a opinião pública, que fazem a opinião das empresas, essa que é a verdade. Vê a forma como por exemplo a Globo, sobretudo a Globo News trata e debate essa conjuntura que está aí. Eu fiquei impressionada após as manifestações fantásticas que ocorreram no país afora, particularmente São Paulo e algumas capitais, e o tom do debate a noite na Globo News, dava a impressão de que eles tinham visto outra coisa e não aquilo que de fato acontece. Querendo desqualificar diminuir e comparar essas manifestações. Na minha avaliação a manifestação do dia 13 foi uma demonstração de força espalhada pelo país inteiro, mas no mesmo tom, na mesma dimensão foram as manifestações do dia 18, e lamentavelmente, o que a Globo queria passar era negar a mesma qualidade, já que foi organizada. Eles colocavam como mérito da outra, do dia 13, porque não teria sido liderada ou comandada, então é uma manifestação orgânica, despolitizada, enquanto que no dia 18 tinha lideranças, tinha organização. Então é impressionante como essa mídia trata essas questões de uma forma tendenciosa, eu fiquei escandalizada com o teor e a forma como os analistas políticos trataram esse evento do dia 18, porque os governos do PT não enfrentaram esse poder fantástico da mídia, a Globo fica com 60% de todos os recursos da publicidade oficial, portanto tem a hegemonia em relação a todos os outros meios de comunicação do país e o PT beneficiou o tempo todo esse grupo da Globo e outros grupos, monopolizando 4 ou 5 no máximo e população completamente isolada e excluída de um patrimônio natural que são esses meios de comunicação de massa. Então se enfrenta essa questão, ao mesmo tempo que enfrenta uma revolta politica, não há como mudar correlação de forças no interesse do país e da maioria.

NORDESTE: A senhora acredita que é possível que haja realmente um impeachment da presidente Dilma com esse congresso que aí está?

Erundina: Eu sou contra desde que se traga dados concretos e objetivos que mostre falta de decoro por parte da presidente. Sem sustentação constitucional, legal e concreta que possa sustentar o impeachment, por mais que seja instrumento constitucional, não será legítimo, será ilegítimo. Lamentavelmente a correlação de forças, inclusive da comissão especial, é absolutamente favorável e aponta, tanto é que eles estão acelerando, veja quem está a frente desse processo, é um réu, que é o Cunha, comprovadamente corrupto, comprovadamente fez desvios de recursos públicos durante muito tempo. Tem recursos fabulosos lá fora. E ele tá aí, usando a função de presidente, se protegendo lá dentro, lamentavelmente ele tem o controle da maioria da casa, tem o controle do conselho de ética, da comissão de constituição e justiça, que são os instrumentos fundamentais, a partir dos quais esse processo se encaminha na Câmara. Isso é muito triste e muito grave e lamentavelmente não tenho ilusões quanto ao resultado do trabalho dessa comissão especial, porque ela inteira está condicionada e controlada por um réu da Câmara. Nada se faz para acelerar o processo dele, nunca vi tanta demora, ao menos ele tinha que ser afastado da presidência da casa. Mas as lideranças e a maioria da Câmara não tá interessada nisso, quem elegeu o Cunha foi a Câmara. Se houvesse em político com determinação e coragem, ele já teria saído com força dos próprio legionários, mesmo os que votaram nele já o teriam tirado, pelo menos, da presidência da casa. Isso não ocorre porque a maioria deles tem rabo preso. É isso que acontecem a sociedade precisa saber disso e exigir providências de quem tem poder para pelo menos legitimar um pouco o trabalho que é realizado pela Câmara.

NORDESTE: No caso de um impeachment, quais seriam as forças que estariam em jogo pelo poder. Direita e esquerda novamente, seria isso?
Erundina
: Não sei mais quem é esquerda lá. Está meio difícil, o partido ser socialista, comunista, isso não tem sido mais suficiente para definir quem é de esquerda ou de direita. Você tem pessoas, tem lideranças políticas, cuja prática, independente do seu partido, se comporta de forma coerente com aquilo que acredita. Agora esse grupo é muito pequeno. Essa minoria tem agido seja no conselho de ética, junto a justiça, a procuradoria geral da republica. É uma minoria muito combativa, mas muito minoria. A gente poderia identificar pela sua prática e a atuação, como sendo do campo democrático popular de esquerda, agora, dizer qual é o partido de esquerda? Eu não me arriscaria a dizer, porque lamentavelmente as coisas estão tão misturadas e tão sem identidade, que termina criando dificuldades até para caracterizar que campo cada partido ocupa. Nos temos que dialogar e organizar e trazer forças politicas de fora para dentro. Esperar da Câmara, ou do Senado, veja bem o presidente é réu, um grande número de deputados está envolvido no Lava-jato, assim como senadores. O que você quer desse poder? Ou a sociedade pressiona, controla, fiscaliza e muda essa correlação de forças lá dentro, não espere que vai sair coisa boa daquela casa a partir da correlação forças que existe lá.

NORDESTE: A senhora declarou que a ida de Lula para a Casa Civil fere a luta das mulheres. Por que?

Erundina: Eu acho assim, uma das dificuldades é a sub representação. Somos menos de 10% da Câmara, e 10% juntando com o Senado. Essa é a nossa representação. Nós somos mais de 50% da sociedade e dos eleitores. Quando você vê a Argentina, que tem mais de 40% de representação feminina no congresso daquele país, assim como a Bolívia que tem 50%, no Chile a mesma coisa e nós estamos lá embaixo. Por que? Porque um empoderamento nosso não tem sido uma preocupação ou um objetivo, mesmo dos partidos de esquerda, as direções partidárias tem uma minoria de mulheres, poucas presidentes de partidos e a composição das direções são todas criadas por homens. É uma dificuldade para a gente aprovar no congresso medidas que pudessem minimizar esse desequilíbrio, eu tenho uma PEC, que completou 10 anos agora, que estabelece uma cota de pelo menos uma mulher na mesa diretora da Câmara, na mesa diretora do Senado e nas comissões permanentes das duas casas. Pelo menos uma que seja eleita também na direção dessas casas. Faz 10 anos que essa PEC tramita la, já foi aprovada na Câmara duas vezes, está no Senado, agora está na pauta, era para entrar na pauta em celebração ao dia Internacional da Mulher, até agora não foi para a pauta. Na Comissão de Constituição e Justiça, o senador pediu vistas quando já estava na fase de designação da matéria em plenário. Porque não se quer conferir os direitos da maioria da sociedade brasileira. Quando você não reconhece um direito ao poder as mulheres e ela também não é formada, orientada e estimulada pelo partido, pela sociedade para disputar o poder, conquistar o poder, os seus direitos estarão sempre relegados. Porque se você não tem poder, você não participa de reuniões estratégicas e quando, depois de mais de 80 anos da conquista do voto feminino no Brasil, se conseguiu eleger uma mulheres, a primeira, uma liderança forte e carismática, como o ex-presidente Lula, e coloca que ele vem ajudar a tirar o país da crise, qual a leitura disso, que a presidente é incapaz, que ela não consegue, que precisa da ajuda do homem. Do ponto de vista de valor, de conceitos e concepções, a imagem que passa é da fragilidade da mulher e da subordinação dela ao papel masculino. Lamentavelmente, eu acho que tínhamos que ter avançado mais. Eu acho que el foi para lá não por causa disso, embora essa seja a versão dada pelo, mas lamentavelmente essa versão prejudica o conceito de luta e de empoderamento das mulheres, pela afirmação do seu papel político na sociedade, uma sociedade machista, excludente. Então essa tentativa de levar o Lula para junto da presidente para ele assumir quase um papel de super ministro, acho que não é legal, isso nos tira exatamente a afirmação do nosso papel político da sociedade brasileira.

NORDESTE: A decisão do PSB não parece coesa. Governadores como Ricardo Coutinho, Paulo Câmara e Rodrigo Rollemberg já se mostraram, em outro momento, contra a idéia de ser oposição ao Governo Federal. A senhora está saindo do PSB e como está a situação do PSB?

Erundina: Olha, há muito tempo que o PSB, com a morte do Eduardo Campos, que tinha liderança, conduzia o partido, com discussão política, com o comando da executiva nacional. Então, depois disso, não emergiu no PSB uma outra liderança capaz de catalisar as tendências e estimular o debate politico no partido. Essa decisão vem primeiro através de manifestações do presidente nacional, que vai dizer que vai submeter aquilo que está defendendo como posição do partido, à executiva nacional. Até hoje, pelo que me consta, a executiva não se reuniu para referendar ou não as posições do presidente nacional do partido, que vem se manifestando de forma categórica em defesa do impeachment e do processo que se dá na Câmara em relação ao Governo Dilma. Eu já tinha muitas divergências no partido, mas o que aumentou a incompatibilidade minha de permanecer onde eu fiquei durante quase 19 anos, foi o que aconteceu depois do primeiro turno das eleições de 2014, o partido defendia a candidatura própria, seja com Eduardo ou com Marina, que substituiu depois da tragédia, alegando que o nosso compromisso era pela quebra da polarização PT e PSDB e no segundo turno o partido deliberou exatamente o contrário a isso, ao apoiar Aécio Neves no segundo turno, reforçou a polarização, negando o que havia afirmado no curso da campanha e da definição da candidatura própria. Pelo menos deveria ter deixado o partido em cada estado decidir, até porque a corrente de alianças que foi adotada naquela eleição pelo PSB, definiu que cada estado poderia definir suas alianças, até para ser coerente com isso, poderia ter dito, “cada estado submeta sua direção ao partido e decida sobre isso”, mas o partido definir da forma que fez, deliberou apoio a Aécio e não pediu nada em troca do ponto de vista programático. Tivemos uma candidatura que tinha um programa e deveria colocar algumas exigências em relação a esse programa, disseram que sim, mas o Aécio já estava lá recebendo o apoio do partido. Eu saí, junto com Glauber Braga, do Rio de Janeiro, para não testemunhar aquele fato constrangedor que era o partido abraçar uma outra candidatura sem fazer qualquer exigência e fortalecendo um dos polos que o partido queria quebrar naquela eleição.
A bancada do partido é sem identidade e liderança, frágil. Nesse estagio da minha vida, eu não era ouvida, não era considerada, então eu não tinha o que fazer lá. Estou em um compromisso de filiação democrático, como foi feito com a Marina quando veio para o PSB por não ter formalizada a Rede, seu partido. Então, nós estamos construindo outra proposta, que a raiz é dos movimentos de cidadania, a exemplo do que ocorre na Europa, Espanha, Grécia, Itália, e outros países e, eu espero que em um ano, no máximo a gente tenha a Raiz fortemente constituída, que é uma experiência inovadora, do ponto de vista de um novo modelo de organização partidário e compromisso partidários, que envolve o eco socialismo, envolve ubúntu (significa: Eu sou porque nós somos!”, um conceito algo espiritualista) que é uma concepção que está na raiz da cultura africana, envolve também o tec to porã, que uma outra concepção de raiz da cultura ameríndia, parte da base da figuralização brasileira, que é a nossa proposta, um partido com movimento completamente diferente do que existe como partido, sobretudo os atuais partidos aqui no Brasil, da atual conjuntura. Lamentavelmente não gostei de sair do PSB, estive lá muitos anos, mas chegou a gota d'agua que foi a posição do partido e da bancada de adesão, desde o início, à oposição de direita com PSDB, DEM, PPS, PSB, tá todo mundo junto. Não me sentiria bem em ficar mesmo sem ter o protagonismo nesse processo, mas eu tenho responsabilidade política com o país, particularmente em São Paulo. E tenho responsabilidade de defender posições e consultar aqueles que acreditam no meu trabalho e que me elegem, sucessivas eleições. E a maioria não é dessa posição que o PSB defende aí na Câmara e na sociedade.

NORDESTE: Outras lideranças devem ir com a senhora para esse novo partido?
Erundina: Lideranças importantes do movimento popular, movimento sindical, sobretudo aqueles que querem participar disputando eleições. Esse é um compromisso do grupo Raiz, movimento de cidadanista, com o PSOL. Minha candidatura vai se dar através de uma filiação democrática PSOL, que é a força política mais próxima ideologicamente da nossa proposta em construção que é o anti-socialismo.
 


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