PERNAMBUCO

Revista Nordeste: 100 anos de arte feminina pernambucana

Artes de Sinhá

Livro resgata perfil de mulheres pernambucanas que ousaram ser artistas em contramão a uma história da arte majoritariamente masculina

Por Nayla Georgia

A história da arte brasileira por muito tempo fechou os olhos para a presença da mulher nas artes visuais. “Escrita por homens, a narrativa histórica se absteve de incorporar às suas preocupações o sujeito feminino”, escreveu Madalena Zaccara no livro De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco. Lançada no início do segundo semestre de 2017 em Pernambuco e na Paraíba, a obra resgata o perfil de artistas pernambucanas desde o início do século XX até a contemporaneidade, trazendo um resumo biográfico, exposição cronológica, fortuna crítica registrada em livros ou jornais e comentários críticos acerca das produções dessas artistas.

“Nosso livro é uma contribuição a mais na construção de uma história que envolve um olhar não androcentrico. Não acreditamos em uma história da arte heterocentrada, androcêntrica e ocidental mesmo que ela assim se apresente. Nem postulamos uma única abordagem para a luta feminista. Somos plurais. Somos minoria embora nos constituamos em cinquenta por cento da humanidade”, comentou Zaccara, professora no Departamento de Teoria da Arte na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora da pesquisa.

A professora Madalena Zaccara trabalha com pesquisa sobre artes visuais no Nordeste brasileiro há cerca de 20 anos. Ela diz que, com o tempo, passou a investigar o apagamento das mulheres artistas na história e deu início à pesquisa em Pernambuco. Patrocinada pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), a pesquisa também contou com a participação da professora Marluce Carvalho, da artista Bárbara Collier e de Xavana Celesnah. “Todas três foram minhas alunas em períodos diversos e todas estão envolvidas com o PPGAV [Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais] e com a pesquisa em artes visuais. Sob minha orientação e com minha colaboração, decidimos por dividir o recorte cronológico. Cada uma ficou encarregada de um período embora durante o processo tenhamos por vezes invadido o campo de pesquisa da outra. Todas foram bolsistas do projeto com exceção de Xavana que apoiou voluntariamente. Durante o período de desenvolvimento da pesquisa tínhamos reuniões periódicas entre nós e com o produtor cultural Itamar Morgado que “racionalizava” os limites que tínhamos de páginas e se encarregava de detalhes ligados ao Funcultura e suas exigências”, afirmou Zaccara.

Da esquerda para a direita: Itamar Morgado, Madalena Zaccara, Bárbara Collier, Marluce Vasconcelos e Xavana Celesnah

Desvendar e conhecer as histórias das mulheres artistas pernambucanas do século passado foi um trabalho árduo e demorado. As pesquisadoras levaram cerca de dois anos e meio para concluir um trabalho que, segundo a professora Zaccara, ainda não registrou todas as artistas que já existiram em Pernambuco. “Consultamos fontes primárias e secundarias. Arquivos privados de artistas ou de familiares e de periódicos. Também acessamos a pouca bibliografia escrita sobre arte pernambucana. A partir das informações obtidas em arquivos e publicações construímos o perfil das mais antigas. De algumas não foi possível ter mais do que um nome citado em algum salão. Perderam-se no tempo”, diz com pesar, mas complementa que várias outras artistas dispunham de maiores informações e, com isso, puderam construir perfis completos dentro dos limites de espaço disponíveis. “Das que só pudemos obter poucos dados, quer por seu apagamento, quer por sua juventude, citamos nome e dados básicos. Claro que não levantamos todas. Mas registramos cerca de 200 artistas”, conclui.

Das pioneiras à Nova Era

A escolha da professora Madalena Zaccara em estudar as mulheres artistas que foram negligenciadas nos seus tempos se mostra de grande valor para a construção social contemporânea. De sinhá prendada a artista visual: os caminhos da mulher artista em Pernambuco apresenta à história que, mesmo com as dificuldades – que eram muitas –, elas nunca deixaram de existir e persistir na luta por espaço num universo unilateral. “Apesar das dificuldades e das lacunas da história, um número importante de mulheres trabalhou e trabalha em Pernambuco desde Rita Joana de Sousa, a primeira artista pernambucana de que temos notícia, nascida em Olinda em 1595. Nas sombras, à revelia das famílias, ou com raros casos de incentivo, elas trabalharam, trabalham e, nas últimas décadas, a partir principalmente dos anos 70 do século XX, elas se multiplicaram. Essa afirmação profissional apesar de todas as dificuldades é o grande ganho e a meta a ser obtida”, explica a professora.

Através dos estudos, Zaccara conseguiu desvendar certos comportamentos semelhantes das artistas e a tendência que elas tinham na emancipação, ainda que algumas cedessem às vidas de esposa e abdicaram seus nomes e sua arte. “Ao abordar um universo de aproximadamente duas centenas de artistas locais em uma cronologia diversificada abrangendo aproximadamente um século, põe-se em destaque o perfil de um contingente muito diversificado de mulheres artistas: umas consagradas, outras quase anônimas, umas violentamente reprimidas no início do século, outras produto do feminismo contemporâneo. Elas têm em comum o fato de terem logrado conquistar seu espaço exercitando diferentes linguagens artísticas, vindas de varias experiências de opressão e contrariando os preceitos de uma história da arte hegemônica, branca e masculina. Todas são universos únicos a descobrir, mesmo dentro de um resgate memorial. Também foi importante observar a gradativa emancipação das mulheres que fazem parte das minorias raciais, econômicas e de opção sexual que tiveram (e têm) uma luta ainda mais acirrada por um espaço. Entretanto todas se irmanam numa luta só nessa pesquisa: ser artista visual”, conclui a professora.

Galeria

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