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Revista NORDESTE: A União Europeia Pós-Brexit e Pós-Globalização

“A incapacidade de concordar com fatos básicos é o resultado direto de uma agressão sem fronteiras contra as instituições democráticas. Foi isso que vimos nos EUA, no Reino Unido e em todo mundo. E é esse o grande problema para as democracias”
Francis Fukuyama, Dez. 2016

Por MARCOS FORMIGA
 

I. O Sonho Comum

A União Europeia – UE, composta por 28 países, resultou da evolução política de recuperação da II Grande Guerra (1939 a 1945). Foi a resposta, não programada, ao acirramento da Guerra Fria (1947 – 1991) abastecida pelos Estado Unidos (EUA) e a então União Soviética (URSS). Também, para neutralizar os efeitos maléficos do desvario de uma corrida armamentista, da ameaça da Guerra Nuclear e da expansão desenfreada do imperialismo hegemônico, tanto da esquerda, quanto da direita. A Europa buscou, na integração econômica regional de países majoritariamente de porte médio (território, população e renda), uma alternativa viável para o crescimento e bem-estar social, medidos em padrões de qualidade de vida.

O “sonho comum”, iniciado na década de 1950, tem origens na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA e na Comunidade Europeia de Energia Atômica – CEEA/Euratom. Prosseguiu, ao viabilizar a unificação comercial e alfandegária com a Comunidade Econômica Europeia (1957), inicialmente, formada apenas por seis países: Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. Sob o Tratado de Roma (1957), estas organizações evoluem, paulatinamente, para uma união política que pelo Tratado de Maastricht (1993) passa a se chamar “União Europeia” compreendendo a livre circulação de bens, pessoas e a unificação monetária (EURO). O Acordo de Schengen, via Tratado de Amsterdam (1997), consolida definitivamente esse arranjo. Por último, o Tratado de Lisboa (2007), reforma o funcionamento da União Europeia.

Especialistas internacionais em integração regional consideram a experiência europeia a melhor referência de integração entre nações, comparando-a à boa prática na Região Nordeste do Brasil levada a cabo pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, criada e implementada, entre 1959 e 1964, pelo economista Celso Furtado, quando trabalhou em três governos democráticos: Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961 a 1964). A SUDENE tornou-se um case mundial de desenvolvimento regional. Por mérito, na Redemocratização em 1985, Furtado foi designado Embaixador Brasileiro junto à Comunidade Econômica Europeia – CEE, em Bruxelas.

Em um contexto institucional evolutivo, a Revolução Tecnológica e os saltos frequentes na mudança dos paradigmas de produção e consumo formam os ingredientes capazes de viabilizar e robustecer a tendência da globalização econômica. A distensão política à época no palco real dos grandes atores europeus: Mikhail Gorbachev (URSS – 1985 a 1991), Margaret Thatcher (UK – 1979 a 1990), François Mitterrand (França – 1981 a 1995), Helmut Kohl (Alemanha – 1982 a 1998), Felipe González (Espanha – 1982 a 1996), Mario Soares (Portugal – 1976 a 1996) junto à liderança religiosa do Papa João Paulo II (1978 a 2005), colaborou, em primeiro lugar, para a queda do Muro de Berlim (1989). Em segundo, para a dissolução da União Soviética (1991), pavimentando, assim, o caminho da aceleração da globalização revelando novos atores à cena mundial como a China e outros emergentes: Brasil, Rússia, Índia e África do Sul – BRICS. Com a ruína da Ex União Soviética e vitória da Guerra Fria, os Estados Unidos atingiam, no mandato do ex-presidente Bill Clinton (1993 a 2001), o apogeu de potência econômica, quando emerge o policentrismo e parece prevalecer a bonança do desenvolvimento global. A UE experimenta, então, um período crescente de moderada expansão econômica, regada pelo comércio internacional. Entretanto, chega 2008, com uma nova crise econômica mundial pondo em xeque o sonho, que não acabou, porém, desafiando as benesses (desiguais) da globalização econômica, das migrações humanas, e da integração regional da Europa.

II. O Novo Quadro Socioeconômico Europeu

De 1980 até a primeira década do novo século os países da EU registraram crescimento econômico generalizado (Bônus da Globalização) e alguns ônus ocasionais. De repente, com a crise, prevalecem os ônus. Nesta transição, a maioria europeia continua a demandar paz, prosperidade e qualidade de vida para a população (“o sonho comum”), todavia, passa a conviver com perturbação política, instabilidade econômica e social, migrações descontroladas e desigualdade intrarregional.

Em realidade, os maiores bônus da globalização ocorreram nas regiões metropolitanas de países que já apresentavam melhor crescimento (Alemanha, Reino Unido e França). Quando o sul do Continente, parte geograficamente majoritária e menos desenvolvida, afogou-se em persistente crise fiscal (Crise da Zona do Euro), três países da franja mediterrânea são chamados pejorativamente de “Piigs” (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha). O fato tornou, a alguns, difícil ou impossível pagar ou refinanciar a dívida pública sem a ajuda de terceiros (Grécia), enquanto países líderes europeus relutavam em fazê-lo. Em consequência, a UE sacrifica seu ideário de maior equidade e coesão social passando a agir segundo a prática tradicional (“status quo”) do flanco financeiro-bancário. 

Sem maiores análises da etiologia da crise, as potências prescrevem o receituário neoliberal da austeridade fiscal. De repente, a esperança desenhada pelos ideólogos do Tratado de Roma (1957) e do Acordo de Luxemburgo (1965) se rende à desesperança da pouco criativa “troika” (Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu). Em vez de aprofundar a compreensão das múltiplas causas reais da crise do Euro e propor soluções que mitigassem desigualdades, preferiu inspirar-se no famigerado e fracassado “Consenso de Washington” – modelo desacreditado há mais de duas décadas – imposto com poucas variações. 

Desde então, prevalece por uma década, um panorama de desempenho econômico pífio, alto desemprego (especialmente entre jovens) e quase recessão, em alguns países. No flanco social, testemunha da longevidade da crise, o Continente Europeu assiste atônito o crescimento descontrolado da imigração ilegal e aumento de refugiados, agravados pelos contínuos naufrágios de barcos improvisados na travessia de levas em fuga da guerra, perseguições étnicas e religiosas, falta de perspectiva de futuro: Síria, Afeganistão, Kosovo, Albânia, Paquistão, Nigéria, Irã, Iraque, Ucrânia, Líbia, Estado Islâmico – ISIS), e da fome endêmica (Etiópia, Sudão e parte do Norte da África). Diante deste quadro aterrado, a Europa e o mundo se renderam à “banalidade do mal” e observam passivamente, a morte de milhares, com estranha e injustificável desumanidade. O Papa Francisco tem sido a voz destacada, quase única, a “Clamar no Deserto” da indiferença. Os países europeus assediados pelos imigrantes ilegais e refugiados esquecem que parte substancial de seu desenvolvimento se deveu à exploração secular, de onde retiraram ou saquearam de tudo, das ricas colônias africanas e do Oriente Médio: riquezas minerais, vegetais, biológicas, alimentos tropicais e tesouros históricos e arqueológicos. Hoje, negam o essencial: abrigo e alimento. 

Em meio à grave turbulência, registram-se, em escala assustadoramente crescente, atentados terroristas. Difícil estabelecer, com precisão, relações de causa e efeito entre tais fenômenos (crises fiscais e financeiras, trabalho, migrações ilegais, terrorismo). Paira um clima de insegurança agravado pelos atentados nas capitais: Madrid (2004), Londres (2005), Paris (2015/2016), Bruxelas (2015/2016) e Berlim (Natal de 2016). O Subcontinente europeu considerado o mais seguro no Pós-Guerra, agora, respira insegurança e incerteza. 

III. Atual Cenário Político Europeu

Devido à manutenção da crise econômica na região do Euro e a instabilidade generalizada, a explosiva combinação de imigração descontrolada e ilegal com terrorismo atingiu em cheio o sistema de democracia representativa. No cenário político constata-se, atualmente, uma escassez de lideranças moderadas, pródigas na década de 1980. O regionalismo construtivista vigente nas primeiras décadas da Comunidade Econômica Europeia – CEE, e alicerce dos fundamentos da UE, cede espaço, cada vez mais amplo, a movimentos, ora nativistas e nacionalistas, ora xenófobos e racistas. Exemplificando, o primeiro foi a Yugoslavia, verdadeiro mosaico étnico dos Balcãs, que após o desaparecimento do Marechal Tito, protagoniza violentos episódios como o massacre de Srebrenica. Ao mesmo tempo, fracionam-se vários países menores (Servia e Herzegovina, Croácia, Kosovo, Montenegro e Macedônia), bem como a então Checoslováquia em República Tcheca e Eslovênia. A tendência separatista prossegue, mesmo ainda não realizada: Escócia, do Reino Unido, e Região da Catalunha, da Espanha. Fora da Zona do Euro, sobressaem a tentativa de separação da Chechênia, e a invasão real da Rússia sobre a Crimeia – legalmente pertencente a Ucrânia. O registro de tais acontecimentos explica, em parte, o que ora ocorre, e pode, hipoteticamente, acontecer na Europa do Euro.

O chamado Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) é uma parte importante da irracionalidade política que domina o cenário mundial, agravada pela recente eleição do presidente americano Donald Trump. Neste caso, o poder da mídia é parte da equação que leva ao poder um milionário animador de programa televisivo, na contramão da lógica e contrariando seus próprios correligionários do Partido Republicano, a partir de um apelo populista e autoritário em discursos vazios, de bravatas e insultos ilimitados. Ademais, o apoio legal, mas eivado de injustiça, do sistema eleitoral indireto onde o vencedor em cada Estado recebe todos os votos daquele colégio eleitoral, levou à derrota no espaço de dezesseis anos deste século, dois candidatos do Partido Democrata (Al Gore – 2000 e Hillary Clinton – 2016), majoritários no voto popular. Aí está mais uma evidência da crise atual da democracia representativa que atravessa fronteiras transcontinentais. 

O Reino Unido, em especial a Inglaterra, sempre viu a União Europeia com certa desconfiança. Tardou em efetivar a adesão, porém, sem o Euro como moeda única. Paradoxalmente, depois da Alemanha que graças à União Europeia consagrou-se líder do Subcontinente, o Reino Unido logrou os melhores benefícios. Londres, com sua vocação histórica de cidade global, aberta à difusão e prática de ideias e conceitos inovadores, consolidou-se como maior centro financeiro da Europa. Escócia e Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, por meio de seus eleitores e Parlamentos, reagem e tentam permanecer na União Europeia, a despeito da saída do Estado líder, a Inglaterra. A explicação é que embora consideradas regiões periféricas do Reino Unido, contrariando outros países, se beneficiando da integração econômica. 

Depois de Tony Blair (1997 a 2007) o Reino Unido atravessa uma crise de liderança que atingiu os dois maiores partidos oponentes: Conservador e Trabalhista. Esta crise fez surgir, em nossa opinião, uma maior abertura política, independente do que representa, pois a diversidade parece ser um aperfeiçoamento democrático britânico que permitiu surgirem: os Partidos Liberal (não tão novo, mas capaz de viabilizar um governo de coalizão com o vice primeiro ministro no primeiro mandato de David Cameron (2010 a 2016), e o partido de Independência do Reino Unido – UKIP, assumidamente eurocético, cujo líder Nigel Farage participou ativamente no decisivo levante dos brios da população interiorana e eleitores idosos que levou ao resultado do plebiscito em junho de 2016 (Pro saída da União Europeia). Contrariamente, a maioria dos eleitores de Londres e das grandes cidades inglesas, preferiu a permanência. 

Estávamos na Inglaterra imediatamente após a consulta, e em conversas com nativos, predominantemente londrinos, constamos a grande perplexidade e preocupação. Concluo que a saída da UE parece uma declaração explícita de nacionalismo exacerbado, racismo e xenofobia. Segundo os jovens, o Reino Unido vai perder com a saída. O futuro dirá.
Notei ainda entre os ingleses, de forma subreptícia, um certo temor, não declarado, de serem liderados pela Alemanha. Sobre esta aparente causa não assumida, basta a História para comprovar. A rivalidade, quase sempre bélica, persiste sob a forma moderna de permanente desconfiança mútua. Se a não adesão ao Euro representou um aspecto positivo para a economia inglesa, nesta fase inicial da saída, já há reflexos na depreciação da Libra. Os ingleses, eméritos comerciantes, ao se afastarem politicamente da UE tentam preservar sua fatia no mercado a qual enquanto integrantes do bloco, cresceu em exportações para o Continente. Dispondo apenas de prospectivas frágeis ou reversão de expectativas, características comuns em nossos dias, ainda não se pode antecipar, de fato, o que virá, tanto na Europa do Euro, quanto nas Ilhas Britânicas. Vivemos em permanente estado de surpresa e perplexidade, intransigência e intolerância.

Tanto no Brexit quanto na eleição de Trump nos EUA, se houvesse “uma cláusula de arrependimento”, enquetes apontam que tais decisões, seriam revistas devido ao clima de intempestividade e pouca reflexão sobre as consequências. No entanto, não se pode apagar a História, mesmo recente. Ambos, britânicos e americanos, terão de arcar com as consequências reais de opções típicas da “cultura do esquecimento da pós modernidade liquida”.

Adicionalmente, não podemos esquecer que Grécia, Itália e Espanha, são também exemplos de sistemas de representação em crise. A falta de uma Reforma Política que aperfeiçoe a Democracia não é falha exclusiva do Brasil. Aqui e alhures, os donos do poder a evitam com a defesa intransigente do “status quo”.

IV. A Europa do Euro no Curto Prazo

O panorama de descrença construído nos últimos anos, parece, irá vigorar por mais tempo. Mudanças acontecem, mas não na velocidade almejada pelos descontentes. As próximas eleições em pauta podem funcionar como observatório.

A Europa do Euro passará por dois testes eleitorais neste ano. As duas maiores economias, Alemanha e França, elegerão novos governos. Na Alemanha, a tendência, embora não seja uma afirmativa, aponta que a Primeira Ministra Angela Merkel e seu Governo de coalizão Democracia Cristã e Social-Democracia têm chance efetiva de reeleição para um terceiro mandato, replicando o governo de H. Koll, responsável pela bem-sucedida reunificação das duas Alemanhas. Contudo, o Partido Social Democrata (PSD) já indicou o ex-presidente do parlamento europeu, Martin Schulz, para enfrentar Merkel. Os dois terão pela frente o fortalecimento político dos “verdes” e sua maior conscientização sobre ameaças reais das mudanças climáticas, e uma população com exigências crescentes sobre sustentabilidade. 

No momento a Alemanha vive a idade de ouro da supremacia econômica europeia, e alguns afirmam que com a saída de cena do Presidente Barack Obama (USA 2009 a 2017) restará, incontestavelmente, Angela Merkel como única liderança política mundial. Os demais chefes atuais de governo formam uma plêiade de líderes de segundo escalão, sem forte reconhecimento às suas competências pessoais, nem à capacidade assertiva de projeção de poder e liderança em um mundo de relativa paz global, mas, de desassossego interno na maioria das nações.

Na França a análise é mais complexa. O pífio desempenho do governo socialista de François Hollande (maio 2012, a maio de 2017) aumentou o reconhecimento a François Mitterrand último grande estadista no país. A popularidade tão baixa de Hollande o fez antecipar a desistência em concorrer a um novo mandato, fato inédito na França das últimas seis décadas. As opções no horizonte não são animadoras: Conservadores gaullistas virão com François Fillon, devido as primárias do partido refutarem o retorno de Nicolas Sarkozy (2007 a 2012), outro governo mal avaliado. O partido Socialista, aparentemente, não dispõe de nome de peso para suceder Hollande, e dificilmente, o fará. Bernoit Hamon derrotou Manuel Valls, ex-primeiro Ministro de Hollande, e será o candidato socialista para as próximas eleições. 

Assusta ao mundo, aparentemente mais do que à França, a hipótese da eleição de Marine Le Pen líder direitista da Frente Nacional, pois vivemos época de extremos, além do clima. Para tal candidata fluem eleitores frustrados com os três últimos presidentes (Jacques Chirac – 1995 a 2007, Sarkozy e Hollande), em ambiente de crescente xenofobia e preconceito racial, agravado pela não obrigatoriedade do voto e absenteísmo eleitoral em alta. Ponderadamente, a França tem características próprias e um sistema eleitoral que costuma produzir um segundo turno, que funciona como uma espécie de revisão, ou “cláusula de arrependimento” não existentes no sistema eleitoral americano, nem na consulta britânica.

O politizado e fortemente ideologizado processo eleitoral francês poderá levar a Sra. Le Pen a uma vitória no primeiro turno, mas, espera-se, o segundo repita o feito dos socialistas na eleição de 1995 entre Jacques Chirac v.s Jean-Marie Le Pen (Pai de Marine) quando seus eleitores preferiram “tapar o nariz” – votando em Chirac para evitar o que julgavam um mal maior. A trilogia francesa que inspira o mundo: Liberdade, Fraternidade e Igualdade exibida em vermelho, azul e branco na bandeira nacional, mais uma vez, ressurge como farol a iluminar uma redefinição ao melhor caminho para o Continente Europeu.

V. Europa: Pós-Globalização ou Desglobalização?

Em um mundo em processo permanente de transformação algumas lideranças defendem a existência de um início de Desglobalização, entendida como processo de diminuição da interdependência e integração entre certas unidades nacionais ao redor do mundo, tipicamente Estados-nação. Julgamos que isto dificilmente acontecerá: o que assoma no horizonte, de fato, é uma reformulação da Globalização, como prova da necessária revitalização de sua dinâmica. Mudanças na condução da globalização serão benéficas ao seu aperfeiçoamento, em especial, com relação aos países de pequeno porte, até agora menos beneficiados no processo.

Globalização, como a Internet, são irreversíveis. É impossível pensar o Planeta sem a rede mundial que alimenta vida e economia digitais, e vice e versa. O mundo espera que a Pós-Globalização compartilhe seu foco excessivo em ganhos econômicos expandindo-o às arenas sociais e corrigindo desigualdades históricas e seculares. Esse cenário configura uma tentativa desejável de aproximar a agenda do Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça, com a do Fórum Social Mundial, debutado em Porto Alegre, em janeiro de 2001, com o slogan “um outro mundo é possível”.

O mundo e a Europa atravessam momento difícil. Em tempos de soluções autoritárias e retrocessos na democracia, afirma o presidente Obama “a democracia não funciona sem oportunidades a todos”. No entanto, avaliamos que a Europa não irá se afastar do caminho de unificação. Após protagonizar duas grandes guerras no último século, como nenhum outro continente, aprendeu inexistir opção à vista salvo lutar pela permanência da integração. Será possível administrar ameaças reais de afastamento (Brexit) e ações de Desglobalização. Um grande obstáculo, todavia, será sublimar a tentação de uma liderança hegemônica (Alemanha) incompatível em uma organização política e social de aproximação de povos, culturas e negócios. 

Para a UE fluir em tempo de Pós-Globalização terá de aperfeiçoar e inovar seu ultrapassado modelo de gestão, modernizando, flexibilizando, agilizando e simplificando processos decisórios. Diante da crise, clama por um choque de gestão inovadora disruptiva. Para lograr êxito, terá que se libertar do excesso de burocracia que caracteriza organismos multilaterais. Suas instituições precisam dispensar, no mínimo atenuar, a influência perniciosa da família ONU sediada em New York, e, principalmente, daquelas localizadas na própria Europa. UNESCO em Paris, FAO em Roma, OIT e OMC em Genebra, são exemplos de estruturas institucionais a evitar.

Sem saudosismo, tais elucubrações são frutos de observação continuada da evolução política desses países, além de consultas, conversas com pessoas que igualmente pensam e se preocupam com o futuro político muito além de suas próprias fronteiras. Neste cenário somos espécies de “eleitores mundiais”.

Já não nos contentamos em participar da escolha de nossos próprios dirigentes. Queremos saber e temos o dever de emitir opinião sobre políticas e lideranças que alteram o rumo das nações e continentes. E se não podemos, ainda, votar em mais de um país, ao que tudo indica, o mundo do futuro caminhará nesta direção. Enquanto não chegamos lá, torceremos pelo destino da Europa e melhores escolhas de seus dirigentes.

O projeto europeu, ao longo de mais de seis décadas de contínua associação de novas nações, tem muito a persistir, ainda no âmbito restrito da Europa Ocidental, com a almejada inclusão da Noruega e Suíça. A consolidação em processo, confere um desafio maior e crescente, qual seja, expandir um enorme potencial de abrangência enquanto vislumbra uma união que avança em direção aos países do Leste Europeu. 

A evolução contínua da ideia original do estadista francês Robert Schuman (1886-1963), grande negociador dos grandes tratados do final da Segunda Guerra Mundial condecorado pelo Parlamento Europeu, do qual foi o primeiro Presidente, com o título de “Pai da Europa”, agora, cresce em importância. Trata-se do desafio permanente, ao longo do Século XXI, para construção de uma verdadeira Grande Europa (Europa Ocidental unificada ao Leste Europeu). A Globalização, até agora, foi forte aliada ao êxito relativo da UE. A Pós-Globalização, em vez de ameaça, poderá se tornar esteio para a consolidação da Grande Europa.
Brasília, janeiro de 2017.

Marcos Formiga é professor da UnB, do Núcleo de Estudos do Futuro do Centro de Estudo Avançados Multidisciplinares CEAM/UNB. Ex-superintendente da Sudene. Entre outros cargos, participa, atualmente, do conselho fiscal do Centro Internacional Celso Furtado 

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