NORDESTE

Revista NORDESTE aborda a personalidade caleidoscópica de Di Cavalcanti: grande ícone do modernismo brasileiro

A nova edição da Revista NORDESTE traz uma incursão na personalidade caleidoscópica de um dos grandes ícones do modernismo brasileiro em suas facetas artística, intelectual e boêmia, Di Cavalcanti.

 

Leia aqui ou abaixo o texto de Marcelo Bortoloti e a entrevista concecida por ele ao jornalista Walter Santos

 

 

 

Quando Emiliano de Albuquerque Mello mostrou pela primeira vez um desenho artístico feito a lápis a seu amigo e mentor Gaspar Puga Garcia, o incentivo que recebeu — “você será pintor” — provavelmente soou mais como amizade do que vaticínio para o adolescente. No entanto, o passar dos anos confirmaria o julgamento de Puga, e Di Cavalcanti vivenciaria, na maturidade, a consagração de seu trabalho pictórico.

Enfrentando adversidades financeiras e com uma formação artística dispersa, o pintor pouco a pouco desenvolveu um estilo enriquecido pela sensibilidade e pelo olhar atento à realidade que o cercava — decorrência de sua consciência de classe e de uma vida boêmia. A observação dos tipos sociais e das manifestações culturais levaram Di a uma expressão plástica própria, que sintetizava as tendências estéticas europeias com o ideal da criação de uma arte que se pudesse chamar de brasileira, escolhendo como assunto para suas telas personagens e elementos da cultura popular.

 

Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti construiu uma iconografia particular, que ganharia caráter de referência cultural para o imaginário nacional. Em um livro envolvente, Marcelo Bortoloti conta essa história — a vida de “um indivíduo em eterna luta para elaborar uma arte original, contra muitos adversários, inclusive ele próprio”.

 

“Através de uma pesquisa acurada e escrita fluida, Bortoloti traça, de forma inédita, o percurso pessoal de um dos mais importantes artistas brasileiros. Uma publicação que apresenta a personalidade múltipla de Di Cavalcanti sob um prisma diverso do conhecido, abrindo novos caminhos para a compreensão de sua obra.” — Denise Mattar.

 

Entrevista

O universo literário com mergulho consistente e diferenciado na ambiência histórica é tudo o que se propõe e efetiva o escritor Marcelo Bortoloti trazendo inusitadas e importantes narrativas sobre a vida e obra do genial Di Calvancanti. inédito. Leiamos a entrevista com ele:

 

 

Revista NORDESTE – o cenário literário brasileiro acaba de se deparar com uma obra crítica relevante de sua autoria sobre a figura extraordinária de Di Cavalcanti. O que lhe levou e inspirou se dedicar a uma leitura memorial de tamanha relevância?

Marcelo Bortoloti – Eu comecei a pesquisar a obra de Di Cavalcanti há cerca de 10 anos e logo no princípio da pesquisa eu percebi que, para além da obra, a existência dele e a trajetória biográfica dele eram muito emblemáticas para o Brasil. Ele esteve envolvido direta ou indiretamente nos principais acontecimentos culturais e políticos do país no século passado, quer dizer, e mesmo anterior a isso, na abolição dos escravos, por exemplo, a família dele participou diretamente, ele é sobrinho de José do Patrocínio. Depois disso, ele trabalhou na imprensa e viu crescer a imprensa moderna no Brasil. Participou da Semana de Arte Moderna e esteve ligado ao Partido Comunista. Esteve em Paris durante a Segunda Guerra Mundial e estava ligado às discussões de arte concreta e arte abstrata no Brasil nos anos 60. Depois, ele viu nascer o mercado de arte no Brasil. Quer dizer, são todos acontecimentos que ele participou e, incrivelmente, não havia uma biografia ainda dessa figura tão emblemática, né? Isso ajuda a compreender determinados acontecimentos do Brasil recente. Então, havia essa lacuna e por isso que eu me inspirei em fazer esse trabalho.

 

NORDESTE – Como biógrafo também por analisar toda a trajetória do gênio brasileiro, passados tantos anos o que você traduz a participação dele no famoso modernismo de 1922?

Marcelo Bortoloti – O Di Cavalcanti, embora fosse um carioca, fez a sua carreira em São Paulo desde o princípio. Ele se aproximou dos modernistas paulistanos e a ideia da Semana de Arte Moderna surgiu durante uma exposição que ele fazia em São Paulo. Estavam presentes alguns amigos dele, incluindo Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, e onde apareceu Graça Aranha, a figura mais conhecida na época. Então, ele estava na fundação quando essa ideia da semana surgiu ali, dessas conversas. Ele participou e depois participou também da elaboração do programa visual do evento. Teve uma participação muito relevante, embora seja menos falado, já que era carioca, mas um carioca que participou de fato da Semana.

NORDESTE – A rigor, como você próprio aborda, Di Cavalcanti se esforçava demasiadamente para ser reconhecido como criador de uma certa sensibilidade brasileira nas artes plásticas, mas não dá para esconder seus dramas pessoais que interferiram em sua obra. Podemos afirmar com convicção?

Marcelo Bortoloti – O Di Cavalcanti, diferente dos seus companheiros modernistas pintores, vinha de uma origem humilde. A família dele era inicialmente de Pernambuco, mas foi empobrecendo ao longo dos anos e se mudou para o Rio de Janeiro. Ele teve que trabalhar a vida toda para sobreviver. Essa marca fez com que suas convicções políticas e sociais ficassem muito aguçadas. Assim, durante a Semana de Arte Moderna, foi o primeiro a despertar para essa consciência social que os outros ainda não tinham, essa consciência política. Foi o primeiro a se vincular ao Partido Comunista. Teve uma militância e foi preso algumas vezes. Então, de fato, essa origem, essa vida sofrida de trabalho, influenciou não só na trajetória, como também na obra que a gente vai ver. Na obra dele, há a presença de operários, de trabalhadores, quer dizer, uma temática que foi muito importante para ele.

 

NORDESTE – Seu novo livro está em pré-lançamento, portanto, como você imagina estar apresentando o livro nos diversos estados, que não só São Paulo e Rio?

Marcelo Bortoloti – O livro vai ser inicialmente lançado em São Paulo, mas distribuído para todo o Brasil. Gostaria muito de fazer um evento ainda no Nordeste, porque o de Cavalcanti tem uma relação estreita, né, com Pernambuco, principalmente. A família dele vinha de Pernambuco, da Paraíba, e ele morou um tempo no Recife, onde pintou um painel no Quartel do Derby. À época, esse painel foi apagado, mas a história ficou, a convivência dele com os intelectuais de Recife, a proximidade dele com Gilberto Freire. Enfim, ia ser muito interessante. O livro traz um pouco dessa relação dele com o Nordeste, especialmente com Pernambuco. Seria muito bom se a gente fizesse um lançamento também aí no Nordeste.

 

NORDESTE – Puxando Freud e suas teses, a infância empobrecida de Di Cavalcanti teve impacto na sua formação cidadã da juventude em diante?

Marcelo Bortoloti – A infância dele foi uma infância empobrecida e isso fez com que ele despertasse essa consciência social, essa consciência política desde cedo. Mas também fez com que ele, vamos dizer, isso interferiu na obra, no sentido de que ele, desde cedo, teve que trabalhar na imprensa. Foi ali que ele se formou também. Ele era um homem de imprensa e trabalhou como ilustrador em vários jornais e revistas da época, porque precisava ganhar a vida. Diferente dos seus colegas que estudavam, eram acadêmicos, iam para a academia e tinham essa possibilidade de fazer isso. Então, a gente percebe que ele era a sua própria produção, mais espontânea, na medida em que era uma coisa mais intuitiva. A arte dele foi crescendo assim, sem estudo, sem nenhuma academia, mas ele se fez como esse homem de imprensa mesmo.

 

NORDESTE – esse contexto sócio-psicológico fez o grande Di viver buscando sempre se encontrar na originalidade de sua obra ao seu tempo? Como explicar?

Marcelo Bortoloti – Esse fato dele não frequentar a academia, a Academia de Belas Artes, as escolas de arte, fez dele um artista muito original. Fez dele um artista que seguia a sua intuição e construía uma obra muito particular. Uma obra que é representativa do Brasil, porque ele consegue trazer esses elementos brasileiros para ela e associá-los à certa modernidade da época, um novo estilo de pintura que ajudou a renovar a pintura no Brasil. Ao mesmo tempo que era uma renovação, era uma volta para esse nacionalismo, essa vontade de falar do povo e de representá-lo também na sua arte.

 

NORDESTE – que definição você daria ao saldo existencial de Di Cavalcanti como grande artista na exemplificação para as novas gerações?

Marcelo Bortoloti – O que há de interessante na trajetória dele é que é um artista que lutou, lutou contra todos, contra uma situação econômica adversa, contra dificuldades na sua própria formação e lutou até contra si próprio. Essa figura boêmia, muitas vezes indisciplinada, conseguiu, apesar de tudo isso, construir uma grande obra, uma obra importante que ficou e ficará por muitos anos na história da cultura brasileira. Então, acho que é um exemplo de um artista que conseguiu vencer na adversidade, vindo de uma classe diferente dos seus colegas. A maioria dos pintores vinham de uma elite, ele conseguiu se fazer, criar relações e construir o seu nome apesar de toda essa origem mais pobre.

 


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