NORDESTE

Revista NORDESTE aborda centenário de Paulo Freire em entrevista com professor Afonso Scocuglia

O centenário do educador Paulo Freire, patrono da educação brasileira, é abordado na edição de Nº 176 da Revista NORDESTE, em uma entrevista com Afonso Scocuglia, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Scocuglia pesquisa nas áreas de História, Arquivologia e Educação, atuando principalmente nos campos da História da Educação de Jovens e Adultos, História das Ideias de Paulo Freire, e falou à publicação sobre a importância das ideias do educador para a área.

A edição de Nº 176 da Revista NORDESTE já está disponível para o leitor em edição impressa.

 

Veja:

Centenário em 2021

 

PAULO FREIRE FAZ A EDUCAÇÃO SER BEM GLOBAL

 

Educador brasileiro com maior número de títulos internacionais expõe a força da pedagogia como elemento de transformação humana

 

 

Por Walter Santos

 

 

O mundo da educação convive com data memorável em torno do pedagogo brasileiro de maior influência na construção de modelos educativos revolucionários de nome Paulo Freire, neste mês de setembro comemorando o Centenário com efeitos em todos os continentes como poucos.

 

 

Revista NORDESTE – Estamos no ano e mês de comemoração do Centenário do “revolucionário” pedagogo Paulo Freire. Por que a obra dele se mantém a mais revisitada no mundo?

Afonso Scocuglia – Pela importância dos seus conceitos. Pela importância das suas propostas. Se você analisar cada um dos conceitos, como diálogo, conscientização, consciência crítica, democracia, liberdade, a questão do conhecimento, a questão da aprendizagem, ela se mantém atual, se mantém como proposta para ser aplicada nos dias de hoje. Então, essa atualidade, inclusive a projeção dela para o futuro, é que faz com que a obra de Paulo Freire seja cada vez mais utilizada no mundo todo, cada vez mais lida, cada vez mais debatida em todos os continentes da terra.

NORDESTE – O governo militar brasileiro dos anos 70, inclusive o general Humberto de Alencar Castelo Branco, esteve em Angicos assistindo à aplicação do método de Paulo Freire logo em seguida chamando-o de Comunista. O senhor concorda ou não dessa tese e por que ele é o educador brasileiro mais premiado no mundo?

Afonso Scocuglia – O Episódio de Angicos é bem singular, ele faz parte de um movimento no Brasil todo por alfabetização, de que ele foi uma parte mais visível uma parte mais divulgada inclusive por obra e graça do governador do Rio Grande do Norte na época que era o Aluízio Alves, que fez em Angicos justamente por ser sua terra natal, mas a presença do Castelo Branco na cerimônia final de encerramento da alfabetização era significativa tanto para a gente notar que ele fazia parte do governo Goulart, como para notar a preocupação que ele externou depois de ver aquela experiência concluída. Essa a questão do Paulo Freire ser taxado como comunista é um grande engano, porque o Paulo Freire nunca foi comunista, ao contrário, foi sempre um cristão progressista, que conviveu com as mais variadas correntes, inclusive com os comunistas, socialistas, um progressista de uma maneira geral. O que o identificou como comunista é o fato de querer fazer mudanças substanciais na estrutura da sociedade brasileira através da educação partindo da alfabetização, que é um problema crônico e ainda é. Então, é esse fato, nunca foi comunista no sentido estrito, nem foi do Partido Comunista, isso é uma atualização que era a própria daquela época de todo mundo que não concordava com a manutenção do status quo, e ele era um deles que queria reformas profundas na sociedade brasileira.

 

NORDESTE – Por que o processo de conscientização sócio-político na educação instiga rótulo comunista que na essência não é isso…?

Afonso Scocuglia – A questão vai nesse sentido e como você diz, o que ele queria era um processo cada vez mais intenso de conscientização e a educação seria uma das maneiras, a alfabetização também, uma das maneiras de fazer isso. Mas insisto, e você já entendeu que o rótulo de comunista é impróprio, porque primeiro: nunca foi comunista, nunca foi do Partido Comunista, e sim um cristão Progressista identificado com teses de Dom Helder, depois da teologia da libertação,  com essa visão progressista da sociedade, que depois a partir da Pedagogia do Oprimido vai usar algumas teses do Marx, assim como uso de outros autores, combinando autores do existencialismo, do personalismo, com o Marxismo a partir da Pedagogia do Oprimido, mas nunca se deixou enjaular por uma teoria externa qualquer, sempre fazendo a sua pedagogia sua educação com originalidade, lendo autores de vários matizes para compor a essência da sua pedagogia.

 

NORDESTE – A ideologia conservadora não consegue conviver com a consciência crítica?

Afonso Scocuglia – Você tem razão quando afirma que a ideologia conservadora não consegue conviver com a consciência crítica, não só no tempo do Paulo Freire, como nos tempos atuais. Todo mundo que é identificado como defensor de mudanças substanciais, estruturais, pela vida educação ou por outras vias é tido como subversivo, comunista, etc, e no fim o que querem é uma consciência crítica cada vez maior da sociedade através da educação e no caso do Paulo Freire, nos anos 70, da alfabetização

 

NORDESTE – O Sr. Insiste que a obra de Paulo Freire vai muito além de Angicos. Que outros movimentos o consolidam como universal?

Afonso Scocuglia – O Paulo Freire se mantém atual, não ficou parado nos anos 60, por isso Angicos tá longe da atualidade do Paulo Freire. Paulo Freire andou muito mais, Angicos foi em 63, Paulo Freire viveu até o final do século 20.  Produziu muito mais, escreveu muito mais, formulou conceitos, evoluiu, progrediu. E se as experiências no começo dos anos 60 foram importantes como base, a verdade é que ele progrediu muito, melhorou muito a sua teoria, construiu outras fontes teóricas outros autores. O trabalho na África é um bom exemplo de reformulação do que ele pensava sobre alfabetização, sobre educação. O fato é que o Paulo Freire tem uma obra de 40, 50 anos e esses movimentos do início dos anos 60 é uma parte, e posso dizer que é uma parte importante, mas longe de ser o todo.  O Paulo Freire pensador da educação do mundo não é assim reconhecido por causa de Angicos ou por causa do início dos anos 60, é reconhecido por sua totalidade da sua obra como pensador da educação, como filósofo, da educação.  Em resumo, a obra do Paulo Freire vai muito mais além da alfabetização, vai muito mais além de Angicos, vai muito mais além do começo dos anos 60. Ele faleceu em 1997, então do começo do seu trabalho no Sesi de Pernambuco, em 1947 para 1997, lá vão 50 anos de produção. Então, a gente tem que enxergar o Paulo Freire pela totalidade da sua obra e não por um ponto específico, e ele é reconhecido mundialmente pela totalidade da sua obra, que passa de 30 livros, conferências, título de Doutor honoris causa, entrevistas, as mais variadas intervenções, gestão, formação de equipes diferentes.  Insisto que esse começo dos anos 60 é uma parte da sua obra importante, mas longe de ser o todo da sua obra.

NORDESTE – Quais as ações no Exterior, em especial na África, o senhor mais considera?

Afonso Scocuglia – O trabalho na África foi um trabalho muito importante, decisivo na trajetória do Paulo Freire. Foi feito lá quando ele participava do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, então foi convidado por países de língua portuguesa recém libertos da colonização portuguesa e foi trabalhar na África, e esse trabalho tem uma importância tanto para a educação local como para a obra do Paulo Freire, reformulou várias coisas, repensou várias coisas, incluiu na sua trajetória, outros autores, como o próprio Amílcar Cabral, que foi um dos líderes dessa mudança na Guiné-Bissau e Cabo Verde, e incorporou outras ideias e a África faz parte da progressão do pensamento de Paulo Freire como eu disse anteriormente, faz parte do todo da sua obra, como um dos momentos mais marcantes, mais importantes, e isso já nos anos 70, mais ou menos na metade dos anos 70, disso resultou várias obras escritas, que a gente costuma chamar de escritos africanos que vem a partir daí. A África tem uma importância muito grande no pensamento do Paulo Freire, é um dos momentos da evolução do seu pensamento, da progressão do seu pensamento e novas experiências, e como insisto em dizer, faz parte dessa totalidade do Paulo Freire, que vai muito além do começo dos anos 60 no Brasil, e ele ganha uma projeção mundial a partir dos anos 70, especialmente, inclusive a partir desse trabalho.

 

NORDESTE – Como, na sua concepção, as novas gerações passam a encarar Paulo Freire se leem pouco?

Afonso Scocuglia – Você identifica um problema muito sério, como as novas gerações podem encarar Paulo Freire se leem pouco. É um problema não só com Paulo Freire, mas essa pouca leitura,  pouca progressão na educação é um problema central, estrutural da educação, e a educação brasileira precisava contar com o Paulo Freire, assim como contar com outros educadores, com outros pensadores, não só com Paulo Freire, para se reestruturar, para tomar um outro rumo, um outro patamar no sentido muito mais qualificado, na medida que a educação vai se qualificando, Paulo Freire passa a ser um componente, um construtor, um constituinte fundamental dessa qualificação e se isso acontecer certamente muito mais gente vai ler o Paulo Freire. Eu acho inclusive que esse ano do Centenário é uma oportunidade muito interessante para notar quantas pessoas estão mais interessados em ler o Paulo Freire, seus livros nunca venderam tanto, nunca tiveram tantas pessoas interessadas, e eu tenho esperança que a partir desse momento, dessa comemoração, Paulo Freire vai entrar mais significativamente para as novas gerações de pessoas na universidade, no ensino médio, entre professores e professores, entre educadores no sentido de contribuir. Como eu disse, não como pensamento único, ele nunca foi um intelectual de pensamento único, sempre foi pensando no coletivo, pensando em diálogo, pensando na suas coisas, mais sempre agregado a outros a outros pensadores de colaboração, sempre teve uma obra aberta uma obra escrita que sempre foi sequiosa de complementações, como ele mesmo dizia, para ele, as complementações da sua obra são muito importantes porque ele nunca pensou nem que conhecesse tudo, soubesse de tudo, nunca teve uma obra fechada, mas ao contrário uma obra que ele dizia que era inacabada, que precisava ser complementada justamente pelas práticas daqueles interessados em fazer da educação um dos sinais de mudança estrutural na sociedade. Não único, não a única alavanca, mas uma contribuição fundamental da educação enquanto mudança na estrutura social.

 

NORDESTE – por fim, que dizer do Governo que ignora o Centenário de um educador do tamanho de Freire?

Afonso Scocuglia – Em relação a Paulo Freire e o governo atual, seria muito estranho, a gente estranharia se o atual governo tivesse elogiando Paulo Freire. Desde a ditadura militar de 64, Paulo Freire foi perseguido, foi exilado, justamente por querer mudanças estruturais na sociedade brasileira, no sentido de cada vez mais inclusão, cada vez menos exclusão, cada vez mais igualdade, cada vez combatendo cada vez mais a desigualdade, pugnando pelas camadas menos favorecidas, as camadas populares e todas as suas ideias ou em sentido contrário da atualidade do governo atual. É mais ou menos esperado que atualmente ele fosse criticado, rechaçado, especialmente por quem nunca leu o Paulo Freire e nunca vai praticar as suas ideias. Isso aí não é novidade, ele não se coaduna com o autoritarismo, ele é defensor da Democracia, da Liberdade, da consciência crítica, do Diálogo, da empatia humana, da Solidariedade, do respeito à diversidade, todas essas ideias do Paulo Freire vem lá do século passado são incompatíveis com o momento atual, então seria meio estranho se a gente pensasse que atualmente ele seria elogiado etc. Importante nesse Centenário é ver a imensidão da obra do Paulo Freire, que isso é muito significativo. Ela é feita de momentos diferentes, ela tem uma projeção, como eu disse, que vai da sua entrada no SESI de Pernambuco como educador, em 1947, até o seu falecimento, em 1997, e ainda continua a ser colocada através de livros póstumos, que a sua viúva, segunda esposa, Ana Maria Freire, tem organizado, até hoje tem saído livros com coisas inéditas do Paulo Freire. Então se você olhar a produção do Paulo Freire, dezenas de livros, repito, dezenas de títulos de Doutor honoris causa pelas principais universidades do mundo, ele continua sendo estudado no mundo todo ele continua sendo respeitado cada vez mais, as 20 principais universidades do mundo nos rankings de pesquisa, estudam Paulo Freire e se você pegar, já foi feito um estudo nesse sentido das 20 principais universidades do mundo Todas têm grupos de estudo sobre o pensamento do Paulo Freire, então ele é um alguém de repercussão mundial, e o seu pensamento está, ele é um dos principais pensadores das ciências humanas, das Ciências Sociais, um dos mais citados, mais referenciados. A pedagogia do oprimido é uma obra que está entre as 100 obras mais lidas em língua inglesa do mundo, então ele é uma referência mundial e definitiva e o seu pensamento é um pensamento atual e futuro, e é isso que a gente tem que ver. Paulo Freire não tá parado no passado, Paulo Freire não tá parado em Angicos ou Pernambuco, Paulo Freire é um cidadão do mundo e é um educador do mundo todo, por isso é que ele precisa ver, como eu escrevo no meu último livro recém-lançado na editora da UEPB, “Paulo Freire 100 anos – Um educador do presente do futuro’, está  inclusive EM ebook disponível no site da editora da UEPB, é só localizar lá. Eu digo Paulo Freire, um educador do presente e do Futuro, claro que redigiu a sua obra no século 20, mas não ficou parado no século 20, não ficou parado nos anos 60, evoluiu muito, ele progrediu muito, e ele é respeitado no mundo justamente por essa progressão, por essa sequência, por essa obra de totalidade, nós precisamos cada vez mais entender a obra do Paulo Freire, que é uma obra complexa como uma obra de totalidade e não um momento específico, esse ou aquele do passado. Paulo Freire é alguém do hoje, de 2021 e do Século 21, isso é reconhecido pelo mundo todo, pela Unesco, pelos educadores que estudam Paulo Freire, pelos pesquisadores e é por isso que a sua obra cada vez mais lida, mais traduzida, mais referenciada, e é tida como uma das principais referências de todas as ciências humanas e Ciências Sociais, e das ciências da educação. Paulo Freire é bem maior do que as experiências feitas no Brasil no começo dos anos 60, ele ganhou dimensão mundial e repito ele é respeitado por essa totalidade, um Pensador da educação é muito atual e prospectivo.


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