Nordestinos em horário nobre

Quem assiste a novela das 9, está acostumado a ver o Leblon, com a riqueza, com aquele povo bonito do Rio de Janeiro, com aquelas mulheres das bundas maravilhosas, querem ver o limpo, o asseado, uma maquiagem do caralho na Luiza Brunet… mas aí começam a ver um povo todo colorido e suado. Tem uma quebra, ele estão presos a esses ícones”. A análise é do ator paraibano, Fernando Teixeira, que interpretou o Coronel Floriano na primeira fase da novela Velho Chico, da Rede Globo.

Ambientada em diferentes épocas, mas com foco nas comunidades ribeirinhas e na região mais seca do Nordeste, a novela de Benedito Ruy Barbosa e direção de Luiz Fernando Carvalho tem uma cara diferente e outro ritmo, se comparado a outras novelas que já passaram no horário nobre. O elenco, composto em sua maioria por nordestinos, tem muitos rostos novos e pouco conhecidos para a maioria dos telespectadores. Grandes estrelas como Rodrigo Santoro, Antonio Fagundes, Domingos Montagner e Camila Pitanga são acompanhados por veteranos menos conhecidos como os paraibanos José Dumont, Marcelia Cartaxo, Zezita Matos, Dadá Venceslau e o próprio Fernando Teixeira, os pernambucanos Tarciso Sá, Rogério Rangel, Normando Roberto Santos e Maciel Melo, o baiano Carlos Betão e o alagoano Chico de Assis. Além do pessoal mais experiente a trama conta com a participação de muitos rostos mais jovens, inclusive alguns que fazem sua estreia na televisão, como a cantora Lucy Alves, que faz um grande papel, a jovem Rayza Alcântara, pernambucana de 16 anos, e Marina Nery, modelo baiana de 21 anos que faz par com Rodrigo Santoro na primeira fase da novela.

O ator Fernando Teixeira conversou com a Revista NORDESTE e compartilhou como foi a sua primeira experiência de trabalhar em uma novela aos 73 anos de idade. “É um momento importante na carreira, pela vitrine. Naturalmente é muito bom você ter um reconhecimento maior do que o que você já tem. Para mim foi muito bom, nunca corri atrás (de novela), mas não minto que se me convidasse eu iria, mas nunca foi um desejo de correr atrás, até porque hoje estou com 73 anos não dá para correr atrás de nada (risos)”.

O paraibano trabalhou muitos anos no teatro, mas também já atuou para as câmeras em filmes para o cinema como Baixio das Bestas (2006) e no recente Aquarius (2016). Sobre fazer o papel para a televisão, Teixeira compartilhou que mesmo no ambiente mais profissional de trabalho, também acontecem deslizes. “Foi uma experiência muito importante e bom para ter o contato com a ponta do profissionalismo… se bem que não é tudo perfeito, tem coisas que você acha até que é amador, ‘meu deus, isso acontece aqui!’. Você ta trabalhando em uma produção e a pessoa diz assim, ‘o senhor fique esperando que eu vou ali pegar o carro’, e aí passam duas horas. ‘Eita eu esqueci, fui almoçar…’. Isso não é coisa profissional, é?”
A Revista NORDESTE conversou também com Dadá Venceslau, outro paraibano. 

Com uma experiência de 36 anos como artista de circo e palhaço, Dadá interpreta o Coronel Benedito, que leva o nome do autor. “Toda novela do Benedito Ruy Barbosa tem um personagem Benedito, e é justamente o meu personagem”, revela orgulhoso Venceslau.

Natural de Patos, no sertão paraibano, participar das gravações despertou muitas emoções para Venceslau. “Fui lá na infância. Eu nasci no sertão, e tinha lá perto da minha casa uma Usina de algodão, que era um armazém gigante, tal qual a novela mostrou. Então, me lembrou muito minha infância, me marcou muito. Minha primeira cena eu gravei dentro de um plantio de algodão, aí, toda hora eu tava dando um mergulho na minha própria vida, na minha própria história.”

Venceslau contou ainda, de forma muito contente, que ser chamado para atuar novela foi a maior surpresa de sua vida. “É uma coisa que eu nunca esperei e previ na minha vida. Eu que já pensei até em ir para o Japão, mas nunca pensei em fazer novela. Foi incrível, uma experiência ímpar, eu acho que nunca vai ter outra coisa igual”. A atriz paraibana Zezita Matos interpreta na novela a Piedade. Mãe dos irmãos Santo, personagem de Domingos Montagner, e Bento, interpretado por Irandhir Santos. Ela conta que quando recebeu o convite para atuar na novela, afirmaram que o seu papel seria “mãe de Irandhir”. Ela que já atuou com o ator pernambucano antes, e inclusive já foi mãe dele em outra oportunidade, arrumou sua agenda para poder participar da novela. A experiente atriz do teatro e do cinema, contou como foi a preparação do elenco antes de gravar. “Durante os meses de novembro e dezembro, nós fizemos oficinas, todos sem exceção, de improvisação, de prosódia, de dança, de exercícios físicos, palestras com sociólogos, tudo sobre a temática… então durante esses dois meses nós ficamos convivendo diariamente, todos juntos, sem nenhuma diferenciação… E hoje, a gente recebe mensagem dizendo que tem uma harmonia na família Piatã. E realmente, essa harmonia foi criada mesmo antes da gente ter o texto na mão”, compartilha.

Críticas a visão do nordeste na TV

Quando Fernando Teixeira afirma que Velho Chico “quebra” os ícones comuns de novelas do horário nobre, ele está contra-argumentando críticas e reclamações dos mais diversos detalhes em relação ao material dirigido por Fernando Carvalho. Conhecido por trabalhos diferenciados, como as miniséries “Hoje É Dia de Maria” e “Pedra do Reino”, e também pelo seu único filme dirigido para o cinema, “Lavoura Arcaica”, aclamado pela crítica, mas de pouco sucesso de público, Carvalho busca dar à novela um aspecto diferente e fugir da repetição. Ele já havia realizado isso na novela “Meu Pedacinho de Chão”, mostrando figurinos e cenários exagerados e coloridos, que podiam muito bem estar presentes em um conto de fadas. O visual diferente causou estranhamento do público em um primeiro momento, mas logo os telespectadores tomaram gosto e a trama é lembrada com carinho.
“O Luiz Fernando de Carvalho tem uma imagem singular, quando você vê na televisão, você sabe que é dele, em compensação, você não sabe qual é Denis Carvalho, qual é não sei quem… mas a do Fernando é muito incisiva”, define Teixeira.