POLÍTICA

Revista NORDESTE: Celso Amorim revela como Brasil supera postura “vira-lata” e já é nação de liderança global

Em entrevista Exclusiva à edição 197 da Revista NORDESTE, o chanceler Celso Amorim avalia construção da nova fase diplomática do Governo Lula superando preconceitos, mas atualizando bases da atual realidade Geopolítica global.

 

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Por Walter Santos

 

 

 

O Brasil convive com nova postura nas relações diplomáticas a gerar impacto e reações pelo significado de estar construindo diálogos na direção do mundo multipolar. Esta é a essência do que vem adotando em nome do presidente Lula no novo governo o chanceler Celso Amorim provocando reações de diversas naturezas mas com o País reconquistando seu protagonismo na cena global. Eis, a seguir, o resumo da Entrevista Exclusiva à Revista NORDESTE.

 

 

Revista NORDESTE – Em poucos meses de governo, o Brasil cria cenas de forte impacto na diplomacia global, mesmo com rescaldo americano de não querer aceitar os novos processos gerados pelo governo brasileiro no âmbito internacional . Na sua opinião, por que a elite e a mídia nacional insistem em reproduzir ameaças e/ou retaliações?

Celso Amorim – A elite e a mídia brasileira estão acostumadas com o Brasil como um papel secundário na realidade internacional. É o complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues. Mas eu acho que esse complexo não é casual.Ele tem a ver com uma um certo desejo mesmo de ter uma posição secundária, de evitar entrar em questões mais complexas, mas o Brasil pode não se interessar pelo mundo, o mundo vai se interessar pelo Brasil e vai nos afetar, como a guerra na Ucrânia está nos afetando em termos de custos,  disponibilidade de fertilizantes, atitudes outras na área econômica nos afetaram na época da pandemia, enfim.

 

NORDESTE – E então, como agir?

Celso Amorim – O Brasil está no mundo, então é preciso que o Brasil se disponha também influenciar no mundo de maneira a torná-lo, ajudar pelo menos, contribuir, para torná-lo mais amigável aos nossos interesses, mais justo e mais pacífico. É isso que a administração do presidente Lula tem procurado fazer de uma forma plural. O presidente brasileiro vai aos Estados Unidos, mas vai também à China, vai à Europa, parceiros tradicionais, e sobretudo reforça também as relações com a América Latina e com a América do Sul, sobretudo, vai haver uma conferência muito importante nos próximos dias.

 

NORDESTE – Na prática, o que isso representa?

Celso Amorim – Eu vejo que essa atuação é realmente uma atuação que convém ao Brasil  até porque o mundo mudou. Não adianta querer viver à sombra de uma única potência porque por exemplo as nossas exportações vão para China e nós estamos no continente que é amplamente sobre hegemonia norte-americana. Nós temos que procurar contrabalançar essas coisas para termos mais espaço para defender os nossos próprios interesses e também para contribuir para que problemas internacionais os nossos vizinhos e outros possam ser resolvidos.

Rio de Janeiro (RJ), 14/03/2023 – O embaixador e assessor especial da Presidência, Celso Amorim durante lançamento oficial do Climate Hub Rio, no Museu do Amanhã. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

NORDESTE – A realidade prova que, primeiro, o presidente Lula foi estar-se com o presidente Joe Biden, antes da viagem à China onde saiu com vários tratados e bilhões de dólares, enquanto com Biden não obteve absolutamente nada. Diante dos fatos, como conduzir políticas diplomáticas a arrefecer o mau humor americano?

Celso Amorim – Não vejo tanto assim mau humor americano em relação ao Brasil. Eu vejo, pelo contrário  uma atitude de diálogo. Eu tenho conversado sempre com a pessoa que é a minha contrapartida lá.  Obviamente a visita do presidente Lula ao presidente Biden foi muito bem sucedida até em relação ao fundo amazônico, que começou muito modesto,  inicialmente era muito modesta a contribuição norte-americana, houve um aumento substancial, nós apreciamos isso. Não é propriamente um favor porque é uma cooperação importante para um objetivo comum que é melhorar o planeta, mas só para dizer também temos mantido diálogo até sobre temas de segurança, sobre Venezuela, nem sempre concordamos, mas esse diálogo é muito importante. Eu não vejo o mau humor dos Estados Unidos com relação a nós. Não há mau humor, há respeito. É  natural que haja divergências entre dois países independentes.

 

NORDESTE  – Como o sr avalia e projeta o papel da ex-presidenta Dilma no comando do banco dos BRICS?

Celso Amorim – Nesse quadro todo internacional, a posição dos Brics é uma posição muito importante. Nós vemos hoje um esforço para recolocar o G7 no centro das discussões da economia mundial, contrariando uma tendência que o próprio presidente Bush reconheceu.Ele foi um dos criadores do G20 e depois o presidente Obama quando disse que o G20 era o principal foro para discussões internacionais era o grupo. Nós vemos hoje  uma tendência a tentar reviver o G7 no centro da economia, mas não é mais.

 

NORDESTE – Se não há mais hegemonia do G-7 como conviver com a nova conjuntura dos BRICS?

Celso Amorim – Hoje a economia dos Brics no seu conjunto, claro que grande parte é a China, mas também a Índia e o Brasil também, tem seu peso. A economia dos Brics em conjunto é maior do que a economia do G7. Então essa tentativa de voltar a uma governança global dos ‘Like Minds’, que seriam os desenvolvidos industrializados ocidentais, ela não funcionará, e eu acho que isso também gera muitos problemas.

 

NORDESTE – Certo, mas qual o papel da Dilma?

Celso Amorim – Dentro desse quadro, o fato da presidenta Dilma ser hoje a presidente do banco dos Brics é muito importante. A criação dos Brics remota ao período em que o Lula era presidente, mas especificamente o banco foi criado Inclusive durante a presidência da  presidente Dilma, a liderança dela na reunião no Brasil se eu não me engano em Fortaleza. Então, acho que tem uma expectativa muito forte inclusive o banco dos Brics poder ter uma função de banco de desenvolvimento quem sabe possa ter como estava previsto também mais tarde ser uma espécie de fundo de compensação,  do tipo FMI, para situações de crise mas, com outros critérios. Então é muito importante ter uma pessoa como a Dilma lá, não só para o Brasil, mas para uma percepção diferente da economia mundial e das trocas mundiais. Eu acho que isso é muito importante, inclusive para poder ajudar outros países da América Latina. Claro que isso vai exigir adaptações não é uma coisa que ocorre imediatamente, mas o papel é muito importante.

 

NORDESTE – De que forma, o governo brasileiro convive, trata e o que propõe para a América Latina?

Celso Amorim – O Brasil considera que a integração da América Latina e Caribe é muito importante, mas reconhece que para a América Latina e Caribe como um todo há limitações, ditadas até pela geopolítica, proximidade geográfica, dependência econômica de seus países em relação à economia americana. Mas se você for olhar a América do Sul não é tudo exato e varia um pouco de país para país, mas a nossa inserção no mundo é mais plural, ela envolve mais, no passado a União Europeia, Europa em geral, os Estados Unidos também claro, e também países outros, principalmente a China, hoje em dia. Então, nós temos que levar isso em conta em todas as nossas ações. Mas o mais importante é estarmos unidos. O nosso comércio com a América do Sul, sobretudo como o Mercosul, mas com a América do Sul em geral cresceu muito no período dos anos Lula, pelo menos que eu acompanhei mais de perto, continua crescendo nos anos seguintes, e tem possibilidade de voltar a crescer muito e isso nos dará força para atuar internacionalmente.

 

NORDESTE – Como negociar com as super potencias?

Celso Amorim  – Nós não temos que entrar nas negociações, seja com a União Europeia, os Estados Unidos, com a China em uma posição subalterna. Temos que entrar numa posição de igual para igual. Quanto mais unidos nós estivermos, além dos benefícios próprios, mais capazes seríamos de ter uma inserção internacional adequada.

NORDESTE – Em termos de projeção com a atual política diplomática, onde o Brasil pretende e quer chegar nestes quatro anos do presidente Lula?

Celso Amorim – É difícil resumir em poucas palavras tudo que o governo Lula pretende. Eu acho que hoje em dia um fato de grande importância é a centralidade do clima, isso não é apenas uma questão da Amazônia, mas envolve a Amazônia e envolve a sobrevivência do planeta, não só das populações locais, mas de que todos, então é muito importante que o Brasil esteja, como está sendo, atuante nesse terreno. O presidente Lula já chamou uma reunião do TCA (Tratado de Cooperação Amazônica), nós estamos em conversa com os nossos vizinhos, com a Colômbia que é muito interessada nesse processo, já tem uma oferta também de oferecimento da participação na COP 30,  o Brasil estará muito atuante nesse campo, o Brasil tem procurado também de uma maneira que não fazia na questões que diz respeito à paz mundial, e não é questão nenhuma megalomania nisso, os países africanos que são mais frágeis até do que o Brasil estão entrando nisso também.

 

NORDESTE – E a cultura de subserviência brasileira diante do mundo?

Celso Amorim –  Então é preciso que a gente se livre desse complexo de vira-lata, desses mal entendidos absurdos de dizer que o presidente Lula propôs o clube da paz sem checar. Não é isso, o Clube da Paz está se formando na realidade impulsionado entre outros pelas declarações e iniciativas do presidente Lula, quando ele me enviou à Rússia e depois à Ucrânia. Ele demonstrou de maneira muito concreta além das outras declarações, das conversas que teve, mostrou  de maneira muito concreta que nós estamos dispostos realmente buscar uma intermediação que nos permita ter um mundo mais pacífico, porque isso é importante para todos.

 

NORDESTE – Mas como resolver o conflito agravado?

Celso Amorim – Não podemos subestimar os riscos desse conflito. Eu disse antes que talvez até mais grave seja o outro que possa envolver Taiwan, e pôr em dúvida a integridade territorial da China, mas imediatamente esse conflito é muito  perigoso, obviamente já tem efeitos terríveis para as populações locais os deslocamentos, as vítimas, mas a chispa por uma outra guerra mais ampla pode dar qualquer momento ser acesa. Algum disparo que seja um pouquinho mais afoito pode provocar ações também de grande proporção, não quero nem mencionar o uso de armas nucleares porque isso seria uma coisa muito absurda e lamentável, mas nós não estamos livres. Então é preciso agir com muita cautela, o mesmo princípio que rege em grande medida as questões do meio ambiente, que é o princípio da precaução, deve também estar presente nas nossas considerações sobre a guerra. Condenar a invasão, tudo bem, mas buscar a solução que seja digamos aquela que não humilhe nenhum dos lados.

 

NORDESTE – O Brasil vai recuar?

Celso Amorim – Penso que a nossa política vai continuar trabalhando pela paz, temos que voltar a trabalhar pelo multilateralismo.

 

NORDESTE – Que situações difíceis a enfrentar?

Celso Amorim – É uma vergonha o que aconteceu com a Organização Mundial do Comércio, que está totalmente paralisada. Eu acho que os Estados Unidos tinham que, numa nova visão do mundo que parece às vezes aparecer,  lembrando conferência recente do assessor de segurança nacional Jake Sullivan,  que é preciso voltar a fortalecer a Organização Mundial do Comércio. É preciso entender que o mundo tá passando por mudanças, é necessário entender que a rivalidade com a China não pode ser levada a situações extremas, e é preciso entender também que nós não vamos resolver o problema do clima sem uma forte cooperação internacional, sem uma contribuição financeira efetiva dos países mais ricos, basta você olhar um filme antigo.

 

NORDESTE – Como alinhar os graves problemas de hoje com a realidade do século passado, inicialmente?

Celso Amorim – Eu estava olhando outro dia um filme dos anos 30 e uma locomotiva norte-americana, passando para você ver que grande parte da poluição no planeta já foi feita antes. Isso não quer dizer que nós não tenhamos responsabilidades, claro que temos, mas ela tem que ser adequadamente financiadas também.

 

NORDESTE – Os movimentos do governo brasileiro indicam posicionamento multipolar no Planeta. Por que o Brasil exercer soberania incomoda tanto aos EUA, sobretudo nestes novos tempos?

Celso Amorim – Naturalmente, todo o país que exerceu  hegemonia de forma quase absoluta durante os últimos, pelo menos desde o fim da Guerra Fria no aspecto político, no aspecto econômico, desde antes do fim da Guerra Fria, pode se dizer, se sentir incomodado quando essa hegemonia é objeto de um desafio. Vamos dizer, desafio não quer dizer que seja uma coisa contra, mas é objeto de uma de uma nova situação no mundo que é indiscutivelmente o crescimento da China.

 

NORDESTE – Neste novo processo, que leitura fazer do papel da China?

Celso Amorim – A China hoje tem uma economia que sobre certos critérios já é maior que a  norte-americana, sobre o critério do poder de compra, que é um critério que o FMI usa também e sobre o aspecto de  preços de mercado tá chegando perto. Tem uma capacidade de atuação devido à diferença de sistema muito maior, uma liberdade para usar parte da sua riqueza na política internacional que os Estados Unidos não tem. Os Estados Unidos só têm liberdade. O governo norte-americano só tem maior liberdade para usando-a para fins militares, mas para fim civis sabemos que é limitado.

 

NORDESTE – Como tratar essa conjuntura sensível?

Celso Amorim – Então é natural que isso provoca o incômodo de que deixa o país mais nervoso em relação a mudanças no mundo, a atitudes de uma hora Independência de fato comparando o que ocorre hoje com que ocorria há 20 anos atrás,  apesar de uma maior afinidade do governo Biden  com o governo Lula, há uma preocupação muito grande com relação à rivalidade com a China, obviamente isso se tornou mais complexo ainda em função da guerra da Ucrânia, obviamente a Rússia cometeu um erro e uma ilegalidade do ponto de vista internacional, ao invadir, mas também há causas profundas disso tudo que tem que ser examinadas, entre elas a expansão da Otan, levanta dúvidas na Rússia sobre a sua própria segurança.

NORDESTE – A guerra tem motivações antigas não assumidas?

Celso Amorim – Não quero entrar aqui no mérito disso, seria muito complexo, mas esse é um problema antigo e muitos analistas americanos, como George Kennan, que foi o autor da teoria da contenção no início da Guerra Fria, ele já apontava para isso e quando houve o começo de expansão da Otan, ele era vivo ainda, ele  advertiu para os riscos da estabilidade que ele é correria de uma expansão do Otan. Naquela época ele estava pensando na expansão para os chamados antigos satélites, os países do Leste Europeu, não eram pros países que compunham a própria União Soviética, é uma situação hoje de tensão no mundo, isso se mistura também com a complexa satisfação de Taiwan. É um paradoxo porque nós todos aceitamos, a Comunidade Internacional aceita que Taiwan é parte integrante da China, mas há uma atitude que parece conduz num outro sentido e isso é um problema que terá que ser resolvido a médio prazo. Talvez até seja um problema mais grave, mais do que hoje a Ucrânia embora

NORDESTE – Fica também evidente que há incômodo acentuado do capitalismo ocidental puxado pelos EUA com o surgimento de novo processo de comércio com outra moeda, que não o dólar, nas negociações. Qual sua projeção neste sentido de agora em diante?

Celso Amorim – Há um certo nervosismo também com a perda da hegemonia do dólar, é relativa, começou com a própria criação do Euro, e hoje em dia com o uso da moeda chinesa, yuan, inclusive por países que eram tradicionais aliados dos Estados Unidos como a Arábia Saudita, até o Brasil também já tem reservas em yuan. É normal que haja esse nervosismo, mas é uma transição que vai ocorrer. Curiosamente existem correntes de pensamento nos Estados Unidos que acham também que seria melhor não ter tudo dependente do dólar, que daria talvez mais liberdade para a política monetária deles.

 

NORDESTE – Qual o futuro à vista diante dessa realidade?

Celso Amorim – É uma discussão complexa, mas de qualquer maneira há uma transição no mundo. Esperamos que seja para o mundo mais multipolar e não exclusivamente bipolar em um conflito entre Rússia e  China. Para isso é preciso também que haja uma maior independência da Europa que procuraria também alianças naturais com a América Latina e com a África.

 

NORDESTE – Enfim, qual a leitura do papel da Europa nessa conjuntura?

Celso Amorim – Infelizmente, nesse contexto da Guerra da Ucrânia, a gente percebe que a posição da Europa por várias razões, inclusive da experiência histórica, fica muito presa à posição de Washington. Nós vemos com preocupação essa expansão da Otan, não só na Europa, mas como países Associados. A última reunião portanto teve convidados de muitos países e eu acho que isso é algo preocupante.


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