PARAÍBA

Revista NORDESTE destaca beatificação da menina Benigna Cardoso, que se transforma em símbolo de resistência ao feminicídio e violência sexual

A edição de nº 184 da Revista NORDESTE apresenta como matéria de capa reportagem especial sobre o processo de beatificação da jovem Benigna Cardoso da Silva, natural do Ceará, que foi autorizada pelo Vaticano.

A devoção a Benigna começou pouco depois de seu assassinato brutal. Ela morreu em 1941, aos 13 anos de idade, depois de ter recusado as investidas de um rapaz de 17 anos que tentou violentá-la, e passou a ser considerada mártir pela Igreja, se tornando símbolo da resistência contra o feminicídio e a violência sexual.

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Leia abaixo a matéria de capa na íntegra:

Beata Benigna Cardoso, do Ceará
O martírio do assédio sexual transformado em beatificação

Jovem cearense, morta em 1941 a golpes de facão, será a primeira cearense beatificada pela Igreja Católica. No Nordeste, a irmã Dulce, apelidada de “o anjo bom da Bahia”, foi a primeira nordestina beatificada pela Igreja Católica em 2011 e, na última cerimônia pública de canonização ocorrida antes da pandemia de Covid-19, em outubro de 2019, foi oficialmente tornada santa pelo papa Francisco

Por Luciana Leão

“A fé move montanhas”, diz o apóstolo Matheus no versículo 17:20, na Biblia Sagrada. Em outras palavras, traduz para todos e todas que essa fé está no interior de qualquer ser humano, uma força espiritual capaz de transcender obstáculos, independente de religiões, crenças.

Nessa “simbologia”, no Catolicismo, homens e mulheres por meio de suas abnegações tornaram-se mártires, por causas justas ou mesmo injustas, aos olhos de Deus, e recebem a honraria da Congregação para a Causa dos Santos, após terem seus processos analisados criteriosamente pela Igreja Católica, por meio de sua santidade, o Papa Francisco.

Assim foi a trajetória da então jovem Benigna Cardoso, de Santana do Cariri, no Sul do Ceará, chamada pelos seus fiéis seguidores de “heroína da castidade”, e com apenas 13 anos foi brutalmente assassinada por um jovem de mesma idade, com golpes de facão. Segundo relatos e estudos, a então jovem o repudiou sexualmente, fato ocorrido no dia 24 de outubro de 1941.

Benigna será a primeira beata cearense e sua celebração ocorre no mesmo dia em que foi martirizada: 24 de outubro de 1941. A data deveria ser em 2019, mas por conta pandemia da Covid-19, foi adiada pelo Vaticano. A celebração solene será presidida pelo cardeal Marcello Semararo, prefeito da Congregação para a Causas dos Santos, na Praça da Catedral de Nossa Senhora da Penha, em Crato.

Devoção e caridade

Orfã de pai e mãe, Benigna Cardoso da Silva, foi criada no sítio Oitis, na zona rural em Santana do Cariri, pela família em que seus pais trabalhavam. Lá recebeu sua instrução cristã, católica e fez a catequese para sua Primeira Eucaristia.

“Na época, ela recebeu uma pequena bíblia com relatos da sagrada escritura, que ela meditava e ensinava para as outras crianças da sua comunidade. Na devoção a nosso senhor ela tinha o costume de rezar diariamente o santo terço e ia à missa aos domingos. Era uma menina muito devota, muito caridosa para com as pessoas mais simples sobretudo por que ela morava com duas idosas, quando foi martirizada e cuidava dessas dessas idosas, nas coisas do dia a dia de casa” descreve, com exclusividade à Revista Nordeste, o padre Wesley Barros, sacerdote da Diocese de Crato e coordenador da Celebração de Beatificação de Benigna.

A menina Benigna também tinha uma relação muito próxima com a natureza, com os animais e sofria muito ao presenciar os agricultores do sítio onde morava, “fazer algum tipo de agressão, por exemplo, quando os agricultores levavam fardos pesados sobre os animais. Sua sensibilidade era muito grande. Seu cuidado com a natureza pode ser transmitido quando levava sempre flores à Igreja, que cultivava no quintal de sua casa”, diz o sacerdote.

Reprodução: Revista NORDESTE

O processo para beatificação

Segundo o padre Wesley Barros, o primeiro passo importante para a abertura de uma causa de fé é a fama de santidade que a pessoa goza no meio do povo de Deus, dos seus conterrâneos, das pessoas que conviveram com esta pessoa.

“É realizado um estudo da vida daquela pessoa, digamos postular uma causa de beatificação de Benigna Cardoso da Silva, em virtude da fé, da caridade, da esperança. Acolhemos sua história e, a partir de 2010, a Diocese de Crato deu início oficialmente a coleta de informações, de testemunhos e recebemos a autorização de Roma para dar continuidade ao processo de beatificação em março de 2013 e o mesmo foi concluído em outubro de 2013”, relata.

Um processo diocesano de beatificação consiste na formalização de todos testemunhos a respeito da vida da pessoa. O sacerdote explica que um a um, desses testemunhos, vêm a um tribunal composto por padres, leigos, notários. “É uma documentação muito bem elaborada e esses relatos foram entregues a Roma em outubro de 2013. Até 2019, foram os anos de estudos em Roma a respeito dos testemunhos da vida de Benigna e da história do seu martírio. O Papa Francisco reconheceu o martírio de Benigna e mandou que fosse publicado o decreto de reconhecimento do martírio. É uma fase de muito trabalho, o de provar o martírio. Isso é o grande diferencial. Não é um assassinato qualquer”, reforça o coordenador da Celebração de Beatificação de Benigna.

A causa

O martírio de Benigna reconhecido pela Igreja Católica justifica-se pelas virtudes que a vida de Benigna representou frente aos ensinamentos cristãos. Benigna foi vítima de assédio sexual, aos 13 anos.

“A causa que a fez morrer foi de não ceder às intenções de um jovem que estudava com ela, que a desejava e queria namorá-la. Ela dizia que não queria, porque não queria casar, porque queria viver para Deus. Ela fez uma opção de vida, viver para Deus. Não queria matrimônio, não queria casamento. Então quando esse assédio se tornou uma coisa intensa ao nível da violência, que ela então resiste e foge, o agressor alcança e e saca de de uma arma, um objeto cortante, um facão e aí ele ele faz alguns golpes muito profundos que resultaram imediatamente na sua morte, no seu martírio”.

Então, continua o sacerdote “a igreja não faz o santo. A igreja identifica a santidade na vida da pessoa. A santidade, como disse, nas virtudes, naquilo que é possível colher da história de vida da pessoa antes do martírio. O martírio é o ponto alto em que a pessoa opta por viver aquelas virtudes que ela já manifestava na vida até o ponto de oferecer a vida para não manchar a escolha feita, para não renegar digamos, assim as virtudes que já estava vivendo: Fé, esperança e caridade. E aí no âmbito da fé se situa a sua recusa. Por um matrimônio, por uma vida sexual como falava para algumas de suas colegas, algumas delas estão vivas”.

O clamor e a fé dos fiéis

Desde seu martírio, o túmulo da beata Benigna recebe milhares de pessoas da região, que chegam em romaria, carregando velas, flores. Diz o sacerdote Wesley que, mesmo antes, de sua “fama de santidade e devoção”, as pessoas pediam a intercessão dela nas horas difíceis, para as questões pessoais, de saúde e alcançaram graças e levavam para o túmulo, ou também para lugar próximo do martírio, os sinais de graças alcançadas, objetos que deixaram flores, ex-votos.

“São três locais visitados. O local exato do martírio, onde ela foi encontrada. É um pouco de difícil acesso, então os fiéis construíram um cruzeiro mais próximo do local e, ao longo de 60 anos e seu túmulo, no cemitério. Então foram sessenta anos de silenciosa e ininterrupta devoção, veneração tanto no local do martírio quanto nesse cruzeiro que foi construído próximo do local do martírio como também no próprio túmulo de Benigna, onde ela foi sepultada”.

Reprodução: Revista NORDESTE

Um forte ambiente religioso

Todo o entorno da região do Cariri, no Sul do estado do Ceará, carrega consigo um forte sentimento de devoção e fé. A Diocese de Crato é marcada por uma afluência muito grande de romeiros que vêm de toda parte do País. Romarias que chegam em memória do padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro do Norte.
“É uma região já marcada pela Piedade, pela devoção. Aí, ao lado disso, uma adolescente que morre de modo muito cruel depois de conhecidos as suas virtudes, então, outro elemento, o sofrimento naturalmente toca de maneira muito profunda o coração de todo mundo, particularmente o povo nordestino que já é um povo marcado, provado pelo sofrimento de várias formas”.

O milagre e a canonização

Já provada suas virtudes e sua beatificação os próximos passos serão dar ciência aos milagres acometidos pela devoção e fé à Benigna. Para isso, o sacerdote Wesley Barros reforça a importância do poder comprobatório das graças obtidas.

“Como eu disse, não é a igreja que faz o santo, mas a igreja estuda a santidade que está ali presente na vida da pessoa. Então a partir disso inicia-se o processo de beatificação quando existem matérias concretas que provam a santidade de vida de alguém”.

A beatificação vai autorizar o culto, à veneração pública e a partir do dia 24 de outubro, quando acontecer a celebração solene da beatificação, a imagem vai poder ser colocada dentro da igreja, diante dos fiéis. A relíquia, um fragmento dos ossos de Benigna poderá ser exposta para que os fiéis possam ver e rezar diante dela, ou seja a liberação por parte da igreja para que os fiéis venerem livremente, façam romarias, orações, rezem a missa própria no ambiente do país, onde viveu aquela pessoa.

Já a canonização exige necessariamente um milagre que tenha acontecido depois da beatificação. O que aconteceu até a beatificação não conta mais, segundo explica o sacerdote da Diocese de Crato.
“Agora, os testemunhos serão orientados a enviar as graças alcançadas à paróquia de Santana do Cariri, para a sede da diocese. Uma nova comissão será criada tal como foi criada uma comissão para beatificação, para o processo de canonização que pode se comprovada sua santidade, ser venerada em todo o mundo. Então, é preciso um milagre ou o primeiro milagre. Esse milagre é estudado por um junta médica local, depois pela Junta do Vaticano composto por médicos católicos e não católicos. Sobre essa questão do milagre é importante dizer que não pode ser qualquer coisa, estava com uma dor de cabeça e fez uma promessa e passou a dor de cabeça, não é isso. É algo grave, profundo que a ciência não explica. Não havendo essa explicação científica para essa recuperação, para essa cura que foi obtida por esta pessoa. Então, a Igreja conclui o processo do ponto de vista que foi a fé”.

Para Wesley Barros e todos os membros que compuseram o processo de beatificação de Benigna, o reconhecimento pelo Vaticano é um sinal de Deus.

“Escolhe os pequeninos, os pobres, os humildes, aqueles que são insignificantes diante do mundo, mas que possuem uma significância profunda que nasce da sua relação com ele, com Deus. Então é a humildade, é o amor, a fé de alguém que viveu intensamente a sua relação com que é agora para toda a igreja como um modelo, modelo de humildade, modelo de amor a Deus, de amor aos irmãos, modelo para um mundo profundamente marcado por tanta guerras, tantas agressões, tanta polarização, tanta intolerância, quantas expressões negativas marcam, por exemplo as relações humanas hoje da sociedade pós-moderna e nós encontramos numa menina humilde, simples uma pureza de coração que a faz olhar para o céu e imediatamente olhar para os irmãos e ao seu redor e oferecer uma uma vida capaz de marcar as outras pessoas, uma vida capaz de cuidar, uma vida capaz de ser referência para as pessoas no âmbito da humildade, do amor fraterno, no âmbito da fé”, concluiu.

 

 


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