BRASIL

Revista NORDESTE: Dona Marisa, mulher brasileira

A ex-primeira dama do Brasil, mulher do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, morreu aos 66 anos. Sua morte fez o país lembrar sua trajetória de vida, de quem precisou trabalhar já com 9 anos e mais tarde ajudou a fundar o PT e a eleger Lula presidente. Petistas garantem que no Planalto, foi mais do que uma dama, foi um braço direito

Por Pedro Callado

“O céu ganhou a estrela que iluminou minha vida”

Marisa Letícia, ex-primeira dama do Brasil e esposa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, morreu no dia 3 de fevereiro de 2017 no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, após ter sido internada uma semana antes por ter sofrido um Acidente Vascular Cerebral hemorrágico (AVC). Lula comunicou através das redes sociais, ainda no dia 2, que a família estava autorizando a doação de órgãos. A morte encefálica da ex-primeira-dama só foi declarada pelo hospital no dia seguinte. Depois de muitos comunicados informando sobre protocolos e preparativos, Lula deixou sua mensagem para a esposa: “Minha galega, agora o céu ganhou a estrela que iluminou minha vida.”

A morte de Marisa Letícia repercutiu no meio político. O ex-presidente Lula recebeu visitas de políticos aliados e oposicionistas, a exemplo dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Dilma Rousseff, e de políticos de vários partidos políticos. Dilma afirmou que Marisa foi uma "mulher de fibra, batalhadora que conquistou espaço e teve importante papel político. Marisa foi o esteio de sua família, a base para que Lula pudesse se dedicar de corpo e alma à luta pela construção de um outro Brasil". Quem também prestou solidariedade foi o atual presidente Michel Temer, a quem Lula se colocou à disposição para ajudar.

O velório ocorreu em 4 de fevereiro na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Na primeira hora o velório foi fechado para a família e amigos mais próximos, depois foi aberto para o público por mais de cinco horas. Amigos, parentes, correligionários e uma multidão de 20 mil pessoas, segundo o sindicato, prestaram homenagens a Marisa Letícia. Durante o culto ecumênico Lula fez um discurso emocionado: "Marisa morreu triste por causa da canalhice, a leviandade e a maldade que fizeram com ela… Eu tenho 71 anos, não sei quando Deus me levará, acho que vou viver muito, porque eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandade com a Marisa tenham, um dia, a humildade de pedir desculpas a ela". O corpo foi cremado no cemitério Jardim da Colina após o velório.

Infância

Nascida em 7 de abril de 1950, em São Bernardo, descendente de italianos, Marisa foi a penúltima filha da família. Sua mãe, Regina Rocco, teve quinze filhos, mas três morreram no parto. A família morou em um sítio até por volta de 1955. Os irmãos estavam procurando emprego e a família toda foi morar no bairro Assunção, em uma residência grande, porém com água de poço.
A então futura primeira-dama do Brasil começou a trabalhar aos nove anos tomando conta dos filhos de um dentista. Aos 13 anos, tirou uma carteira de trabalho especial para menores de idade para trabalhar em uma fábrica de chocolates, embalando bombons. Ficou na empresa por oito anos. Ela se descreveu como a mais rebelde das irmãs, mas disse que o pai, Antônio João Casa, restringia muito as saídas a eventos sociais. Engajamento também era proibido: o pai não deixava falar de política em casa.

Casamento

De acordo com relatos de Marisa, Lula agiu de forma determinada para conquistá-la, sendo ela recém viúva.

Mais tarde, Lula explicaria a Marisa que, sendo ele também um jovem viúvo, estava à espera de uma 'viúva novinha' para formar um novo par.

O primeiro casamento de Marisa durou apenas seis meses. O motorista Marcos Cláudio da Silva, com quem ela se casou aos 19 anos, havia sido morto a tiros durante um assalto quando ela estava grávida. Ela então conheceu Lula devido a uma burocracia que precisava cumprir para receber a pensão. Ele trabalhava no serviço de assistência social do sindicato, onde ela precisou ir para pegar um carimbo para recolher o benefício. Malandramente, ele inventou etapas a mais como desculpa para ficar em contato da jovem. "Nunca precisou tanta cerimônia para receber uma pensão que eu já tinha há três anos", declarou ela, anos depois. O namoro durou sete meses e o casamento, 42 anos e oito meses. Tiveram o primeiro filho juntos nove meses após o casamento. Em 1975, Lula ganhou a eleição para a presidência do sindicato. Anos depois, ele adotou o primeiro filho de Marisa Letícia, Marcos Cláudio Lula da Silva. Ao longo do casamento ainda tiveram mais dois filhos.

Perto da política, longe dos holofotes

Em 2016 Marisa Letícia virou ré em duas ações na Operação Lava Jato. Mas, diferente do marido, privou-se de fazer comentários públicos. A defesa nega que ela tenha cometido ilegalidades.

Apesar da reserva, não deixou de participar da vida política do ex-presidente ou de fazer a militância própria, inclusive durante a ditadura militar. Quando Lula e outros líderes metalúrgicos estavam presos, em 1980, Marisa transferiu a sede do sindicato, que estava interditado, à sala de sua casa e ajudou a organizar passeatas de mães e filhos de metalúrgicos.

Também em 1980, Marisa cortou e costurou a primeira bandeira do PT, para ser exibida na fundação do partido. Ela conta: “Tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte, guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca e ficou lindo. Minha casa era o centro. Foi assim que começou o PT”. Em seu ativismo, a mulher do ex-presidente foi pioneira ao reivindicar, junto com outras esposas de metalúrgicos, a presença de mulheres nas chapas dos sindicatos do ABC.

Admitiu que chegou a ter medo da repressão, mas disse não ter se acanhado. "Aquilo tudo foi deixando um sentimento de revolta em mim. E para mudar, alguém tinha que enfrentar aquela situação", afirmou durante rara entrevista em 2002. Na mesma ocasião, Marisa Letícia confessou ter duvidado que o marido chegaria a ser presidente. O descrença foi motivada por sua primeira visita a Brasília, em 1980, quando Lula foi julgado no Superior Tribunal Militar. "Vamos parar com tudo isso", disse a ele, durante visita guiada por bairros nobres. "Esses caras não vão deixar você chegar ao poder nunca", concluiu. Mas mudou de opinião em 2002, ela citou o clima político da época e o descontentamento do povo como um dos motivos para isso. Marisa também afirmou que a personalidade do líder petista contribuiu para sua mudança de atitude: "O Lula quando quer uma coisa, consegue".

Dona Marisa foi babá, empregada, ajudou Lula a fundar o PT, foi primeira-dama do Brasil e um exemplo de mulher brasileira. Apesar das críticas que possam ser feitas ao PT, não há como negar: ela lutou pelo que acreditava e imprimiu suas mãos na obra.

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