BRASIL

Revista NORDESTE entrevista vocalista da banda Cidadão Instigado

Formado em 1996 o Cidadão Instigado chega aos seus 20 anos no auge. Originada em Fortaleza, a banda encabeçada por Fernando Catatau atravessou duas décadas de muito experimentalismo, humor e claro, rock, e chegou até 2016 com o vigor e originalidade de sempre. Tendo se desenvolvido parte de sua carreira em São Paulo, revistou sua cidade natal em álbum denso, recheado de críticas e saudades, o Fortaleza, lançado em 2015, e que recebeu o prêmio Multishow de melhor álbum do ano, deixando claro que os anos só fizeram bem à banda.

Passando pelo psicodélico, progressivo, metal até o brega, o Cidadão Instigado cresceu discretamente no cenário musical independente brasileiro. Com o tempo, conquistou público fiel, cativado pelo sotaque carregado e letras ao mesmo tempo bem humoradas e cheias de existencialismo e experiências pessoais do vocalista e guitarrista Fernando Catatau e pelo som único e arranjos bem trabalhados de Regis Damasceno (guitarra), Clayton Martin (bateria), Rian Batista (baixo) e Dustan Gallas (teclado).

Catatau, além do Cidadão, frequentemente trabalha com outros artistas, ora como produtor, como nos álbuns Avante, do Siba, Lê Lê Lê, do Arnaldo Antunes, ora contribuindo com suas habilidades na guitarra em parcerias com Otto, Céu, Karina Buhr e Nação Zumbi, reforçando a coletividade e integração da música independente brasileira.

Entre um show e outro da turnê do disco Fortaleza, o vocalista Fernando Catatau concedeu à NORDESTE uma entrevista e revelou as influências da banda, suas experiências pessoais e sua visão do cenário político atual no país. 

REVISTA NORDESTE: Gostaria que você falasse um pouco sobre as influências da banda, tanto na parte das letras, que são muito marcantes, quanto do estilo.
Fernando Catatau:
Cara, sobre as letras geralmente eu escrevo as minhas experiências de vida, é o meu jeito que eu penso e escrevo minhas experiências pessoais. Minha parada é bem essa. Desde o começo, quando comecei a compor músicas para o Cidadão, em 94, eu decidi fazer uma história muito pessoal. Nada melhor do que falar de suas próprias histórias, e foi assim que eu comecei. E eu gosto de escrever, de ficar procurando o jeito certo de conseguir me expressar, porque às vezes falando é muito mais difícil, e se você parar, pensar, aí… também gosto de letristas de músicas e literatura, sempre gostei muito do Renato Russo, que é um cara que me influenciou muito, tanto nas ideias… Eu peguei a Legião bem no começo mesmo, quando eu era adolescente. Marcou a mim e a minha geração bastante.

NORDESTE: E para o ritmo e estilo de tocar, a melodia?
Catatau
: Das influências que mais me marcaram na vida foi o rock. Quando eu tinha 13 anos eu escutava Pink Floyd, Black Sabbath. Essas bandas me marcaram desde essa época. Só que eu gosto de muito sons; gosto de rock, de raggae, não sou fechado, cada época da sua vida você vive uma experiência.

NORDESTE: E daqui do Nordeste? Uma vez vocês tocaram com o Fagner…
Catatau
: É, o Fagner é uma influência grande também, Raul, Zé Ramalho, tem muita gente das antigas que eu curto também.

NORDESTE: Esse álbum está mais ‘pesado’. Foi algo que foi fluindo ou foi intencional?
Catatau: Foi intencional. Na realidade o foco sempre foi fazer rock, era uma busca nossa. Só que a gente passa por vários cantos que a gente vai experimentando… e chega uma hora que a gente quer ir para outro canto. Esse disco eu queria fazer algo bem rock, com umas partes mais pesadas. A gravação, o jeito de tocar… então demorou para a gente chegar em como ele ficou. Porque poderia ter saído uma sequência do Uhuuu (álbum de 2009), que era o que estava saindo bem no começo. Aí eu disse “não, vamos mudar e pensar realmente em virar a página”, porque senão a gente fica se repetindo.

NORDESTE: Como é a parte da composição da banda em geral?
Catatau: Eu chego com a canção em si, a letra e a canção em voz e violão. Aí vamos colocando, chegam umas ideias de arranjo e nos juntamos… mas eu geralmente já chego com a música já esquematizada, o esqueleto dela, começo e fim. Depois vamos ‘viajando’… esses arranjos do “Fortaleza” demoraram pra caramba, porque fomos mudando o processo. A gente já toca junto há muitos anos, então vai fluindo.

NORDESTE: O Fortaleza ganhou o prêmio Multishow. Como vocês se sentiram com isso?
Catatau
: O prêmio foi legal não só pelo reconhecimento da nossa banda, mas de que existe um cenário independente. Porque geralmente a galera que só escuta rádio e vê televisão acredita que só existe aquele mundo ali, e não, existe um mercado muito forte na cena independente e muitas bandas legais e ninguém está precisando se vender ao mercado para poder continuar os trampos. É uma galera bem firme. Então eu diria que foi um prêmio inclusive para a galera do independente, todo mundo nunca quis saber dessas paradas, desses prêmios grandes, porque a gente sabe que é um mundo de fantasia. Se recebeu o prêmio sem ter gravadora, sem ter jabá, sem ter nada disso, é algo grande para a gente, como reconhecimento de que a gente existe, de que a gente é firme e de que tivemos um disco decente. Tirando dinheiro do bolso, ainda mais.

NORDESTE: Você produziu álbuns de outros artistas independentes como o Siba. Como você vê o cenário musical nordestino atualmente?
Catatau: É muito forte. O Nordeste sempre teve bandas muito fortes e eu acho ótimo porque eu faço parte desse circuito e consigo me conectar com todo mundo, muita gente é amiga.

NORDESTE: Por que “Cidadão Instigado”?
Catatau: Quando eu montei a banda era exatamente a ideia de estar a procura de algo, instigado para encontrar algo na vida, aquela coisa de querer alcançar seus objetivos.

NORDESTE: Nesse álbum tem a música Fortaleza, que você fala da sua ida a São Paulo. Você pode falar da sua experiência lá?
Catatau: A primeira vez que fui para São Paulo foi em 94. Morei um ano e pouco lá e depois morei um ano no Rio. E foi por causa dessa ida que eu comecei a compor as músicas do Cidadão. Eu era solitário, tinha poucos amigos e era uma busca incessante, eu queria achar um caminho na minha vida. Era algo muito pessoal. É algo muito do ser humano. Todo mundo quer achar um caminho legal para o que você acredita. Eu voltei para Fortaleza em 96, montei a banda, em 2001 voltei para São Paulo e a galera da banda foi depois. E agora eu voltei para Fortaleza e estou com minhas raízes. Não quero mais saber de São Paulo, não quero mais saber de busca pessoal, estou atrás de outras coisas agora, atrás de viver de boa, viver bem.

NORDESTE: Veio daí o álbum Fortaleza?
Catatau: Não, o Fortaleza veio antes, eu voltei agora. O álbum ficamos seis anos fazendo. E a minha volta foi uma procura de me encontrar com minhas raízes, de botar o pé no chão, de sentir o cheiro do mar de novo, essas coisas. Mas é só uma nova fase de vida.

NORDESTE: Esse álbum agora tem umas músicas mais políticas. Na música Fortaleza, por exemplo, você faz crítica ao governo e expressa indignação a uma marginalização de Fortaleza. Como você vê o atual cenário político no país?
Catatau: Acho que estamos vivendo no país e no mundo inteiro momentos históricos. Aqui no Brasil a gente sempre foi muito calado. Chegou uma época que a juventude, principalmente, está com outra visão, outro discurso. Porque uma coisa muito importante nesse contexto é saber dialogar, saber conversar para chegar em um consenso. Essa galera que está aí, esses do tipo Cunha, Temer, que são pessoas que a gente sabe que age de outra forma, que não está nem aí para as pessoas, para o povo. Essa galera sempre dominou, essa galera das antigas, com um pensamento de coronel… O pensamento deles ficou para trás. São várias coisas que eles ficam segurando no cabresto para ver se eles conseguem se segurar até onde der. É um caminho novo, por isso está rolando muito conflito. Porque depois de muito tempo a galera está começando a gritar e os gritos estão se batendo uns com os outros porque são pensamentos diferentes. Diferente de você pensar no outro. Tipo o cara que está na favela e você querer que ele saia daquilo, e saber que todo mundo podia ter grana sem precisar roubar, nem nada. A gente sabe disso, se fosse dividido igual. Só que a galera que tem grana mesmo não quer isso. Porque tem preconceito, por vários motivos. São momentos históricos e a gente tem que passar por isso, porque temos que chegar a algum lugar. Eu acho que no futuro, talvez um pouco mais distante, vai ter mudança. Eu acredito. Talvez não seja agora, mas eu acho ótimo estar acontecendo essas coisas. Teve a votação do impeachment, com todos aqueles pilantras lá e o país inteiro viu. Não acharam nada contra a Dilma e colocaram um pilantra na presidência. E é isso. As coisas aparecem e as pessoas vão vendo quem é quem. O lance é ficar calado ou não. Acho que você tem que se expressar e hoje em dia, com a internet e com tudo, ficou um pouco mais fácil. Não fica todo mundo só assistindo a Globo.

NORDESTE: No álbum tem duas músicas com passagens em inglês, Green Card e Land of Light. Green Card é o visto que um cidadão estrangeiro tem que ter para morar nos Estados Unidos. Você teve alguma experiência com isso ou alguém que você conhece? De onde veio a inspiração para essas músicas?
Catatau: O sonho de muitas pessoas e dos governantes principalmente é de transformar Fortaleza em uma Miami pessoal. Sempre foi, desde os anos 80. Eu via a cidade sendo destruída, porque nasci em 71. Eu vi muita transformação. Uma cidade que era quase toda de casas e depois os prédios e palmeiras subindo. O sonho de muitos dessa galera é ter o ‘green card’, de ir para os Estados Unidos, uma galera que paga pau mesmo para os States. Que tem suas coisas legais, e tem suas coisinhas ‘paias’, como em todos os cantos. (A letra) É também uma ironia com a galera. Land of Light, chamam Fortaleza de A Terra da Luz, e eu dou uma outra abordagem.

NORDESTE: Algum novo projeto seu ou da banda?
Catatau: Ah, eu estou compondo, mas a gente não sabe quando a gente vai… estou com o Fernando Catatau Instrumental que é minha banda instrumental que eu pretendo gravar. A gente também comemora 20 anos de Cidadão e a partir do próximo semestre a gente vai fazer shows de comemoração, pegando desde as demos até agora e sairão 4 LP’s da gente, de uma vez só.
 

 

 

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