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Revista NORDESTE: Estudo inédito com uso de IA aponta perda de 99% de plantas na Caatinga até 2060

Caatinga em PERIGO

A DURA REALIDADE A EXIGIR SUPERAÇÃO

 

Estudo inédito com uso de IA aponta perda de 99% de plantas na Caatinga até 2060. Pesquisa utilizou um banco de dados de 400 mil registros verificados de ocorrência, com modelos de nicho ecológico via algoritmos matemáticos mais tradicionais e também por meio da IA

 

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Por Luciana Leão

 

A Inteligência Artificial (IA) aliada às Ciências Aplicadas e Pesquisas resultou em um estudo inédito sobre três mil espécies de plantas originárias da Caatinga que correm risco de serem extintas, a partir das mudanças climáticas e o processo de degradação em curso no bioma exclusivamente brasileiro.

 

Para chegar as primeiras conclusões, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de Viçosa (UFV), Instituto Federal Goiano (IFGoiano) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) construíram um banco de dados com 400 mil registros verificados de ocorrência, com modelos de nicho ecológico via algoritmos matemáticos mais tradicionais e também por meio da IA.

 

“Com esse banco de dados, aplicamos modelos de nicho ecológico para saber como as plantas da Caatinga responderão às mudanças climáticas em diferentes cenários no futuro” explicou à Revista Nordeste, o professor Mário Moura, do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade (PPGBio) do Centro de Ciências Agrárias (CCA), um dos pesquisadores da equipe.

 

O estudo envolveu o uso de seis algoritmos diferentes. Esse tipo de abordagem, segundo Mário Moura, permite obter um resultado consensual entre os cenários testados. Ou seja, é possível entender as regiões onde todos os modelos apresentam respostas similares e onde as diferenças foram mais marcantes.

“Quando essas projeções são agregadas para todas as espécies, é possível avaliar como as mudanças climáticas poderão afetar a riqueza (quantidade de espécies), composição (os tipos de espécies), e estrutura (as combinações de espécies com diferentes formas de crescimento) das comunidades de plantas”, disse.

 

Essas análises foram feitas em um software de programação e estatística, tradicionalmente utilizado em pesquisas com bioinformática, sob o nome de software “R” e também o nome da linguagem de programação adotada dentro desse software.

 

“É normal em ciência de dados utilizar linguagem de programação em R ou Python (duas linguagens populares hoje em dia)”, explica o cientista.

 

 

Perda de espécies

 

Os resultados da pesquisa indicaram que 99% das comunidades de plantas da Caatinga experimentarão perda de espécies até 2060, com uma simplificação da composição de espécies em 40% da região, isso em um cenário otimista.

 

Esse ambiente “otimista” só ocorrerá se houver conscientização da humanidade e surgimento de novas tecnologias para redução da poluição, emissão de gases de efeito estufa, dentre outros.

 

A perda dessas plantas, acrescenta o pesquisador, vai acontecer especialmente em áreas montanhosas ao sul da Chapada Diamantina e noroeste do Planalto de Ibiapaba, na divisa de Piauí e Ceará, além da Chapada do Araripe, na divisa entre Ceará, Pernambuco e Piauí.

 

Outra constatação é que as espécies arbóreas e de distribuição restrita serão as mais afetadas.

 

“Em 40% da Caatinga, teremos menor variedade na composição de espécies. Essa simplificação das comunidades é conhecida como homogeneização biótica”, constata.

 

“No geral, espécies arbóreas e raras serão substituídas por espécies não-arbóreas e generalistas, ou seja, capazes de ocorrer em várias regiões do bioma. Esse tipo de mudança na estrutura da vegetação pode causar uma diminuição de serviços ecossistêmicos, como sequestro de carbono (decorrente da fotossíntese, que tira CO2 da atmosfera e libera O2 no lugar) produção de biomassa vegetal e armazenamento de carbono, seja para o crescimento de troncos, folhas, raízes”, projeta o professor Mário Moura.

 

Como consequência imediata, prevê o estudo, a diminuição da quantidade de árvores reduzirá o volume desses serviços ecossistêmicos, o que retroalimentará ainda mais a crise climática.
De acordo com Mário Moura, tanto em um cenário otimista quanto em um pessimista a respeito das mudanças climáticas, a projeção é que haja muitas perdas de espécies de plantas da Caatinga até 2100.

 

“Nossas projeções indicam que, para o ano de 2100, teremos 45 espécies de plantas extintas em um cenário otimista e 258 espécies extintas em um cenário pessimista”, disse o pesquisador.

 

Segundo o IBGE, a Caatinga ocupa hoje no Brasil uma área de 862.818 km², que significa 9,9% do território nacional. As projeções da pesquisa mostram, ainda, que existem localidades na Caatinga onde podem deixar de nascer até 600 espécies de plantas que hoje existem nas áreas, considerando um cenário otimista. No cenário pessimista, esses locais podem perder mais de mil espécies.

 


Base pelo IPCC

Esses cenários são estabelecidos pelo IPCC, que é a sigla em inglês para Intergovernmental Panel on Climate Change. Em português, Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima.
O IPCC, órgão científico intergovernamental estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) realiza relatórios a cada alguns anos, para orientar tomadores de decisão sobre os rumos do planeta, e as tendências, chamados de “caminhos socioeconômicos compartilhados”, que descrevem em detalhes como a exploração de combustíveis fósseis, e o crescimento populacional humano podem interagir e afetar o clima do planeta.

 

 

Projeções

 

Na avaliação dos pesquisadores, por ser a região da Caatinga um local árido e quente, com recursos hídricos mais limitados, as projeções do IPCC apontam que o clima na região, em geral, ficará mais quente e seco.

 

“Sem dúvida, isso provavelmente forçará as espécies de plantas a viverem fora dos limites de suas tolerâncias fisiológicas.Com as espécies vivendo em condições inadequadas para a sobrevivência delas, elas começam a desaparecer em diferentes locais ao longo do bioma Caatinga”.

 

 

Urgência de ações

 

Para os pesquisadores ouvidos pela reportagem da Revista Nordeste é preciso que ocorra mais aceleração nas políticas de conservação e manejo florestal.

 

“Ações mitigadoras que envolvam os níveis municipal, estadual, e federal. É preciso também envolver as comunidades locais, seus territórios e partes interessadas que dependem de recursos da Caatinga para garantir o sucesso dessas iniciativas”, reforça.

 

Moura vai além e propõe iniciativas como recuperar áreas críticas, melhorar a conectividade da vegetação via estabelecimento de novas áreas protegidas. “São exemplos de atitudes que ajudam a promover a resiliência da Caatinga, o que em última instância contribui para a conservação da biodiversidade nela existente”.

Publicação

 

O estudo foi publicado em uma publicação especializada, o Journal of Ecology, renomado periódico internacional que publica pesquisas de ponta em ecologia vegetal.

 

A pesquisa passou por avaliação de outros cientistas até ser publicada. Neste momento, existem outras pesquisas em andamento, envolvendo o impacto de mudanças climáticas sobre a fauna da Caatinga, espécies de mamíferos e répteis.

 

Na Univerdidade Federal da Paraíba (UFPB) também integra o grupo de pesquisadores o professor Bráulio Almeida Santos, do Departamento de Sistemática e Ecologia do Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Atuam ainda no projeto os pesquisadores Fellipe Nascimento (UFPE) e Daniel de Paiva Silva (IFGoiano).

 

A pesquisa explorou dois cenários, sendo um pessimista e um otimista, no qual foram avaliadas 19 características ambientais, entre elas temperatura média anual, precipitação total anual, métricas computadas somente para estação chuvosa, estação seca, e métricas que informem a variação da temperatura e precipitação ao longo do ano.

 

Os cenários (otimista e pessimista) foram computados para os anos de 2050 e 2100 e, para cada computação, foram adotados 6 tipos diferentes de algoritmos estatísticos e de inteligência artificial para realização das projeções.

 

Assim, além de todo o robusto levantamento e as projeções sobre o futuro das plantas da caatinga frente às mudanças climáticas, e os mapas para cada previsão, a pesquisa gerou mais um produto, dessa vez na área da informática. Os códigos e algoritmos programados para o trabalho foram disponibilizados para download no repositório digital Zenodo, que possibilitará acesso aberto para pesquisadores de todo o mundo.

 

A pesquisa foi desenvolvida entre 2019 e 2022 no âmbito do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade (PPGBio), do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFPB, e o Departamento de Sistemática e Ecologia do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN). Teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da própria UFPB.


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