BRASIL

Revista NORDESTE: Geração Nem, Nem, Nem

“Geração nem, nem, nem”

Educação e trabalho comprometem o futuro da juventude no Brasil e no Nordeste

Por Marcos Formiga

Desde a crise econômica iniciada em 2008, o protagonismo da juventude tornou-se mais visível e audível pelos protestos públicos contra a globalização e seus efeitos, em particular, nos países desenvolvidos pela perda de emprego e diminuição de oportunidade para prosseguir os estudos.*

*Contexto sociopolítico, 1993-2016

O Brasil, após duas décadas perdidas em termos de crescimento (1980-1990), iniciava o novo Milênio com boas perspectivas advindas dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Ambos, contribuíram para o restabelecimento da estabilidade econômica, fortalecimento do poder aquisitivo do Real e controle da duradoura inflação, restituindo o respeito aos contratos e salários. Este esforço progrediu desde a segunda metade da década de 90, seguido e complementado pelo governo Lula, ao centrar foco na questão social pela inclusão e correção dos gritantes desequilíbrios regionais e desigualdade interpessoais de renda. Um intenso programa de ações afirmativas no campo social casava-se, com perfeição, ao cenário econômico promissor recém construído.

Externamente, o mundo assistia o dinâmico crescimento da China alavancando, também, os países em desenvolvimento ofertantes de commodities; dentre eles, o Brasil. E pela primeira vez na História, atores secundários do cenário internacional despontavam com força emergente, bem ilustrada pela sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), cujos somatórios das populações atingia cerca de 40% da população mundial, e as economias se equiparavam aos PIBs (Produto Interno Bruto) individuais, dos Estado Unidos e da União Europeia. Os efeitos da crise mundial pós 2008 atingem os países emergentes um pouco depois. No Brasil, a primeira década do Século XXI, lembra o período de afirmação, entre 1930 e 1980, (crescimento do PIB apenas superado pelo Japão): evolução de sociedade rural para uma industrial e urbanizada. Os efeitos benéficos da primeira década deste Século, de certa forma, entorpeceram os movimentos sociais: taxas razoáveis de crescimento anual, altas taxas de emprego, inflação controlada, e forte política de inclusão social passavam a falsa ideia de que, finalmente, havíamos atingido o propagado slogan do início da década de 1940 – “Brasil, país do futuro”, difundido mundialmente pela inspiradora obra do renomado escritor austríaco Stefan Zweig.

“Saiam do sofá e lutem pelo seu futuro! Uma juventude adormecida só é benéfica para aqueles que querem decidir o futuro dos outros… é muito triste passar pela vida sem deixar uma marca, ninguém veio ao mundo para vegetar. O mundo atual não precisa de jovens-sofá, mas, sim, de jovens calçados com botas que caminhem por estradas nunca sonhadas” – Papa Francisco, Mensagem à juventude, jul/2016

Os efeitos da Crise Econômica internacional passaram incólumes na eleição presidencial de 2010. Tanto assim que, pela terceira vez o estamento político dominante assegurou seu capital político. Apesar do início da internalização dos sinais da crise econômica global, estes, ainda não seriam suficientes para resgatá-lo. Deste modo, a situação socioeconômica aparente, mesmo após os abalos  e protestos sociais de 2013, asseguraria, com dificuldade, a reeleição da presidente Dilma, e uma quarta vitória presidencial consecutiva.

O ano de 2013 representou o ponto de mutação de uma pax social ou de “lua de mel” entre o governo e a maioria dos governados. A negativa do então governo em “ouvir as vozes da rua” mostrou-se rápida e superficial. Em realidade, as manifestações, acertadamente, exigiam a medidas concretas para aplacar os anseios e demonstrações explicitas de insatisfação. Em particular, das classes média e menos favorecidas que desfrutaram, ao longo de uma década, de maior poder aquisitivo e acesso ao consumo.

As manifestações populares em junho de 2013 turvaram-se por atos de violência e destruição do patrimônio público e privado e se caracterizaram pelo despreparo das forças de segurança em coibi-las. Tal paroxismo levou a uma interpretação divergente dos atores sociais. O setor público acenou com uma reforma política, jamais realizada, para responder aos manifestantes; a grande imprensa atribuiu a causa principal à piora dos indicadores econômicos. Todavia, os atores principais das manifestações apontaram para uma terceira direção: possivelmente, como analisou Albert Hirschmann, as razões são múltiplas e conhecidas, vinculadas às necessidades básicas de Direitos Humanos e Cidadania, como: qualidade geral dos serviços públicos, sobretudo, a mobilidade urbana e a frustração com a escalada da violência em todo País que supera em fatalidades países em guerra ou revoluções.

O ano de 2013 provou que a população já não se contentava com a tradicional equação: pão (assistencialismo oficial) e circo (futebol, carnaval e estádios bilionários). O povo buscava alternativas para fortalecer as conquistas e direitos: acesso a serviços públicos de qualidade e o fim da corrupção e impunidade.

A causa comum foi identificada; entretanto, permaneciam ausentes a pauta comum e as responsabilidades dos atores políticos e sociais. O País possui recursos humanos, naturais, financeiros e tecnológicos; cabe às lideranças a vontade política, a organização e a energia da ação para realizá-la.

A cobrança pela inação governamental diante da crise trazia de volta velhos fantasmas: alguns permanentes, outros de passado recente: inflação, aumento do déficit fiscal (gasto do governo superior à arrecadação), desemprego em alta e desaceleração gradual de programas sociais – vitrine do então governo. A reeleição, em outubro de 2014, revelou alto custo social e clima político desfavorável agravando o quadro econômico. Promessas de campanha foram deixadas de lado.

A austeridade, irmã gêmea do liberalismo econômico voltou com força total. O Congresso já não obedecia às lideranças políticas. Atores quase desconhecidos pautaram a rebeldia das bancadas; a oposição que até então exigia austeridade, foi a primeira a liberar a “pauta bomba”, ou seja, aumento das despesas. O governo prometia austeridade e o Parlamento respondia o contrário. Presenciamos a evolução, e o desenlace da crise política que alimenta a crise econômica, com o transcurso do processo de impeachment.
Até o momento, mesmo aproximando-se o desfecho do impeachment presidencial, permanece a indecisão em um quadro político-econômico preocupante, o que sugere agravamento da crise social.
 

“Geração nem, nem, nem”


Países que compõem a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, composta por 34 países – Brasil não é membro, mas, desde 2007, participa como observador – bem como da União Europeia, que reúne 27 nações, já convivem há algum tempo com o fenômeno de desemprego, principalmente entre os jovens, e falta de oportunidades destes em prosseguir os estudos. Acentuando-se pela crise de 2008, o problema mostrou-se mais forte no Sul da Europa, predominantemente, região mediterrânea como Grécia, Itália, Espanha e Portugal.

Organismos multilaterais, estudiosos e pesquisadores das relações formação-trabalho já utilizam a expressão “ni ni” para identificar jovens espanhóis e franceses que não estudam nem trabalham. Pesquisas da OCDE utilizam a sigla em Inglês NEET (Neither Emloyed, nor in Education and Training) para jovens que não trabalham, não estudam, nem estão em treinamento (estágio, capacitação ou curso profissionalizante). O quantitativo de jovens nesta categoria na Europa pós-crise 2008, atingiu em média, 20%, ou seja 1 em cada 5, de 15 a 29 anos. Se o fenômeno não é recente a crise o agravou, relacionando-o, diretamente, ao protagonismo da juventude contra a globalização e as políticas de austeridade aviadas pela Troika: União Europeia (EU), Bando Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).

No Brasil, como fenômeno geral, o IBGE e o IPEA estão atentos ao problema e suas nuances, mas, aqui, surgem características típicas ou agravantes. Vide a concentração no gênero feminino com números que atingem 70% do total. A Academia, a partir dos Censos de 2000 e 2010 e da pesquisa anual PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), classificam e quantificam esses jovens sob a expressão “nem nem”. A mídia, a partir das evidências, divulga a ordem de grandeza, mas, o(s) governo(s) e a sociedade não enfrentam o problema em toda sua dimensão e gravidade. Constata-se o indesejável fato na inexistência de políticas públicas explícitas para atenuar e reverter esta nefasta tendência crescente.

Ao trazer o tema da “geração nem, nem, nem” deve-se reconhecer o avanço teórico de estudos referenciais que iluminam a questão e contribuem para provocar a ação, não efetivada, dos responsáveis pelas políticas públicas de educação e trabalho visando solucionar, ao menos minorar, este grave quadro social.

Não será objetivo deste artigo revisar a literatura ou propor uma nova metodologia à compreensão do fenômeno, porém, avivar a situação brasileira em busca de soluções. Na medida do possível, buscaremos analisá-lo à luz da realidade nordestina, pois o portfolio de pesquisas demonstra nos indicadores sociais da Região a magnificação de seus indesejáveis efeitos e consequências. Por uma tendência recente e adequada preferimos acrescentar mais um “nem” à expressão. Este terceiro “nem” tem a ver com os jovens que não procuram emprego.

No Brasil, o perfil etário da “geração nem, nem, nem”, diferentemente da europeia que abrange a população predominantemente em idade universitária (15 aos 29 anos), reduz-se, com realismo, para a faixa de 15 aos 25 anos.

Dentre inúmeros estudos consultados citamos o do Profº Adalberto Cardoso, pesquisador do IESP/UERJ. De forma convincente, o mesmo afirma ser “a geração nem nem” um fenômeno estrutural “que atinge homens e mulheres jovens há muito tempo, portanto, devemos falar de gerações sucessivas de “nem nem” tendo-se agravado depois de 2008”. O autor propõe um modelo de explicação a partir de uma hipótese central ao investigar “a condição nem nem é fruto tanto de escolhas e trajetórias individuais, quanto de contexto nos quais as pessoas tomam suas decisões sobre as quais têm pouca ou nenhuma capacidade de intervir diretamente, e que, por isso funcionam como condicionantes mais gerais de suas oportunidades de vida”. Tais assertivas confirmam que os contextos familiares e municipais se mostram determinantes à formação das taxas “nem nem” de exclusão.

Ressalte-se na pesquisa do Profº Cardoso a importância da Região geográfica na formação da geração “nem, nem”. Ao incluir a variável Região como tentativa de controle das diferenças geográficas, constatou que o Norte e NORDESTE apresentaram as maiores taxas “nem nem” de exclusão, enquanto a Região Sul as menores.
O que ocorre no Brasil?
A tabela a seguir demonstra a grandeza numérica do problema no País. 

*Brasil: Proporção de jovens homens e mulheres (18-25 anos) da geração “nem, nem, nem”

Ano  Homens (%) Mulheres (%) Total (%) Número Absoluto
2000  11,5 30,4  20,9 5.514.606
2010  13,1  26,0 19,5 5.328.799

Em 2015, estima-se em 20,3% a proporção de jovens brasileiros (15 a 25 anos) que não trabalhava, estudava nem procurava trabalho (1 em cada 5). 44,8% deles são filhos de famílias com renda de 1 a 4 salários mínimos. O perfil educacional desta “geração nem, nem, nem” é de baixa escolaridade em comparação aos demais jovens. Fontes atuais indicam, em números absolutos, um total de 7,3 milhões de jovens sem estudar, trabalhar, ou buscar emprego.

Em adição a tal fato desolador, constata-se a visão, não menos aterradora, que estes jovens, em entrevistas, apresentam da Educação, em especial da Escola que conhecem e frequentaram: decepção com a aprendizagem da precaríssima rede pública de nível médio. Consideram a escola enfadonha e não encontram sentido em frequentá-la pois creem que não os ajudarão a chegar ao mercado de trabalho. 

Mesmo que a baixa escolaridade desses jovens justifique a ausência da escola, em certa medida, tais declarações sugerem coerência em não frequentarem uma escola que nada agrega, onde inexiste um padrão mínimo de disciplina na sala de aula. Paradoxalmente, “fazem, estimulam bagunça”, mas, reclamam da “bagunça” que produzem. Esta desilusão ou impaciência com a escola, de certa forma influencia a pouca demanda pelos cursos técnicos oferecidos pelo PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Em 2014, o Brasil tinha 8,31 milhões de matrículas no ensino médio e apenas 1,44 milhão em cursos técnicos. Comparativamente, a Alemanha tem relação inversa. Pesquisa FGV para o SENAI nacional comprovou o desinteresse de jovens em seguir um curso técnico mesmo de qualidade reconhecida (tanto na rede pública federal quanto no sistema S). Na realidade, tais argumentos dos jovens ociosos, podem ser refutados ao constatar-se que alunos de cursos técnicos concluintes do sistema Senai obtêm empregabilidade superior a 90%.

Soma-se a este panorama pessimista do jovem sem perspectiva a falta, ou insuficiência crônica, de políticas públicas para os efeitos da “Transição Demográfica” – período atual do País com baixa natalidade pela queda da fecundidade, e também, pela diminuição do número absoluto de jovens na pirâmide populacional. À “Transição Demográfica”, associa-se o “Bônus Demográfico“ caracterizado por uma população em idade produtiva que supera o número de dependentes (crianças e idosos). Estudos recentes demonstram que este fenômeno demográfico inédito, com duração prevista até 2020, está se exaurindo. Deste modo, o Brasil marcha, célere, para antes de superar “a armadilha da renda média – renda per capital anual em torno de US$12.000” –, continuar pobre, entretanto, agravado por uma população envelhecida ou idosa. A melhor forma de aproveitar o bônus demográfico seria mudar radicalmente nosso ineficiente e desqualificado sistema educacional. Lamentavelmente, tal realidade não apresenta sinais de melhora.

Uma leitura-síntese sobre a Pesquisa Nacional de Domicílios Continua (1º trimestre de 2016)

A PNAD-Contínua realizada pelo IBGE tem por objetivo principal traçar o perfil das populações: em idade de trabalhar, na força de trabalho, ocupada, desocupada e fora da força de trabalho, considerando sexo, idade e nível de instrução. Constam deste estudo, a análise referente ao nível de ocupação e taxa de desocupação. Os conceitos, nomenclatura e definições seguem recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho – Genebra/2013):

Dados da pesquisa IBGE-PNAD-Contínua

Para o Brasil, no primeiro trimestre de 2016, o IBGE-PNAD-Contínua estimou o nível de ocupação em 54,7%.

Regionalmente, os melhores desempenhos são:
- Sul 59,8%
- Centro-Oeste 58,6%
- A Região NORDESTE, com 49,0%, apresentou o menor nível de ocupação.

No período, a Taxa de desocupação, no Brasil, foi estimada em 10,9%, com expansão em todas regiões:
- Norte de 8,7% para 10,5%
- NORDESTE de 9,6% para 12,8% (novamente, mais crítica)
- Sudeste de 8% para 11,4%
- Sul de 5,1% para 7,4%
- Centro-Oeste de 7,3% para 9,7%

A Taxa de desocupação dos jovens de 18 a 24 anos (inclui a “geração nem, nem, nem”) foi 24,1 % e continuou a superar o estimado para a Taxa média total. Este comportamento foi verificado tanto para o Brasil quanto para todas as 5 Grandes Regiões, oscilando entre 17,2% no Sul (menor) e 27,4% no NORDESTE (maior).

A População ocupada no mesmo período foi estimada em 90,6 milhões, assim decomposta: 67,9% de empregados; 4,1% de empregadores; 25,6% de trabalhadores por conta própria; e 2,4% de trabalhadores familiares auxiliares.

Destaque-se que, nas Regiões Norte (33,6%) e NORDESTE (31,9%), o percentual de trabalhadores por conta própria era superior às demais. Nota-se que 78,1% dos empregados do setor privado tinham carteira de trabalho assinada, e novamente, o NORDESTE (63,1%) e Norte (63,5%) apresentaram as menores estimativas do indicador.

Para a PARAÍBA, o IBGE aponta para a faixa etária superior a 14 anos, a partir da análise de três trimestres: jan/fev/mar/2015; out/nov/dez/2015; e jan/fev/mar/2016 – este, foco da pesquisa - as seguintes tendências: estabilidade na taxa de ocupação e quedas no Nível de ocupação e na Taxa de participação na força de trabalho. Situação mais crítica entre os 9 Estados da Região NORDESTE, acompanhado de perto por Sergipe.

 

Conceitos e definições:


Pessoas em idade de trabalhar:
14 anos ou mais na data de referência da pesquisa.


Condição de ocupação:
pessoas em idade de trabalhar classificadas como ocupadas ou desocupadas.


Pessoas desocupadas (extrato de interesse deste artigo): aquele(a)s sem trabalho, que na semana de referência da pesquisa tentaram consegui-lo; considera-se também, as desocupadas na semana de referência, e não buscaram trabalho até 30 dias anteriores porque tinham perspectiva de trabalho após a semana da pesquisa.


Condição em relação a força de trabalho:
classifica as pessoas como integrantes, ou fora, da força de trabalho.


Pessoas na força de trabalho:
aquele(a)s ocupado(a)s e desocupadas no período considerado.


Pessoas fora da força de trabalho:
aquele(a)s nem ocupado(a)s nem desocupado(a)s na semana de referência.


A partir destes conceitos calcula-se a Taxa de participação da força de trabalho, Nível de ocupação, Taxa de ocupação, Nível de desocupação, Taxa de desocupação, e Rendimento Médio Real Habitual e Massa de Rendimento Habitual das pessoas ocupadas em todos os Trabalhos. 



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