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Revista NORDESTE: Minas da Braskem em Maceió, um desastre anunciado de longa permanência e de efeitos sociais ainda de dimensão desconhecida

Em entrevista à Revista NORDESTE,  especialista prevê futuro incerto para os impactos ambientais, econômicos e sociais causados pela extração de sal-gema dentro do território urbano da capital alagoana

 

Por Luciana Leão

 

Ao romper parte da mina 18, da petroquímica Braskem, na laguna do Mundaú, em Maceió, capital alagoana, no dia 10 de dezembro as incertezas quanto aos riscos de novos colapsos voltam a causar insegurança e ganham dimensões para além de um desastre tecno-industrial, causado pela extração de sal-gema em 35 minas, executados pela Braskem, desde os idos de 1970.

 

Apesar de a Defesa Civil de Alagoas informar que não há risco iminente de ocorrer novos colapsos, entretanto, do ponto de vista geológico, o risco é real, na avaliação do pesquisador de Ciência e Tecnologia pelo Governo Federal Neison Freire, com doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco e pós doutor em Desastres pela Universidade de Buenos Aires.

 

Ele aponta vários impactos já em curso ocasionados pela tragédia anunciada a partir de estudos da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

 

“São 35 minas. Uma colapsou. Restam 34. Elas colapsarão? Todas? Algumas? Quando? Como será o impacto? Então, essa incerteza, ela impacta toda a sociedade, toda cidade, em graus variados”, assinala.

 

Ele observa que os impactos para a cidade de Maceió, principalmente, em áreas como o turismo estão sendo atingidos, assim como o artesanato do Pontal, local próximo onde as minas estão localizadas, sem falar aqueles pescadores que sobrevivem da pesca na laguna do Mundaú.

 

“Quanto mais próximo ao local dessas minas, maior é o impacto. Tanto na parte alta da cidade, para a classe média, que já foram as primeiras realocadas, como as populações mais pobres da parte baixa, próxima à Laguna, que estão sofrendo”.

O meio ambiente e a população

Freire traz à tona um outro aspecto sobre o desastre das minas de sal-gema: desmistificar o desastre ambiental.

 

“Na minha opinião, não é um desastre ambiental. Na verdade, o meio ambiente não tem nada a ver com isso. O meio ambiente é, antes de tudo, uma vítima. O desastre é tecno-industrial, porque ele foi provocado por um aparato tecno-industrial construído pelo homem. A natureza está apenas se acomodando, reagindo a isso. E com isso, enormes impactos socioambientais foram e estão sendo causados”.

 

Como especialista, ele exemplifica as diferenças  entre desastres tecno-industrial e os naturais. No caso das minas de sal-gema da Braskem,  era uma tragédia anunciada, porém sem data definida. “Os tempos geológicos não são o tempo de um desastre natural,  como uma inundação, uma seca. Nesse caso, é de longa permanência”.

 

Por ter essa característica de incerteza, quanto aos possíveis problemas geológicos a incorrerem, outros aspectos,  segundo Neison Freire, ainda não foram totalmente mapeados.

 

“Você não precisa estar próximo ao local do rompimento, como a gente viu, para ser atingido por ele. Então, vários setores da economia foram atingidos na cidade. Então o futuro é incerto. De fato, a gente não sabe como essa região vai ficar e quando essas minas vão colapsar, novamente”.

 

 

 

Sobre as cavernas submersas

 

 

Freire explica que as cavernas que foram formadas com a extração do sal-gema, segundo o relatório do Serviço Geológico do Brasil, elas estão subindo para a superfície.

“São dois movimentos que ocorrem nessas cavernas, com a extração desse sal. Um primeiro é o solapamento das paredes entre as cavernas. Então as cavernas se uniram, se tornaram maiores. O segundo movimento é a queda do teto das cavernas. Então se a gente imaginar, está caindo um teto, e as paredes laterais também, então esse vazio, essa caverna, ela está subindo. À medida que ela sobe, essa crosta vai ficando mais delgada, mais fina. E é aí que está o perigo do dolinamento. Ou seja, a queda do teto de uma caverna, formando uma dolina. Foi o que aconteceu. A gente não vê porque está dentro d’água”, afirma o especialista.

 

Mudanças no ecossistema

Muitos outros aspectos ainda precisam ser elucidados e estão sendo estudados pela Universidade Federal de Alagoas. Entre os quais, a questão de um possível aumento da salinidade e da condutividade elétrica na água da laguna do Mundaú.

 

“Tal fenômeno pode impactar profundamente todos os ecossistemas dessa laguna que já é bastante impactada pelo esgotamento, por outros desastres não anunciados. Fruto do nosso pouco planejamento urbano e também das condições de infraestrutura da cidade que cresce e não cuida do seu meio ambiente”.

 

Neison Freire acrescenta que é um cenário bastante complexo. Ele lembra que a proximidade do período das chuvas, pode agravar e intensificar o desastre. “Com a carga pluviométrica maior, o risco de solapamento é bem maior. Então, é um quadro bastante preocupante”.

 

Possível Premeditação

O último aspecto a salientar, segundo Freire, é a relação nexo causal entre a atividade de mineração e o desastre, o colapso das minas, fartamente documentado pelo relatório de 2019 do Serviço Geológico do Brasil.

 

“Podemos falar de um crime ambiental. Principalmente porque havia de certa forma uma possível premeditação por parte da empresa há 40 anos atrás, porque já eram conhecidos casos como esse em outras partes do mundo, para esse mesmo tipo de atividade, só que não em áreas urbanas”, acrescenta.

 

Então, continua Freire, “acredito que o grande erro aí foi a autorização de mineração numa área urbana. Isso jamais poderia ter sido autorizado. No meu entendimento há sim uma possível premeditação”. Na literatura, casos como esse de mineração de sal-gema ocorreram em outros lugares, na Ásia, por exemplo.

 

A vulnerabilidade social

“Como a gente percebe, tanto nos desastres naturais como tecno-industriais, há um claro recorte da vulnerabilidade social. São os mais pobres, de fato, os mais desassistidos, os mais impactados, os que não têm resiliência, e são os mais atingidos, na minha opinião. A classe média, os remediados e os ricos, eles têm sua condição de adaptabilidade, seu amortecedor social, financeiro, as pessoas mais pobres não têm”,  conclui.


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