BRASIL

“Será humilhação se Brasil aceitar indicação de embaixador israelense”

A relação diplomática entre Brasil e Israel anda estremecida nos últimos meses com a indicação, feita pelo governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Natanyahu, de Dani Dayan para o cargo de embaixador do país em Brasília. Dayan foi presidente do Conselho Yesha, organização que trabalha em prol dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, considerados ilegais pela comunidade internacional, e segue sendo um nome importante no movimento pró-assentamentos em terras palestinas.

Até o momento, o Brasil não respondeu à indicação israelense, o que, em linguagem diplomática, significa uma recusa. Assim, para apoiar a posição brasileira, 41 diplomatas aposentados divulgaram, nesta quinta-feira (07/01), uma carta na qual consideram ser "inaceitável" a forma como a indicação de Dani Dayan ocorreu. Consultado sobre a carta, o Itamaraty disse que não comenta o assunto e que se trata de uma decisão autônoma dos diplomatas aposentados.

Em entrevista a Opera Mundi, o embaixador aposentado Jorio Dauster, porta-voz do grupo, ressaltou que a decisão dos diplomatas de se pronunciarem publicamente sobre o assunto não tem a ver com qualquer apoio ao governo da presidente Dilma Rousseff e sim com a “defesa do Estado brasileiro”. Ele acrescenta que, no caso de o “Brasil ceder [à posição de Israel], nós acreditamos que ele seria humilhado e é a isso que somos contra: a humilhação”.

Após ressaltar que, somados, os signatários da carta têm cerca de 1.700 anos de experiência com diplomacia, Douster, que foi embaixador do Brasil na União Europeia entre 1991 e 1999, esclarece que a indicação de Dayan viola a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas. Isso porque “o artigo IV estabelece que um país, se quiser acreditar alguém como embaixador em outro, tem que pedir concordância anteriormente”. No caso em questão, tal procedimento não foi realizado e o Brasil tomou conhecimento da indicação por meio de um post no Twitter de Netanyahu, o que o grupo considera ser “inaceitável”.

O segundo motivo para a oposição à indicação de Dayan, aponta Douster, é que isso “obviamente não foi feito por acaso. O premiê estava querendo criar um fato consumado porque o nome que ele estava indicando é de um homem que foi presidente do Conselho de Assentamentos na Cisjordânia. Oras, esses assentamentos são considerados pela ONU como sendo ilegais. Assim, o fato de mandar como embaixador uma pessoa que estaria contra o voto do Brasil nas Nações Unidas não é uma designação que poderia ser simpática ao governo brasileiro”.

Questionado se tal posicionamento poderia sinalizar uma pressão por parte de Israel para que o Brasil reconheça os assentamentos — tal como observado por alguns analistas internacionais —, Douster avalia que “em diplomacia não existe nada automático". “O voto do Brasil na ONU é o que regula a posição do país”.

Confira a entrevista:

OM: Por que os senhores resolveram se pronunciar em apoio ao governo brasileiro e contra a nomeação de Dani Dayan como embaixador de Israel no Brasil?

Jorio Dauster: O motivo principal é que temos pelo menos 1.700 anos de experiência diplomática acumulada e temos conhecimento de que o Artigo IV da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas estabelece que um país, se quiser acreditar alguém como embaixador em outro, tem que pedir concordância. Mas também diz nessa Convenção de 1961 que um país, se quiser recusar, não precisa dar as razões. Todas as relações diplomáticas são baseadas nessa Convenção.

O primeiro-ministro Netanyahu, que é também chanceler, não é novato, ele conhece as regras. Ninguém manda um embaixador sem que tenha antes mandado um pedido secreto de concordância. E o país tem o direito de aceitar ou não. Nesse caso, o governo brasileiro não recebeu um pedido, mas uma declaração no Twitter, feita pelo primeiro-ministro — antes que tivesse sido enviado um comunicado ao Brasil — declarando que estava mandando o senhor Dani Dayan como embaixador.
Isso já é inaceitável em termos de relações diplomáticas e é a primeira razão pela qual estamos defendendo a posição brasileira, já que se trata de uma norma do direito internacional de que Brasil e Israel são signatários.

E a segunda é que obviamente isso não foi feito por acaso. O primeiro-ministro estava querendo criar um fato consumado porque o nome que ele estava indicando era o de um homem que foi presidente do Conselho de Assentamentos judeus na Cisjordânia. Oras, esses assentamentos são considerados pela imensa maioria da ONU — não pela totalidade dos membros porque há uns dois ou três que votam com Israel ou se abstêm — como sendo ilegais. Assim, o fato de mandar como embaixador uma pessoa que estaria contra o voto do Brasil nas Nações Unidas não é uma designação que poderia ser simpática ao governo brasileiro.

O governo e o Itamaraty estão muito corretos em ficar em silêncio. Eles não devem responder. O silêncio em diplomacia é um ‘não’. Então, já foi dada a resposta a Israel. O que queremos é que esse incidente seja superado. Queremos que as relações com Israel sejam as melhores possíveis.

Mas, como existe um movimento crescente que pode influenciar a opinião pública brasileira, que não tem conhecimento desses detalhes diplomáticos, preferimos vir a público. E não se trata de uma posição de apoio ao governo em geral, é uma posição apartidária; temos entre os assinantes pessoas de todos os tipos e posições políticas. Trata-se de uma posição daqueles que defendem o Estado brasileiro. Entendo que o que estamos fazendo é mostrar, inclusive internacionalmente, que o Brasil não é um anão diplomático, tal como foi caracterizado por um funcionário israelense tempos atrás.

OM: O possível aceite por parte do governo brasileiro pode ser entendido como um reconhecimento aos assentamentos de colonos judeus em territórios palestinos?

JD: Em diplomacia não existe nada automático. Tem o voto do Brasil na ONU e é ele que regula a posição do Brasil. Nós como diplomatas aposentados temos apenas que saber que, a menos que o Brasil um dia retire seu voto, está valendo a posição que já foi tomada.

OM: Recentemente, o governo israelense falou em “crise diplomática” e prometeu adotar “ferramentas alternativas” contra o Brasil por causa do não aceite. Que impacto isso pode ter?

JD: Ameaças desse tipo não devem pressionar um país como o Brasil. Nós temos uma dimensão tal que não somos qualquer "paiseco", um país banana, que tenha que se assustar com declarações que, às vezes, são declarações infelizes de funcionários até menores, como já aconteceu. Muitas vezes, essas declarações são feitas por ânimos de pessoas que não têm o controle de um diplomata e por isso não levamos isso a sério.

OM: Com base em sua experiência diplomática, considera ser possível que o Brasil siga resistindo às investidas de Israel e da opinião pública brasileira?

JD: É tudo que nós esperamos e é por isso que tomamos publicamente essa posição. Não há forma mais franca e honesta de colocar nossa posição. Ressalto que não é um movimento partidário, não estamos lidando com este ou aquele governo. Fosse quem fosse o presidente no momento, nós nos pronunciaríamos nessa direção porque consideramos que é isso que o Brasil precisa ter como postura.

OM: A imprensa israelense já considera, com base em fontes não reveladas, a possibilidade de que Dayan seja nomeado cônsul-geral de Los Angeles ou Nova York e outra pessoa seja indicada para a diplomacia no Brasil. Caso se confirme este cenário, que impacto isso pode ter na política interna israelense?

JD: Isso eu e meus colegas não comentamos. Tomamos posição sobre o Brasil. Sobre Israel, quem deve falar são os israelenses.

OM: Então, se esta posição se confirmar, o Brasil entra no cenário da política internacional como um ator mais relevante, com posição mais influente, do que a que tem tido nos últimos anos do governo Dilma?

JD: Eu não creio que isso esteja ligado à política externa em geral, nem estou aqui para entrar na discussão da política externa. É um incidente específico. Se o Brasil cedesse, nós acreditamos que ele seria humilhado e é a isso que somos contra: a humilhação. Agora, qualquer embaixador que seja aceito pelo Brasil eu desejaria que ele pudesse nos convidar, os 41 diplomatas, para poder almoçar ou jantar com ele. Seria o maior prazer e passaríamos a ajudar muito a ação dele no Brasil.

*

Confira abaixo a íntegra da carta enviada pelos diplomatas ao governo brasileiro:

Carta Aberta

Nós, os diplomatas aposentados abaixo assinados, lembrando a memória do Embaixador Luís Martins de Sousa Dantas, que salvou centenas de judeus do Holocausto; orgulhosos do papel desempenhado pelo Brasil nas Nações Unidas quando, sendo Osvaldo Aranha Presidente da Assembleia Geral, foi sancionada a criação do estado de Israel,

Consideramos inaceitável que o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, haja anunciado publicamente o nome de quem pretendia indicar como novo embaixador de seu país no Brasil antes de submetê-lo, como é norma, a nosso governo. Essa quebra da praxe diplomática parece proposital, numa tentativa de criar fato consumado, uma vez que o indicado, Dani Dayan, ocupou entre 2007 e 2013 a presidência do Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos na Cisjordânia considerados ilegais pela comunidade internacional, e já se declarou contrário à criação do Estado Palestino, que conta com o apoio do governo brasileiro e que já foi reconhecido por mais de 70% dos países membros das Nações Unidas.

Nessas condições, apoiamos a postura do governo brasileiro na matéria e fazemos votos de que o presente episódio seja superado prontamente a fim de podermos, em conjunto, reforçar os vínculos entre os dois países num momento histórico em que o espírito de conciliação se torna imperativo.  


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