ARQUIVO NORDESTE

Setor nuclear quer triplicar número de usinas no mundo até 2050

O mundo tem atualmente 450 reatores nucleares para fins pacíficos operando em 33 países e 50 em construção. Empresas e nações que desenvolvem esse tipo de energia buscam agora triplicar o número de usinas nucleares até 2050, aumento que representaria 25% da eletricidade mundial.

Durante o Congresso Mundial de Energia nuclear (AtomExpo 2016), que reuniu cerca de 5 mil pessoas de 55 países na última semana em Moscou, a diretora-geral da Associação Mundial de Energia Nuclear, Agneta Rising, disse que acredita que a entrada de novos atores no mercado poderá possibilitar esse aumento. Hoje, a energia nuclear responde por 11%, segundo ela.

“O aumento da demanda e a necessidade de energia limpa para reverter o quadro das mudanças climáticas são nossos maiores estímulos. Triplicar é possível, temos muita experiência para fazer essa ampliação de novos países na comunidade nuclear. Mas, para isso, não podemos criar novos obstáculos nem recuar”, acrescentou.

Durante o encontro, patrocinado pela estatal russa de energia nuclear Rosatom, o diretor-geral da empresa, Sergey Kirienko, disse que até 2030 as centrais nucleares russas vão impedir a liberação de 711 milhões de toneladas de CO². “Precisamos evitar que a temperatura na terra continue subindo, e a energia nuclear é fundamental para a produção de energia de baixo carbono em combinação com outras fontes limpas”, declarou.

Segurança

O congresso coincide com o aniversário de 30 anos do acidente de Chernobyl, na Ucrânia, o maior desastre nuclear da história, que causou a morte de cerca de 4 mil pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde, e contaminou áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia. Um em cada cinco bielorrussos vive em solo contaminado, e a zona de exclusão de 30 km ao redor de Chernobyl permanece até hoje.

O vazamento na usina de Fukushima, há quatro anos, foi o segundo maior acidente da história e causou uma reviravolta no setor. Países como a Alemanha, o Japão e a Suíça decidiram abandonar o projeto nuclear gradualmente depois do acidente, que devastou o Nordeste do Japão e deixou quase 100 mil desabrigados.

As conferências dos participantes do AtomExpo destacaram os avanços na área de segurança desde Chernobyl e Fukushima, tornando as usinas nucleares mais seguras do que andar de avião ou viajar de carro. Os conferencistas lembraram, várias vezes, que a energia nuclear não emite gases causadores do efeito estufa e que algumas gramas de urânio fornecem a mesma quantidade de energia que cerca de 1 tonelada de carvão.

De acordo com o físico nuclear e ambientalista Bruno Comby, que participou do evento, as energias solar e eólica não são suficientes para salvar o planeta do aquecimento global por serem intermitentes. “A energia nuclear é barata e abundante para abastecer fábricas, cidades e nosso mundo cada vez mais industrial, em que os carros elétricos serão a solução para o futuro”, disse ele, que minimizou os riscos da radiação. “O lixo atômico é mínimo. As pessoas têm medo de radiação, mas ela está por todos os lados na natureza. Radiação não é um problema, mas uma solução”.

A defesa da energia nuclear como limpa e segura não ficou apenas no discurso. A estatal Rosatom patrocinou a viagem de dezenas de jornalistas de vários países para a cidade Novovoronezh, a 500 quilômetros ao sul de Moscou. Os jornalistas eram, sobretudo, de nações em desenvolvimento, como a Índia, Nigéria, o Brasil, a Argentina, Bolívia, onde boa parte da população vê com desconfiança e temor a construção de usinas nucleares.

Usinas na Rússia

Em um país em que as temperaturas alcançam menos 40 graus no inverno e a energia elétrica não é apenas útil como também vital para a população, as usinas nucleares são tema pouco polêmico para a sociedade russa. Além de garantir calor e luz a boa parte de seus habitantes, as 35 usinas em funcionamento e oito em construção são fontes de centenas de milhares de empregos dentro e fora da Rússia, de renda para as cidades onde estão localizadas e de pesquisa para acadêmicos e estudantes. A Rosatom responde por todas as empresas civis nucleares e instituições científicas da Rússia e emprega mais de 250 mil pessoas no país.

Os desastres nucleares de Chernobyl e Fukushima parecem ter ficado no passado e os dejetos radioativos superados pelo avanço da tecnologia. Residente na cidade de Murmansky, no Noroeste da Rússia, onde está localizada a Central Nuclear Kola, a intérprete Natalia Antufieva, 34 anos, disse acreditar na segurança das usinas russas. “O sistema de segurança é de alto nível, não permite mais intervenção humana durante todo o processo. Por isso, ninguém tem medo”, afirmou. “Além disso, as usinas ajudam a desenvolver as cidades e melhorar a qualidade de vida dos seus moradores”.

Quando Lena Merkova nasceu, sua cidade natal, Novovoronezh, já tinha a primeira das seis usinas nucleares do município. Hoje, aos 47 anos, ela trabalha no Centro de Cultura Municipal e comemora a existência da planta na região. “Gosto muito de morar aqui. Há muito verde, a cidade é linda, pequena. Rosatom gera emprego, organiza e melhora a cidade”, comentou.

O avô de Ana Burakova, 32 anos, ajudou na construção da primeira usina de Novovoronezh. Ela e o marido trabalham na central nuclear e não cogitam um potencial acidente. “Minha mãe queria que eu fosse advogada ou economista, mas eu queria trabalhar com tecnologia nuclear. Queria ser operadora, mas como é um trabalho muito dura para mulheres, sou guia nas visitas à usina e meu marido é engenheiro na parte de defesa civil. Me sinto muito segura”, completou. Novovoronezh tem cerca de 35 mil habitantes. Além de empregar uma grande parcela dos moradores com salários acima da média do restante da região, a empresa investe em equipamentos e atividades culturais e esportivas, educação e lazer, entre outras intervenções.

Usinas nucleares no Brasil

O Brasil tem dois reatores nucleares funcionando e um em construção no Rio de Janeiro. A energia nuclear representa quase 3% da matriz energética no país. A construção de um terceiro reator teve início em junho de 2010, porém está parada devido a irregularidades.

A fonte nuclear responde por cerca de 3% da geração de energia no Brasil. Antes da crise econômica e da instabilidade política, o governo chegou a anunciar que o Plano Nacional de Energia contemplaria a construção de pelo menos quatro usinas nucleares até 2030.

De acordo com o representante do Greenpeace no Brasil para a área energética, Thiago Almeida, a combinação das fontes eólica, solar, biomassa e hidroelétrica é capaz de atender à demanda nacional se houver investimento.

“O custo total de Angra 3 foi orçado em R$18 bilhões, mas não inclui o preço para descomissionar a usina, ou seja, desligá-la e desmontá-la, que é de cerca de US$1 bilhão”, disse. “Sem incentivos do governo, essas usinas não são competitivas. Se tivermos um parque elétrico bem dimensionado com usinas solar e eólica, energia solar domiciliar e biomassa, poderemos economizar água, recuperar reservatórios e usar as hidrelétricas como grande bateria para quando as outras fontes estiverem com pouca geração de energia”.

Uma usina dura em média 40 anos, mas a vida útil de algumas tem sido estendida para 60 anos ou mais, afirmou. “Somente pelos riscos envolvidos, a energia nuclear nem deveria ser uma opção. As estimativas que se têm são de cerca de R$1,5 trilhão com Chernobyl e mais de R$300 bilhões para Fukushima em gastos com acidente, assim como o descomissionamento das usinas, ao final da vida útil delas. São custos que não estão embutidos nos custos vendidos pela indústria do setor. Outra coisa é o lixo atômico, que gera um prejuízo social, ambiental e econômico por dezenas de gerações”.

Ainda segundo Almeida, de 1946 a 2013 ocorreram 174 acidentes nucleares no mundo. “Cada acidente desse poderia ter virado um desastre”. Para ele, os defensores das usinas nucleares têm uma visão estritamente focada em seu potencial produtivo e tecnológico. “Por um lado, há aquela fé de que a energia nuclear é a tecnologia do futuro e de que temos que dominá-la, que é estratégica. O nível de aceitação do risco de acidentes por parte desses especialistas é inaceitável”, afirmou.

Almeida também ressaltou que a construção de usinas leva muitos anos e envolve muitos atores e grandes obras com grande investimento público, o que facilita superfaturamento e corrupção. “Quanto maior a obra, maior espaço para corrupção. A própria Operação Lava Jato tem evidenciado isso”, disse ele. “Usinas nucleares e investimento em energia solar distribuída [para cidadãos] não valem a pena no esquema de corrupção, pois o retorno é muito pequeno”.


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