BRASIL

Suplicy promete vida ativa fora do Congresso: “Vou continuar minha batalha”

Recém-chegado do Uruguai, onde participou de um encontro do Mercosul em que falou, entre outras coisas, sobre o Bolsa Família, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) vai aos poucos redescobrindo seu tempo, refazendo sua agenda. Depois de 24 anos no Senado Federal, Suplicy está de saída. Derrotado na eleição deste ano, ele é quase uma lenda do parlamento que diz adeus, ou até logo. Aos 73 anos de idade, o petista não faz previsões sobre o futuro político e procura no momento se organizar para os projetos a curto prazo, que incluem estudos de economia, palestras, um curso que lecionará na USP Leste, um livro sobre histórias marcantes de seu mandato e uma passagem pela Índia, para conhecer um projeto piloto de uma de suas obsessões: a renda básica de cidadania.

Suplicy escrevia uma carta para a presidente Dilma Rousseff (PT) quando atendeu ao iG. A mensagem tratava justamente dessa paixão, que ao longo dos anos transformou-se no mantra, marca registrada do senador e até motivo de comentários jocosos. Dizem que é quase impossível conversar com Suplicy sem que em algum momento do papo ele cite o programa de renda básica da cidadania. Prolixo, característica que se acentuou com os anos, o senador é capaz de falar horas sobre o programa, que virou lei, sancionada pelo ex-presidente Lula em 8 de janeiro de 2004, numa cerimônia que tem significados especiais para Suplicy. “Foi a última vez que minha mãe esteve em Brasília”, lembra ele. Filomena Matarazzo, faleceu no ano passado aos 105 anos. “Ela presenciou essa cerimônia que foi tão significativa na minha história de vida”, afirma o senador.

Na carta para a presidente, Suplicy pede uma audiência com Dilma para falar sobre a criação de um grupo de trabalho para estudar as etapas previstas na lei 10.835/2004 para instituir gradualmente a renda básica de cidadania. Para o próximo ano, Suplicy já fechou acordo para lecionar na USP Leste um curso sobre os instrumentos de política econômica para a construção de uma sociedade civilizada e justa. “Depois do Carnaval, darei 14 aulas, encontros, de duas horas cada e depois o exame, completando 30 horas de curso”, explica ele. Economista de formação, Suplicy diz que usará o tempo para aprofundar seus estudos na área e também dedicar parte do tempo para atender pedidos de palestras que, segundo ele, são feitos quase todos os dias em que está em São Paulo. “Vou continuar minha batalha”, garante ele.

Diagnóstico da derrota
O distanciamento que o tempo proporcionou já permitiu a Suplicy fazer um diagnóstico detalhado dos motivos de sua derrota para José Serra (PSDB). Nessa conta tem relevante peso o sentimento anti-PT que ficou bem evidente nessa eleição, especialmente no estado de São Paulo. “Houve um vento muito forte de críticas ao PT em São Paulo. Mais forte do que em épocas anteriores”, admite Suplicy. Mas ele destaca também a diferença de dinheiro envolvido na campanha, enquanto Serra arrecadou R$ 10.701.447,98, o petista conseguiu R$ 4.294.504,75. “Minha campanha teve, portanto, um orçamento relativamente baixo”, diz Suplicy.

O senador petista destaca ainda dois episódios pontuais para sustentar sua análise da derrota. “Também ocorreram episódios como do Coronel Telhada, que em 30 de setembro, deu uma entrevista caluniosa dizendo que eu havia incitado uma jovem a relatar que ela havia sido objeto de abuso sexual durante a reintegração de posse do Pinheirinho, o que é uma calúnia. Imagina se iria sugerir para uma moça dizer algo de tão terrível se não tivesse sido verdade”, conta Suplicy, que promete entrar com uma ação, nos próximos dias, contra Telhada por danos morais e eleitorais.

Suplicy também acredita que faltou tempo e oportunidade para que os candidatos pudessem ter feito debates antes da eleição. Diz que Gilberto Kassab (PSD) e Serra não quiseram participar e esvaziaram um único debate promovido por uma universidade. “Quisera ter tido oportunidade de ter tido debates com meus concorrentes”, lamenta ele, que se recusa a destacar um dos motivos como o mais preponderante para a derrota eleitoral.

“É um conjunto. Se eu tivesse mais oportunidades de externar minha opinião e explicar, por exemplo, as razões pelas quais não votei na diminuição da maioridade penal. Nos programas televisivos da tarde, no (José Luiz) Datena e outros, eles colocavam lá: ’não vote em tais pessoas que votaram contra a redução da maioridade’ e mostraram a foto, mas não explicavam o porquê do voto contrário”, reclama Suplicy. “Se tivesse mais oportunidades de explicar isso, acho que haveria uma melhora”, queixa-se ele. “O espaço de tempo foi relativamente pequeno para explicar minhas proposições. Quando tive oportunidade de fazê-lo em palestras, sempre foram muito bem aceitos os meus argumentos”, defende ele.

Futuro eleitoral

Ex-marido da ministra Marta Suplicy (PT), com quem teve três filhos, Supla, André e João, o petista não arrisca palpites para seu futuro eleitoral. Futuro que poderia incluir uma improvável dividida de bola com a ex-mulher, que também é senador licenciada. Marta deverá tentar renovar seu mandato em 2018, quando o calendário eleitoral prevê a abertura de duas vagas para São Paulo no Senado. Suplicy tentará ser senador de novo em 2018? “Isso está tudo em aberto. Tem pessoas que me dizem que tenho de ser candidato na próxima eleição, em 2016, ou em 2018, mas isso não está decidido. Está tudo em aberto”, despista ele.

O PT não deverá ter dois candidatos ao Senado em 2018 e é legítimo imaginar que Marta possa ter alguma prioridade nessa escolha. Sobre a possibilidade de ser candidato a vereador em 2016 e ajudar o PT a fazer uma grande bancada na Câmara Municipal como puxador de votos, Suplicy reage lembrando que já fez esse papel, em 1988. Ele foi o vereador mais votado e acabou eleito presidente da Casa. “Graças ao trabalho ali realizado, quando chegou em 1990, o PT achou por bem me indicar candidato ao Senado e fui o primeiro senador eleito (pelo PT)”, lembra ele. “Isso é uma possibilidade aberta, não há um definição”, acrescenta Suplicy.

Histórias marcantes
“Ainda hoje recebi uma proposta para escrever um livro sobre os principais episódios que aconteceram ao longo desses 24 anos (no Senado). É um projeto para escrever esse livro ao longo de um ano e eu aceitei”, conta Suplicy. Diz que a ideia surgiu justamente quando se deu conta da quantidade de histórias marcantes que coleciona nesses anos de Senado. “São dezenas de histórias”. Ele conta algumas delas e dá um esboço do tipo de histórias que o livro trará. Como seu primeiro projeto. “Abril de 1991, o primeiro projeto (que instituía) garantia de renda mínima através de um imposto de renda negativo que apresentei e que foi aprovado em 16 de dezembro de 1991 pelo Senado”, diz.

Um ano depois, lembra como fez, ao lado do ex-ministro José Dirceu, o requerimento para a criação da CPI que desvendaria o chamado esquema PC, alusão ao tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello, Paulo César Farias. “Em 1992, fui quem, depois de ter lido a entrevista de Pedro Collor, liguei para ele e perguntei se ele poderia me receber e convidei também o José Dirceu para irmos juntos. Por cinco horas conversamos com ele num hotel em São Paulo. Quando terminou, ficamos tão impressionados que viemos para minha casa e redigimos o requerimento que deu origem à CPI que resultou na campanha por ética na política e o afastamento do presidente Collor em dezembro daquele ano”, declara o senador. Naquele mesmo ano, Suplicy foi derrotado por Paulo Maluf na disputa pela prefeitura de São Paulo.

Um ano depois, mais uma CPI importante teve um início pitoresco, com o senador Pedro Simon (PMDB-RS) assinando o requerimento para instalação de investigação dos anões do Orçamento de pijamas. “No início de 1993, depois de ler a entrevista do José Carlos Alves dos Santos, que era o principal assessor da comissão do Orçamento no Congresso Nacional, sobre a maneira como diversos parlamentares usavam da sua condição de apresentar emendas ao Orçamento para enriquecer indevidamente, telefonei para o senador Pedro Simon, de quem me tornei muito amigo. Combinamos de nos encontrar no domingo, na chegada em Brasília, à noite, para prepararmos o requerimento para constituição da CPMI. Chegamos no aeroporto, conversamos e redigi o requerimento de CPMI. Fui à residência dele, à meia-noite e pouco, ele me recebeu de pijama e fomos os primeiros a assinar o requerimento da CPMI do Orçamento que resultou na cassação de diversos parlamentares”, lembra.

Suplicy lembra ainda que foi o primeiro parlamentar a acessar por um computador, em 1991, o SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal) e que até tirou o ex-ministro Marcílio Marques Moreira por causa disso. “Comecei a relatar excesso de gastos seja no Palácio do Planalto, seja na Legião Brasileira de Assistência, em Alagoas”. Ele conta que por causa disso, por 100 dias ficou interrompido o acesso ao SIAFI. “Fazia pelo menos dois pronunciamentos por dia pedindo que abrisse”. Finalmente o ex-presidente do Senado, Mauro Benevides, falou com Moreira, que estava no Japão, mandou abrir. A ligação foi feita no final da tarde, início da manhã em Tóquio e literalmente tirou da cama o ministro da Fazenda.

O petista lembra também da ocasião em que ganhou do ex-senador Antônio Carlos Magalhães tecido de presente para fazer um terno. “Teve manifestação de aposentados e movimentos de moradia no Congresso. Quando a polícia veio com cassetetes, escudos e cachorros, fui falar com os manifestantes e um cachorro rasgou minhas calças. No dia seguinte, o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, resolveu doar para mim tecido para fazer um novo terno”, conta ele.

E um apanhado de histórias de Suplicy não pode deixar de contemplar sua mania de cantar. Suplicy ficou notório também por suas cantorias no Senado. O repertório é amplo e vai de Vinicius de Moraes a Racionais Mc’s. “Todas as vezes que cantei foi para dar sentido ao que estava falando”, explica ele. Assim, o petista já entoou no Plenário do Senado músicas como “Chega de saudade”, “Garota de Ipanema”, “Um homem na estrada” e “A Felicidade”, entre tantos outros momentos.

Lula 2018
Suplicy respondeu também sobre o futuro do seu partido nas corridas presidenciais que virão. Especificamente sobre a disputa de 2018, Suplicy acredita que Lula é sim o “candidato natural”. “Claro que ele é uma probabilidade muito grande. Existe um movimento popular e dentro do PT para que ele seja o candidato. É nosso candidato natural, mas tantas coisas poderão ocorrer”, pondera o senador, que ao comentar sobre o correligionário lembra que protagonizou com ele a única prévia realizada por um partido para escolher seu candidato a presidente.

“Em dezembro de 2000 esteve com Lula e disse a ele que diversos amigos, inclusive dentro do PT, dizem a mim que deveria disputar a presidência. Disse a ele: vim aqui na sua casa conversar porque se você achar que de alguma maneira isso vai lhe prejudicar ou ao partido, não serei. Aí ele me disse que por tudo que eu tinha feito ao longo da vida tinha todas as credenciais para ser pré-candidato a presidência. ‘Vai lá e se inscreva’, ele falou. Fui ao diretório nacional, presidido na época pelo José Dirceu e ele, com muita correção, já sabia obviamente pelo Lula que eu ia fazê-lo e colocou em votação e por consenso todos aceitaram que eu pudesse ser o pré-candidato a presidente. Disse ao Lula que gostaria de ter feito debates, mas Lula me disse: ‘olha Eduardo, somos amigos, pensamos de forma muito parecida, não precisa haver debates entre nós’. Daí, em 17 de março de 2002, foi a primeira vez, na história de todos os partidos brasileiros que um partido convidou os 172 mil filiados a votarem. Lula teve 84,4% dos votos e tive 15,6%”, lembra Suplicy.

 

(Do iG)


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