INTERNACIONAL

Acordo sobre armas enfraquece EUA ao legitimar Assad e dar vitória à Rússia

Para quem pedia a renúncia de Bashar al-Assad no início do levante sírio, o governo do presidente dos EUA, Barack Obama, adotou a posição inversa ao alcançar com a Rússia, no sábado (14), um plano de acordo que prevê a destruição do arsenal químico da Síria . Ao reconhecer o regime de Assad como ator na implementação do plano de acordo, os EUA legitimaram um governo antes marginalizado por boa parte da comunidade internacional e fortaleceram a Rússia, que até então se via sob risco de perder seu único aliado no Oriente Médio.

“O acordo fortalece Assad. Ou, antes de tudo, o legitima ao livrá-lo da perspectiva de ser um fora da lei”, disse ao iG Jonathan Adelman, da Faculdade Korbel de Estudos Internacionais da Universidade de Denver. Para o professor, o acordo também é uma grande vitória para os russos, que previamente estavam sob risco de serem expulsos do Oriente Médio com uma eventual queda de Assad e agora estarão à frente das negociações para a implementação do pacto. “A Rússia nunca será tão forte quanto na Guerra Fria (1947-1991), mas agora ela tem a chance de não ter um papel inútil”, afirmou.

A opinião é compartilhada pelo especialista sírio Murhaf Jouejati, da Universidade de Defesa Nacional, em Washington. “O acordo fortalece Assad ao não estipular que ele deve deixar o poder e ao determinar que esteja presente para supervisionar o pontos do pacto”, disse. Segundo o professor, o acordo também “é uma vitória do presidente russo, Vladimir Putin, sobre Obama e da Rússia sobre os EUA”.

Alcançado no sábado após dias de negociações entre EUA e Rússia em Genebra, o plano de acordo determina que o governo de Assad forneça um inventário desse tipo de armamento até o fim desta semana e entregue todos os componentes de seu programa até meados do próximo ano. O objetivo final é destruir o arsenal químico da Síria, cuja guerra civil de dois anos e meio deixou mais de 100 mil mortos , incluindo em ataques com armas químicas.

Na segunda-feira, um relatório de inspetores da ONU confirmou o uso de gás sarin no mais recente deles, em 21 de agosto . Sob a ameaça de uma operação militar americana contra seu aliado sírio, a Rússia propôs que Damasco pusesse seu arsenal químico sob controle internacional, abrindo caminho para o plano de acordo anunciado no fim de semana.

O pacto, porém, só entrará em vigor após uma resolução do Conselho de Segurança torná-lo legalmente vinculante. Em uma mostra do quanto o debate sobre a medida será difícil, os membros do principal órgão da ONU mostraram, na segunda-feira, suas divergências sobre incluir no documento uma referência a uma possível ação militar no caso de a Síria não cumprir sua parte.

O motivo da divisão foi o relatório de inspetores da ONU sobre o ataque do dia 21. Para EUA, Reino Unido e França, aspectos técnicos do documento – tipo de foguetes usados no ataque, suas trajetórias e a qualidade do sarin empregado – provam que só o governo teria a capacidade de lançar esse tipo de ataque em larga escala. Mas os russos, que também têm poder de veto no Conselho de Segurança, afirmam que o relatório não aponta culpados pelo fato de a missão de inspetores da ONU ter sido encarregada de analisar se armas químicas foram usadas, e não quem seria o responsável.

Por causa desse cenário, Adelman caracteriza o plano de acordo entre Rússia e EUA como bom no papel, mas impossível de ser aplicado como formulado. “EUA, Reino Unido e França não conseguirão um resolução na ONU sem fazer várias emendas e concessões ao que previamente queriam”, disse.

Outro aspecto que o especialista de Denver aponta como não factível é a previsão de que o arsenal seja eliminado até meados de 2014. Como são necessários anos para conseguir destruir armamento químico, Adelman aposta que a Rússia e a Síria arrastarão o processo o máximo que puderem.

“O tempo está do lado da Síria e da Rússia”, disse. “Obama claramente não quis lançar um ataque”, afirmou, referindo-se à decisão do presidente dos EUA de pedir autorização do Congresso para retaliar a Síria pelo ataque químico do dia 21. “De certa forma, Síria e Rússia são até aliados de Obama, porque o livraram de um voto no Congresso, que rejeitaria a ação militar e o teria humilhado.”

*Repórter viaja como bolsista da Dag Hammarskjöld Fellowship, da ONU

iG


Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

Recomendamos pra você


Receba Notícias no WhatsApp