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Revista NORDESTE: Muito mais que dados

Em um mundo conectado, chegou a era do Big Data: tudo que você vê, consome e produz na internet pode ser lido pela capacidade dos computadores atuais. Se de um lado torna a vida do usuário mais prática, pode acarretar perigos se não usado de forma democrática

Por Jhonattan Rodrigues

Desde a criação dos primeiros computadores, que ocupavam um andar inteiro de um prédio, passando pela criação do Arpanet, primeira rede de computadores criada pelos militares americanos na década de 60 e considerada a “mãe” da internet, muita coisa mudou. A capacidade de processamento dos celulares de hoje ultrapassa com facilidade os primeiros computadores e a Arpanet era composta de um número bem reduzido de máquinas, nem se compara com os bilhões de pessoas conectadas. Internet já não é novidade e estar conectado é essencial para muitas pessoas para trabalhar, pagar contas, se divertir e relacionar com pessoas. Tudo isso produz informação ou dados (em inglês, data). Estima-se que hoje metade da população mundial esteja conectada à internet, enviando por segundo 2,572,267 emails, 59,247 buscas no google e 7,451 tweets e 701 fotos subidas para o Instagram, segundo o site Live Stats, que reúne estatísticas da movimentação na internet. Essa quantidade imensa de dados passou a ser chamada Big Data.

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De acordo com o Cisco's Visual Networking Index initiative, atualmente o número de dados transferidos na internet atingiu 1.1 zettabytes (ZB) por ano. Um ZB equivale a 1 sextilhão de bytes – ou seja, 1 seguido de 21 zeros! Até 2019 a estimativa é que esse número suba para 2ZB por ano.
Na medida em que o número de informações vai crescendo, a capacidade de processamento também vai aumentando. Hoje é possível ‘ler’ esse número absurdo de dados e tirar informações deles. “Antigamente, as empresas não tinham hardware nem software capazes de analisar esses dados, mas com o crescimento do Big Data, elas passaram a ter bons equipamentos de hardware e bons softwares para fazer essa análise”, explica Monica Tyszler, diretora de Soluções e Serviços do SAS (Statistical Analysis System) América Latina. Mas, na prática, o que isso significa? Para o mercado é uma grande vantagem, já que agora pode conhecer melhor sua clientela, através do chamado marketing dirigido. Se as empresas antigamente iam atrás dos clientes para fazer pesquisa de mercado, hoje os clientes fazem esse trabalho, tweetando, curtindo, compartilhando, e cabe às empresas analisar tudo isso e prever as tendências. E conseguem fazer isso com eficácia.

As empresas já perceberam essa vantagem e o marketing dirigido é o negócio do momento. Por exemplo, a página do login do Facebook exibe a frase “É gratuito e sempre será.” Bem, não é caridade. A renda da rede social chegou a 7 bilhões em 2016. Como? Publicidade. Atualmente 1 bilhão de pessoas no mundo todo estão utilizando o Facebook, comentando, curtindo, compartilhando, fazendo check in por onde passam, avaliando páginas… As empresas perceberam o potencial do Big Data e investem alto para ter seus produtos anunciados na rede social. Com os dados dos usuários e algoritmos de processamento, é possível enviar a propaganda certa para a pessoa certa. “Só o fato de uma pessoa navegar na internet já permite que uma empresa colete todas as informações. É possível saber onde essa pessoa navegou, onde clicou, por quanto tempo navegou, quem são seus amigos no Facebook, que tipo de produto pesquisou ou comprou e em que promoção. Todas essas informações acabam sendo coletadas.”

O que é um algoritmo

O algoritmo é geralmente representado através de modelos de fácil compreensão pelos humanos, mas incompreensíveis para o computador. Para que o computador possa executar um algoritmo, é necessário que este algoritmo seja traduzido para uma linguagem que seja entendida pelo computador – a linguagem de programação

É assim que quando você pesquisa um tênis, o mesmo produto ou parecidos aparecem na sua página do Facebook. E é da mesma forma também que, por exemplo, o Google prevê sua busca antes de você terminar de digitar. “A vantagem é a empresa tirar proveito dessa inteligência para o negócio. A inteligência analítica permite, por exemplo, que se faça uma campanha de marketing para o cliente de forma muito mais efetiva, porque esse cliente vai perceber que a empresa está conversando diretamente com ele e que conhece seu perfil”, explica Monica Tyszler.

Pioneira no ramo, o SAS é uma das várias empresas no mercado hoje que trabalha com análise de dados e Big Data. Oferece softwares analíticos de preparação, tratamento e otimização de dados, previsão de demandas “e outras voltadas para a inteligência do cliente”. “O mercado hoje oferece uma gama de ferramentas já adaptadas e prontas para prover essa inteligência”, conta Tyszler. A crescente demanda pelo uso dessas ferramentas até lançou a base para uma nova profissão: o cientista de dados. Segundo Tyszler, o mercado brasileiro na área está em expansão e diversas empresas buscam usar a análise de Big Data a seu favor. “Temos os bancos, as operadoras de telefonia (que foram pioneiras nisso), os setores de manufatura e varejo, o governo – no caso de soluções antifraude e anticorrupção -, o setor de educação e de saúde. O mercado de Analytics está em expansão, pois temos visto crescer bastante. E empresas de todos os portes têm feito uso do Analytics para isso.”

O direito à informação e o sigilo

Uma vantagem trazida pelo Big Data é a praticidade. Mas como diz o ditado, informação é poder. E a questão é quem tem o direito a esse poder. Ao abrir uma conta em algum site, geralmente marcamos a opção “li e aceito os termos de contrato” ou “concordo com a política de privacidade”, mas raramente alguém lê esse contratos. Os termos geralmente explicam que aqueles dados poderão ser utilizados pela empresa, mas há limites. O Facebook, por exemplo, afirma só utilizar as informações que estão públicas na conta do usuário. Mas as informações coletadas incluem o suficiente para conhecer o usuário, como onde mora, qual a idade, contatos, ideais e tudo o que for possível ser disponibilizado online. Ou seja, monta-se um perfil quase completo.

“Cada pessoa tem que saber que tipo de informação irá disponibilizar. Se alguém não quiser compartilhar nada, ela vai retirar todo e qualquer tipo de informação que compartilhou antes e não deixará que ninguém mais capte os dados. Se for uma pessoa mais aberta, ela vai compartilhar e não terá nenhum problema com isso. Há também aqueles que nem sabem que as informações estão sendo coletadas. Muitas vezes, as empresas coletam os dados das pessoas, mas não é porque elas querem saber quem é você ou fazer algo errado, mas sim porque querem conhecer melhor o cliente e oferecer o que é mais relevante para cada perfil […] É algo opcional e o SAS não se mete nisso”, conta Tyszler.

A advogada Flávia Lefévre tem suas ressalvas em relação ao BIG DATA. Lefèvre é Conselheira da PROTESTE – Associação de Consumidores, foi representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da ANATEL de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009 e recentemente representa o 3º Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil. “Indiretamente podemos dizer que tenhamos algum benefício na medida em que pode haver um direcionamento de compromisso, de acordo com nossas preferências. Mas ao mesmo tempo, isso também gera uma desvantagem muito grande porque determinadas classificações são feitas de uma forma bastante mecânica e automática. Algoritmos são criados pelos seres humanos, mas não é o ser humano. A partir do momento em que os sistemas são desenvolvidos, são eles que fazem essas classificações. E você ser enquadrado dentro de uma determinada categoria e perder, enquanto consumidor, a oportunidade de ampliar seu direito à informação. O seu direito de escolha e passar, de alguma maneira, a ser induzido ao consumo. Então pode ser que tenha algumas vantagens, mas é preciso que hajam regras muito claras”, explica.

A polícia da cidade de Fresno, por exemplo, no estado norte-americano da Califórnia, usa o software Beware para varrer a internet, coletando boletins de ocorrência, registros de propriedade, bancos de dados comerciais, buscas na Deep Web e as postagens em mídias sociais para traçar um perfil de um suspeito e classificá-lo por nível de periculosidade. Tudo isso é feito em tempo real. Os policiais, quando atendem a um chamado, vão de encontro ao desconhecido, por isso informações sobre o suspeito podem fazer uma grande diferença. Para bem ou para mal. O Beware classifica os suspeitos por nível de perigo de forma crescente em verde, amarelo e vermelho. O problema é que apenas a companhia que criou o software, a Intrado, é que sabe qual a lógica usada para classificar os suspeitos. O software poderia, por exemplo, identificar alguém como nível ‘vermelho’ erroneamente e gerar uma abordagem policial muito mais violenta.

Esses dados também podem estar sendo utilizados para espionagem, como revelou Edward Snowden, em 2013. Snowden fazia parte da Agência de Segurança Nacional norte americana (NSA). O órgão mantinha um sistema de vigilância global chamado Prism, que coletava dados de empresas como Facebook, Google, Apple e Microsoft e com ele mantinha um enorme banco de dados com o qual era possível vigiar e “marcar” potenciais suspeitos, incluindo os próprios cidadãos americanos.
Com o avanço da tecnologia e um mundo cada vez mais conectado, diversos países já possuem legislações para a internet. Alguns mais avançados, outros nem tanto. No Brasil, o pontapé para uma discussão mais séria sobre o assunto foi o Marco Civil da Internet, que pretende regular os direitos dos consumidores e usuários de internet e suas obrigações, bem como de empresas e órgãos. O escândalo da NSA acelerou a tramitação do Marco que foi sancionado por Dilma Rousseff em 2014. Entretanto, foi só o começo. “Nós estamos meio capengas na proteção dos dados. Estamos atrasados. Já são cerca de 100 países que têm lei de proteção de dados pessoais e nós não temos, dezenas de países têm órgãos reguladores e fiscalizadores dessa atividade de coleta e tratamento de dados. Você vê que na comunidade europeia, eles já têm uma série de diretivas e resoluções definidas tratando e protegendo dados pessoais e aqui no Brasil a gente está bastante atrasado”, explica Lefèvre. A tendência é que o número de pessoas conectadas aumente ou ao menos se estabilize no número que está, assim como a quantidade de dados que são jogados online. O que não acontecerá, provavelmente, é uma regressão. E aparentemente não é o que ninguém quer, nem ativistas, nem empresários. A despeito dos filmes, quadrinhos e textos que se multiplicam criticando a sociedade cada vez mais dependente da tecnologia e da rede, dar um passo para trás também não parece uma opção. 
 


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