BRASIL

Revista NORDESTE: Sinal de Alerta

Estudioso afirma que Amazônia tem área destruída equivalente a uma estrada até a lua. Ação estaria interferindo no clima do sudeste. Meteorologista vê importância da floresta, mas discorda que seca seja causada por desmatamento  

Por Pedro Callado

"Nos últimos 40 anos, o desmatamento da Amazônia equivale a três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal”, quem chama atenção para isso é o agrônomo Antônio Donato Nobre. Ele destaca que a floresta tem um papel importantíssimo para o clima na região. Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa. Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.

Segundo as observações do estudo de Donato Nobre, a mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. “Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido”. Entre as notícias recentes está o desaparecimento do rio Slims no Canadá (Slims é um rio imenso que se alimenta da água da geleira Kaskawulsh, no noroeste do Canadá) devido o degelo das geleiras. A previsão que o mesmo deve acontecer em outros lugares, entre eles, nos Andes, na América Latina e na Índia, no Kilimajaro.

O agrônomo destaca que já há muita informação que dá embasamento à sua pesquisa. “A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Neste estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão é fragmentada. ‘Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu’. Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação”, pontua. Donato afirma que o desmatamento da floresta está piorando e a estiagem em outras regiões, como o Sudeste, tem origem na Amazônia. Contudo, esse argumento não é compartilhado por outros peritos da área. O representante dos países da América do Sul na Organização Meteorológica Mundial (OMM), Luiz Carlos Molion, é categórico: “A afirmação de que as secas do Sudeste estão sendo causadas pelo desmatamento é leviana, sem base científica e contrária ao bom senso. Dizer que as árvores fornecem umidade é como afirmar que um chuveiro é fonte de água do banho. A água liberada na transpiração da árvore foi anteriormente captada pelas raízes”, rebate Molion.

Polêmica e teorias contrárias

Molion afirma que conhece Antonio Donato Nobre e que o que ele diz não deve ser levado em consideração. Que são bobagens. “Ele não sabe o que está falando”. Segundo Molion, Nobre não entende de clima.
O representante da OMM garante que as chuvas que abastecem o sudeste do Brasil são provenietes dos oceanos e que é a Cordilheira dos Andes que garante que as nuvens cheguem ao Sul. “A prova de que não é o desmatamento (o responsável pela seca) é que no ano seguinte àquela seca terrível em São Paulo, as chuvas aumentaram, e se fosse o desmatamento o causador da seca, as chuvas deveriam diminuir gradativamente todos os anos”.

Tapete tecnológico


Com ou sem chuva, é evidente que a riqueza da Amazônia é imprescindível. E as afirmações de Molion não tiram o valor da floresta. Ele contesta apenas a questão do clima exposta por Donato.
Em uma palestra no TED Amazônia, Donato descreve o que seria uma espécie de tapete tecnológico que existe na mata. “Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada. O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima”.

Donato enumera cinco segredos da Amazônia que exemplificam a riqueza da mata que multiplica benefícios ao seu redor. O primeiro, o transporte de umidade continente adentro é o que recebe ressalvas de Molion. O meteorologista não diz que o sistema não existe, mas considera que ele tem participação nas chuvas de forma decisiva.

“O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta. É uma metáfora”, explica para continuar logo em seguida. “Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca na atmosfera mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas.”

O segundo segredo. Para Donato, chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. “Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém”.

O terceiro segredo é que a floresta funcionaria como um ar-condicionado. “A Amazônia produz um rio de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos”.

No quarto segredo, Donato afirma que existe um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá a Buenos Aires no Sul, de São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. “Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de ‘rios aéreos’” para Donato, o vapor seria a fonte da chuva desse quadrilátero. A tese vai contra o senso comum da meteorologia.

No quinto segredo, o agrônomo argumenta que onde tem floresta não tem furacão nem tornado. “Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro”.

O impacto do desmatamento

Todos esses estudos dimensionados por Donato como segredos sinalizam para um alerta ao desmatamento. “O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais”, avisa. A conclusão é que, independente da Amazônia ser de fato a responsável pelas chuvas do sudeste ou não, é inegável que o que está se fazendo nas florestas tropicais do Norte do Brasil pode trazer resultados irreparáveis e drásticos para o país. A exploração da mata em nome da indústria, seja de madeira, ou de alimento, está desperdiçando o verdadeiro potencial da floresta, além de por em risco toda a riqueza biológica e a qualidade de vida da região.


 


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