Leia os principais trechos da palestra:

 

“É um privilégio voltar a este anfiteatro histórico, onde estive há dez anos para receber o título de Doutor Honoris Causa da Sciences Po. Tenho hoje a oportunidade de renovar os agradecimentos e compartilhar impressões sobre as mudanças que ocorreram, desde então, no Brasil, na América Latina e em nosso planeta.

 

Quero primeiramente agradecer por este honroso convite à presidente da Fundação Nacional de Ciências Políticas, Laurence Bertrand, ao presidente do Observatório Político da América Latina e Caribe, Olivier Dabene, e a seu diretor-executivo, o professor Gaspard Estrada.

 

Disse em 2011 e reafirmo que estas homenagens não pertencem a mim pessoalmente, mas ao sofrido e corajoso povo brasileiro, em sua luta permanente por um país e um mundo mais justo, menos desiguais e mais democráticos.

 

Quero saudar os convidados, os professores e professoras, funcionários, alunos e alunas. Faço uma saudação especial aos estudantes brasileiros e latino-americanos, que a Sciences Po sempre acolheu nos momentos históricos mais difíceis para nossa gente. A solidariedade aos perseguidos do mundo é uma das mais admiráveis tradições do povo de Paris; tradição que felizmente persiste nesses tempos em que se dissemina o ódio e a intolerância.

 

Pessoalmente, tenho muito a agradecer pelo apoio e solidariedade que recebi de tantos amigos e companheiros na França, ao longo do período em que fui alvo de uma implacável perseguição judicial, política e midiática em meu país.

 

Agradeço especialmente ao Comitê Lula Livre da França, ao apoio que recebi de companheiros como François Hollande e Jeán-Luc Mélenchon, ao Conselho de Paris e à prefeita Anne Hidalgo, por minha nomeação com Cidadão de Honra de Paris. Foram gestos generosos que romperam o muro de silêncio sobre a nossa resistência no Brasil.

 

Foram cinco anos de luta pela verdade e pela justiça até que o Supremo Tribunal Federal do Brasil viesse a estabelecer, afinal, a suspeição e a parcialidade do juiz que me condenou sem provas e sem causa, como vinham denunciando desde o início meus incansáveis advogados, Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins.

 

Sempre compreendi que ao condenar, prender ilegalmente e tentar proscrever minha pessoa, o que se pretendia era aniquilar o projeto de um país mais justo, soberano, comprometido com a sustentabilidade ambiental e democraticamente integrado ao mundo, que os governos do Partido dos Trabalhadores representaram e continuam representando no Brasil.

 

Nossa vitória na dura batalha para restabelecer minha inocência e meus direitos políticos insere-se na luta mais ampla do povo brasileiro e dos que defendem a liberdade e a democracia em todo o mundo. Se vencemos, foi porque nunca estive só. Os 580 dias e noites em que estive preso foram também 580 dias e noites em que, do lado de fora, sob sol ou sob chuva, companheiros e companheiras que eu nem conhecia pessoalmente estavam em permanente e solidária vigília.

 

MEUS AMIGOS E MINHAS AMIGAS,

Quando estive aqui, em setembro de 2011, o mundo ainda sofria os impactos da grande crise do capitalismo de 2008, decorrente da especulação financeira desenfreada e sem controles.

O alerta para os efeitos nefastos do aquecimento global já estava na ordem do dia. Debatíamos a necessidade de fortalecer os organismos multilaterais e de atuarmos coordenadamente pela paz, contra a desigualdade, a miséria e a fome no mundo.

Dez anos depois, os desafios fundamentais da humanidade continuam os mesmos. A urgência de enfrentá-los é que vai se tornando maior. Uma urgência agravada pela pandemia que segue devastando especialmente as populações dos países mais pobres, além daqueles cujos governos negaram a Ciência ou, pior ainda, investiram na morte, como ocorreu no Brasil.

É duro, mas é necessário, admitir que na última década o mundo regrediu.

Não há como explicar às gerações futuras que em nosso tempo 1% da humanidade detém quase a metade da riqueza do planeta, enquanto 800 milhões de pessoas passam fome. Que uns poucos privilegiados viajam ao espaço por um capricho bilionário, enquanto milhões de famílias não têm sequer onde morar.

Não há justificativa para não termos taxado as transações financeiras globais, e criado fundos de desenvolvimento e combate à pobreza.

É diante desses desafios que me convidam a falar sobre o papel do Brasil no futuro próximo. Apesar da gravíssima situação e de todos os retrocessos que foram impostos ao país e ao povo brasileiro nos anos recentes, quero trazer uma palavra de esperança.