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Economista diz que governo precisa mudar tática econômica para sair da crise

Por Paulo Dantas

O professor e ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, Rômulo Soares Polari, foi um dos economistas a quem a Revista NORDESTE pediu que fizesse algumas reflexões a cerca do atual momento do Brasil para o especial da edição 109. Polari é economista e já foi secretário de Planejamento de João Pessoa. Na entrevista que segue o professor faz uma abordagem bastante pertinente sobre a política econômica dos últimos anos e aponta o que se espera que o governo faça em 2016.

Revista NORDESTE: Qual a lição que podemos tirar do atual momento da crise econômica brasileira?

Rômulo Polari: A crise encontrou a economia brasileira, nos primeiros meses de 2015, com pesados desequilíbrios e altas taxas de juro, inflação e deficit público. Era o auge da exaustão do modelo econômico apoiado numa forte atuação do governo. Inviabilizaram-se as políticas de recuperação com base nos gastos e investimentos públicos. A opção pelo ajuste fiscal ortodoxo complicou a situação.  Esse ajuste foi um fiasco, ao se efetivar com corte de despesas e queda de receitas, já que o incremento destas não foi aprovado pelo Congresso. Isso aumentou o deficit fiscal, a inflação e a taxa de juro. Os investimentos e consumo privados caíram, amplificando os efeitos recessivos da queda das despesas governamentais.  Nesse contexto, com taxa básica de juro de 12% a 14% ao ano, a expansão dos gastos e investimentos do governo aumentaria o endividamento e deficit públicos a níveis explosivos. Essa política não geraria recuperação e sim instabilidade, inflação, aumento da taxa de juro, recessão e desordem fiscal. Esse quadro de limitação do governo brasileiro elevou o grau de dificuldade das ações anticrise. Nos Estados Unidos, Europa e Japão a reação dos governos à crise econômica, desde 2008, teve custo financeiro modesto. O monumental aumento de despesas e incentivos públicos anticrise foi financiado pelo aumento da dívida pública a taxas anuais de juro de 0,25%, nos EUA, 0,05%, na Europa, e 0,1% no Japão.

NORDESTE: Quais as perspectivas para o próximo ano no cenário econômico?
Rômulo Polari:
Se o ajuste fiscal do ministro Joaquin Levy tivesse sido posto em prática, como foi proposto, as taxas de inflação e juro seriam menores. A recuperação econômica teria começado em setembro e o PIB crescido próximo de 0%, em 2015. Em 2016, a economia brasileira pode crescer moderadamente, abaixo de 1%, mas depende do seguinte: a) aprovação imediata pelo Congresso das condições ao superavit fiscal do governo, b) elevação dos investimentos e consumo privados, c) expectativas favoráveis dos mercados em relação à queda da inflação, d) estímulos e facilitação à expansão das exportações aproveitando a situação cambial favorável. A validade dessa recuperação é de curto prazo. É imprescindível a sua sustentação de médio a longo prazo. Isso requer que o governo viabilize junto à sociedade e ao Congresso, para início em 2017, as seguintes medidas de reorganização socioeconômica nacional: a) reindustrialização; b) elevação da produtividade; c) complementação e modernização da infraestrutura; d) universalização da educação de qualidade em todos os níveis; é) avanço na produção científico-tecnológica relevante e f) eficiência e controle dos gastos, deficit e dívida públicos. É evidente que a concretização dessa agenda requer mudanças no modo de ser e agir dos nossos políticos, do Congresso, do governo e dos empresários. É fundamental entender que, sem essas medidas, dificilmente o Brasil entrará num novo ciclo de crescimento econômico duradouro.

NORDESTE: Em relação à crise política, em que ela atrapalha o cenário econômico?
Rômulo Polari:
Em 2015, a política brasileira foi uma fonte permanente de instabilidade e agravamento da situação econômico-financeira. O desastre maior se sintetiza na drástica redução da capacidade de atuação do governo, quando o país mais precisa dele para superar a crise econômica. A Câmara e o Senado se dedicaram muito ao impeachment da presidente Dilma e inviabilização do governo. O Congresso não aprovou a proposta de superavit orçamentário da União. Ao contrário, aprovou uma “pauta-bomba” com despesas que destruiriam as finanças públicas, sem o veto presidencial. As dificuldades econômicas de 2015 existiriam sem a crise política. Mas essa crise cada vez mais aumenta a duração e intensidade da crise econômica. Essa desvirtuação da política está empurrando o Brasil para um desastre econômico-financeiro e social de consequências tenebrosas. Urge sair dessa armadilha, para evitar que a atual recessão econômica se transforme numa depressão. A superação da crise política é fundamental para a recuperação da economia do país em 2016. Sem essa condição necessária e suficiente, a situação econômica tende a piorar muito para, provavelmente, poder melhorar um pouco em 2017.

NORDESTE: É possível dizer que a atual crise é um marco para o Brasil?
Rômulo Polari:
Vivemos uma crise de transição do modelo econômico do governo Lula. Nesse período, as benesses do mercado mundial foram muito favoráveis a uma crescente receita de exportações, à entrada de capital externo e à formação de reservas em dólares. Nessa bonança, houve um alto crescimento do PIB, do emprego e dos salários reais, com finanças públicas superavitárias e fortes políticas de benefícios. Foi possível assegurar níveis elevados de distribuição de renda e inclusão social. Essas condições favoráveis deixaram de existir, a partir de 2012. Gerou-se um contexto de baixo crescimento do PIB. O governo tentou reverter a situação com aumento das despesas públicas, concessão de subsídios às empresas e manutenção das políticas de inclusão social. Os resultados foram adversos: estagnação econômica, aumento dos deficit fiscal e do balanço de pagamentos, da dívida pública e das taxas de juro e inflação. O modelo de desenvolvimento da era Lula se exauriu, e não surgiu um novo. As economias da China e do Brasil iniciaram 2015 com processos de complexa transição. A primeira, de um modelo baseado no investimento para outro com um peso maior no consumo, serviços e mudanças na produção industrial. A segunda, de um modelo com ênfase no consumo para outro com base no investimento voltado à reindustrialização e modernização infraestrutural. O novo modelo brasileiro exige uma nova atuação do governo. Os seus objetivos devem se inspirar no desenvolvimento socioeconômico e defesa da economia nacional no contexto da globalização econômico-financeira. Devem, também, assegurar avanços na distribuição da renda, redução da pobreza e inclusão social.

NORDESTE:- Como será o país ao fim da atual crise política?
Rômulo Polari:
Há dois cenários de solução. Um com o governo Dilma Rousseff indo até 2018, outro com o impeachment da presidente e Michel Temer na Presidência da República. O ideal, desejável e imprescindível é que, em qualquer caso, recupere-se a governabilidade e a capacidade de atuação do governo na gestão fiscal, monetária e reorganização, reestruturação e dinamização da economia nacional.
É razoável afirmar que a continuidade do governo Dilma pode minimizar os custos da reorganização socioeconômica do Brasil. Para tanto, as oposições teriam que replanejar suas perspectivas de conquista de poder para as eleições de 2018 e deixar de ser oposição aos interesses do país. É claro que um outro governo passaria um ano para começar funcionar de modo integral e orgânico. É ingênuo pensar que o day after do impeachment da presidente Dilma seria um céu de brigadeiro. A realidade sociopolítica emergente seria complicada. Poderia nascer uma forte atuação contestatória dos partidos de esquerda, com suporte nos movimentos sociais, estudantes, pessoas mais pobres e intelectuais. O governo Michel Temer seria de estabilidade e pacificação do país? O seu partido, o PMDB, é um complicado conglomerado de fortes lideranças regionais rurais e urbanas instável e carente de uma base programática. A sua frágil unidade se faz por meio de precários acordos de ocupação de ministérios e cargos. Havendo impeachment do vice-presidente Temer, o drama brasileiro seria maior.

NORDESTE: Em que devemos focar para buscar superar o atual momento?
Rômulo Polari:
Urge pensar o Brasil coerente com a sua grandeza. A sua economia tem excelentes oportunidades de investimentos atraentes à iniciativa privada nacional e mundial. Por isso dispõe de condições reais para uma rápida recuperação. O povo brasileiro deve exigir que os políticos, Congresso e governo deixem de atrapalhar o funcionamento dos setores público e privado do país. O agravamento do desemprego, recessão, inflação, etc., além de 2015, será por conta da crise política. Os problemas econômicos de curto prazo são contornáveis, com gestão orçamentária, correção de preços administrados pelo governo e combate à verdadeira inflação. Tecnicamente, isso teria sido tarefa para um ano. Portanto, o foco da solução está na pacificação da área política, com o impeachment da presidente ou a derrota desse processo. A partir daí, pode emergir o cenário político adequado para uma proposta de recuperação, reestruturação produtiva, modernização e desenvolvimento socioeconômico do país. Há uma retórica repetida à exaustão de que as instituições democráticas do país estão funcionando normal e plenamente. Isso só pode ser dito em relação ao Poder Judiciário. Seria uma aberração atribuir essa virtude aos Poderes Executivo e Legislativo, cujo antagonismo entre si gerou uma situação precária de desarmonia e desorganização política do país. Afinal que normalidade democrática é essa que está levando o país a um quase caos político, social e econômico-fianceiro?


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