BRASIL

Revista NORDESTE: A Lista do Fim do Mundo

Abertura de inquéritos contra governadores, ministros, senadores e deputados gera tensão em Brasília. Lula, Dilma, Fernando Henrique Cardoso e Collor estão em lista de investigação

Por Paulo Dantas

A famosa lista do fim do mundo transformou o Congresso Nacional em um deserto no último dia útil antes do feriado de Páscoa. Na Câmara, os trabalhos foram encerrados por volta das 17h. Os senadores encerraram os trabalhos antes do início da noite. E depois também desapareceram. Passava das 16h quando o mundo político brasileiro virou pelo avesso. Exatos 27 dias após a entrega ao Supremo Tribunal Federal dos 83 pedidos de inquéritos feitos pelo Ministério Público, o ministro Edson Fachin encaminhou lista desde que os ex-executivos da Odebrecht acertaram o acordo de delação premiada. A determinação do ministro de abrir 76 inquéritos contra figuras do mundo político, entre as quais ministros do governo Michel Temer (PMDB) e parlamentares de inúmeros partidos, levou a operação Lava Jato a um novo patamar. Ao todo, oito ministros, mais de 25 senadores, 40 deputados e três governadores serão investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Fachin abriu 76 inquéritos contra 98 pessoas no STF e assim deu sinal verde às investigações ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Fachin enviou dezenas de outros inquéritos – totalizando mais de 200 nomes, incluindo os de quatro ex-presidentes – a outros tribunais porque os envolvidos não têm prerrogativa de foro no STF. Entre eles, estão governadores que têm de ser julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de ex-presidentes, como Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente Fernando Collor, agora senador, também consta da lista. Embora tenha sido citado, o presidente Michel Temer não será alvo de inquérito, uma vez que a lei proíbe que o presidente seja investigado por fatos anteriores ao seu mandato.
A novidade está nos nomes dos caciques do PDSB, entre eles o próprio Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Geraldo Alckmin, Antonio Anastasia, Aloysio Nunes e Cássio Cunha Lima.

A força explosiva dos nomes na lista aponta para praticamente toda a história recente e democrática do Brasil. Assim, são quatro ex-presidentes citados: Fernando Henrique, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de Fernando Collor, que virou senador. Metade dos governadores será investigada, três deles pelo STF: Renan Filho (PMDB-AL), Robinson Faria (PSD-RN) e Tião Viana (PT-AC). Ainda há citação ao governador Beto Richa (PSDB-PR). Outros nove tiveram seus processos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os presidentes das duas Casas, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), estão na lista. O relator da principal reforma do governo Temer — a da Previdência —, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), também. Presidentes de partidos, como Aécio Neves (PSDB-MG), Romero Jucá (PMDB-RR), Ciro Nogueira (PP-PI) e o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, foram listados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Também será investigado o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Vital do Rêgo.

Com nomes os rumos da sucessão em 2018 ficam nebulosos. Lula e Aécio estão sendo investigados. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e o senador José Serra (PSDB-SP) também. Mas a situação ainda pode piorar. O ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, os deputados Benito Gama (PTB-BA), Cláudio Cajado (DEM-BA), Orlando Silva (PCdoB-SP) e o senador Romário (PSB-RJ) tiveram inquéritos devolvidos, a pedido da Procuradoria-Geral da República, para novas análise ou foram remetidos para nova averiguação. Apenas um foi arquivado, o de Imbassahy.

Julgamento pode ser só em 2022

Se ao fim do inquérito houver indícios de que os investigados tiverem cometido crime, a PGR pode apresentar denúncia ao STF. Durante essa etapa de coleta de provas, pode-se, por exemplo, pedir a quebra do sigilo telefônico ou bancário e a prisão preventiva dos investigados, com autorização prévia de Fachin. Só a partir do momento em que o STF aceita a denúncia, o suspeito passa à condição de réu e começa a responder ao processo judicial. Neste sentido, a Lava Jato deverá gerar o maior julgamento por corrupção da história do Supremo. O desfecho do caso, porém, ainda está bem distante – e há temores de que mudanças legislativas ponham em xeque a punição de parte dos crimes cometidos.
Em 2014, pesquisadores da FGV do Rio de Janeiro analisaram a duração de processos no STF entre 1988 e 2013. Segundo o estudo, ações que envolviam direito penal – caso de grande parte das denúncias apuradas na Lava Jato – levaram em média 5,5 anos para serem julgadas. Se seguirem essa média, os julgamentos dos políticos na "nova lista de Janot" que se tornarem réus chegariam a uma conclusão no final de 2022.

Um marco na história do STF, o julgamento do mensalão foi concluído quase nove anos após a abertura dos inquéritos. Só entre a apresentação das denúncias (quando os investigados se tornam réus) e o início do julgamento se passaram seis anos.
Muitos juristas e até mesmo ministros do Supremo costumam dizer que a corte não tem vocação para julgar casos de grande dimensão e que envolvam crimes complexos.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a última instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais (não relacionadas diretamente à Constituição Federal), em comparação, há mais ministros que no STF (atualmente são 33) e turmas especializadas em temas jurídicos distintos, o que costuma agilizar os casos. Segundo relatos na imprensa, o STJ deve ficar encarregado de analisar casos de governadores citados nos depoimentos da Odebrecht.

Um temor de defensores da operação Lava Jato é que congressistas mudem leis para se livrar de punições. Vários partidos querem a aprovação de uma lei que anistie casos de caixa dois (quando candidatos recebem recursos não declarados à Justiça Eleitoral) ocorridos no passado, criminalizando apenas casos futuros. A pressão pela aprovação da lei aumentou após a Odebrecht negociar um acordo de cooperação com a Procuradoria Geral da República para atenuar as penas de executivos condenados na Lava Jato. Muitos políticos temem ter sido delatados com base nas leis atuais.

Há ainda dúvidas sobre como o STF agirá nos casos em que políticos investigados que hoje têm foro privilegiado (governantes, ministros e legisladores) percam esse status, caso não se reelejam ou percam os cargos em trocas de governo.

Lei de Ficha Limpa

Pela Lei da Ficha Limpa, o candidato torna-se inelegível apenas se condenado, por um órgão colegiado, por um dos dez tipos de crimes ali previstos – entre eles atos contra a administração pública e fraudes eleitorais. Na prática, para serem formalmente impedidos de se concorrer, os novos suspeitos precisam ser condenados pelo STF, pelo Superior Tribunal de Justiça ou por uma corte de segunda instância até outubro do próximo ano. Isso significa, por exemplo, que o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) ou o ex-ministro Antonio Palocci (PT), ambos presos e condenados por Moro na primeira instância da Justiça Federal, por ora poderiam disputar as eleições, já que ainda não tiveram a sentença confirmada por uma corte colegiada. Após dois anos, só 5 dos 47 políticos investigados em 1ª lista de Janot no STF viraram réus
Entre as suspeitas mais comuns apontadas pelos delatores estão a de receber ou cobrar propinas da Odebrecht para irrigar campanhas eleitorais em troca de favores políticos e o repasse de vantagens indevidas da empresa já durante os mandatos.

Crimes previstos pela Lei da Ficha Limpa

1. Contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público

2. Contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência

3. Contra o meio ambiente e a saúde pública

4. Eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade

5. De abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública

6. De lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores

7. De tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos

8. De redução à condição análoga à de escravo

9. Contra a vida e a dignidade sexual 

10. Praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando


 


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