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A crise da “estagflação”: Brasil só começa a sair da crise em 2017

Por Paulo Dantas

O Brasil está em recessão. O quadro se configurou em agosto quando o país voltou a ter dois trimestres seguidos de queda no Produto Interno Bruto (PIB), que recuou 0,7% de janeiro a março e 1,9%, de abril a junho. O fenômeno é chamado de recessão técnica. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existe a possibilidade de recuperação no curto prazo com a recessão técnica. Mas o mercado prevê que o Brasil passe por uma retração prolongada e que vai se estender até o ano que vem. No entanto, há economistas que preveem uma situação um pouco pior. O Brasil chegaria até a depressão, antes de começar a se recuperar. Uma depressão econômica é caracterizada por um estado agravado de recessão, ou seja, um longo período de desemprego, falência de empresas, baixos níveis de produção e de investimentos.

Há 30 anos o professor Nelson Rosas, do Projeto de Globalização e Crise na Economia Brasileira (Progeb), ligado ao departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba, trabalha com o tema da crise econômica. Rosas já escreveu livros e monitora dados das principais economias do mundo e do Brasil. O professor explica que seus estudos têm demonstrado que há algo de novo no horizonte: uma mudança no cenário econômico global que até então não havia sido notado. Onde a grande mola propulsora da economia mundial, no caso os EUA, não está crescendo o suficiente para puxar o resto do mundo.

Na avaliação de Rosas, o crescimento americano desacelerou. E isto é uma novidade no estudo do capitalismo hoje. Os EUA caíram, depois começaram a se recuperar. Mas aconteceu um fenômeno diferente. Historicamente o movimento é feito de quedas acentuadas e recuperações igualmente vigorosas. O problema é que agora não houve uma recuperação tão forte como a esperada. “Isso nunca aconteceu”, preocupa-se Rosas.

No entender do economista, o capitalismo mundial é regido por crises cíclicas. Estudando as taxas de variação do PIB do Brasil e dos EUA, por exemplo, é possível ver que a variação do PIB mostra que as economias se desenvolvem em ciclos de expansão e contração ao longo das décadas. “Isso acontece com o sistema capitalista desde 1825”, argumenta o economista. Para os estudiosos é algo esperado que o sistema a cada 10 anos, aproximadamente, entre em crise.

No entanto, Rosas acredita que a crise atual seja uma das piores do período econômico que compreende os últimos 20, 30 anos. “A economia mundial está mudando, mas as pessoas não estão conseguindo saber o que está se passando”, alerta o professor.

No entender do economista a tendência mundial hoje é não haver um grande crescimento, como outrora era registrado. Um dos problemas para não acontecer uma retomada mais forte, estaria nos monopólios existentes. “Se você observar, e há estudos sobre isso, a dívida dos países é uma coisa impressionante, todos estão endividados e vivem pagando juros a grandes organizações financeiras internacionais”, argumenta Rosas.

O cientista lembra que os juros não criam nada, o dinheiro que paga juros não cria riqueza nenhuma. “Os juros são uma sucção da atividade produtiva. O capitalista que está na produção que pediu dinheiro emprestado vai tirar uma parte do seu lucro pra pagar os juros. O sistema produtivo mundial está sendo sugado até se exaurir. É o que estamos assistindo”.

Questionado sobre a China, Rosas vê que a entrada do país na economia de mercado dá um novo fôlego ao sistema. No entanto, a China, uma vez entrando para essa economia de mercado, também passará a sofrer os mesmos males que qualquer país capitalista sofre. Incluindo aí as crises cíclicas. Para Rosas, o Brasil só começa a melhorar em 2017.

Um capítulo a parte, em relação a turbulência econômica mundial, é o efeito desta mesma crise no Brasil. No entender do economista, a presidenta Dilma Rousseff (PT) cometeu um erro de cálculo ao manter os investimentos em 2014 e não começar de imediato uma política de ajuste. Segundo Rosas, Dilma acreditava que a economia mundial – diga-se o EUA – voltaria a crescer e as commodities novamente em alta permitiriam ao Brasil sair da crise sem chegar ao fundo do poço. O problema é que a recuperação da maior potência do globo não está sendo a mesma que seria normalmente e, agora, o Brasil deve ir ao fundo do poço. Para evitar isso a equipe econômica tem adotado de uma política anticíclica. Explica-se.

“Se a economia está desacelerando por falta de procura, o estado aumenta a procura. Faz estradas, saneamento, emprega gente, joga dinheiro em circulação, empresta mais dinheiro, aumenta os benefícios sociais. Essa é a política anticíclica. O problema é que o governo já fez isso e gastou tudo que podia”, atesta. Agora é hora de recuar, mas o recuo está gerando desaceleração da economia e inflação.

Contudo, o momento é delicado. “Ora, a economia está desacelerando, o que a gente faz? Baixa os juros. Mas está havendo inflação, o que a gente faz? Sobe os juros”, brinca Rosas ao expor a cartilha econômica que está em vigor no país. “Então o que o Banco Central vai fazer? Baixar porque a economia está desacelerando ou subir porque a inflação está aumentando? O Banco Central está coçando a cabeça sem saber o que fazer com esse mal, que não é um mal novo, que o Brasil já viveu nos anos 60 e foi chamada de estagflação. Depois houve no mundo inteiro nos anos 70 o mesmo fenômeno. E agora o fenômeno está voltando, só que ninguém quer estudar esse fenômeno, porque a teoria oficial não tem explicação para ele”.

Para Rosas, o que caracteriza a crise não é o excesso de demanda, é o excesso de oferta. Toda crise começa porque se produziu tanto que não tem a quem vender.
“Os setores produzem muito, não têm a quem vender e começam a fechar. Quanto mais fecham, menor a demanda. Quanto menor a demanda, menor a produção. Então acontece o processo de desaceleração geral da economia, em que os empresários vão fechando as fábricas, desempregando gente, as pessoas não têm dinheiro para comprar, afeta o setor de bens de consumo. A economia mergulha na crise e só vai se recuperar quando os excessos forem destruídos. Os mais fortes sobrevivem. Haverá um salto tecnológico, porque os que sobreviveram são os mais avançados”.

Crise política dificulta ajustes
No momento, Brasil está fazendo um ajuste fiscal. “Porque nenhum Estado pode sobreviver gastando mais do que recebe”, alerta Rosas que pontua que o Governo tem dificuldades em implementar sua política, já que o Congresso Nacional, na pele do PSDB e de boa parte do PMDB, além de partidos da oposição como PPS, têm feito de tudo para dificultar os ajustes. A ironia, para o economista, é que o que está sendo votando, com o apoio do PSDB, são medidas contra a própria política que o PSDB iria implantar caso tivesse ganho as eleições. “O PSDB devia apoiar em massa todas as propostas do Levy no Congresso. Eles estão jogando no quanto pior melhor. Querem aprovar despesa pra arrebentar o orçamento do país, coisas que não fariam se estivessem no governo”, atesta Rosas.

Moratória da Dívida – uma solução
Rosas acredita que uma das saídas para Dilma é uma moratória da dívida pública. “É pago juros da dívida pública, anualmente, mais do que é gasto com 4 ou 5 ministérios no país, entre os quais: Saúde, Educação e o Programa Minha Casa, Minha vida. Como quer recuperar um país desse jeito? Como esses juros estão sendo pagos? Ninguém sabe. Ninguém sabe de onde vêm esses juros e ninguém sabe como essa dívida foi feita. O fato é que até 1964 não existia essa dívida, ela dispara com os militares, de 1965 em diante, foi um salto vertical. Quem fez a dívida? Porque fez a dívida? Portanto, eu não vejo nenhuma saída que não seja através da ruptura”, defende.

O economista defende a moratória com respectiva auditoria. “A dívida da maneira como existe é impagável”, pontua. Apesar disso, Rosas considera que uma atitude como está colocaria o sistema financeiro internacional em pé de guerra contra o país. “Vão querer esfolar o país, sabotar, com medidas de represália por todo lado, veja o que eles estão ameaçando na Grécia”, destaca. Todavia, Rosas acredita que o Brasil não tem força para fazer isso neste momento. “O que significa que nós vamos nos preparar para penar e chegar no fundo do poço. Os empresários não vão se convencer em investir porque eles não têm mercado, o desemprego vai continuar aumentando, o mercado internacional não deve se recuperar pelo menos até o final do próximo ano. E se o caso da China se agravar, ai sim a situação vai ser muito pior”, avalia.

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