ARQUIVO NORDESTE

Entrevista Exclusiva: João Paulo diz o que fazer para reaquecer a SUDENE

Por Walter Santos

João Paulo Costa assumiu a superintendência da Sudene no dia 21 de julho. Encontrou um órgão em crise e esvaziado. A crise vai desde auma briga para reaver o prédio onde funciona, embargado pela Justiça, até o esvaziamento político, após o sucesso do Fórum dos Governadores, que têm ido diretamente ao Governo Federal resolver suas demandas. João Paulo afirma que nada funciona sem diálogo. “Vou estimular os canais de conversação, debates e todos os fóruns possíveis de interlocução com os governadores dos Estados”. Nesta entrevista, o ex-prefeito de Recife defende a permanência do governo de Dilma Rousseff (PT) e lembra que o Brasil foi um dos últimos países a sofrer os efeitos da crise. Para o superintendente, isso é mérito do Governo Federal. Na entrevista concedida a NORDESTE, João Paulo dá detalhes de como pretende resgatar a força e o prestígio do órgão que busca o desenvolvimento dos nove estados do Nordeste, mais as áreas ligadas ao semiárido de Minas Gerais e Espírito Santo.

Revista NORDESTE: O senhor chega à SUDENE numa fase excepcional, com crises política e econômica. Vai ser possível cumprir que papel?
João Paulo: A crise econômica é mundial. Países com economia sólida estão enfrentando problemas de desemprego e queda de outros indicadores, casos da França, Espanha, Itália, entre outros. A Grécia tornou-se um exemplo trágico, com uma dívida impagável e o desemprego na faixa dos 25%. Hoje, na Zona do Euro, apenas a Alemanha parece imune ao furacão econômico iniciado em 2008. Até a poderosa China passa por um processo de desaceleração, com frequentes baques nas bolsas de Xangai e Shenzhen. O patamar de crescimento do País deve ser o menor das duas últimas décadas.
O Brasil foi um dos últimos países a sentir os efeitos da crise global. Era um Tsunami sempre anunciado, mas que só agora aparece, pois houve um enorme esforço para impedir sua chegada. Agora, o governo está empenhado em evitar seu agravamento. No entanto, as dificuldades atuais não são mais graves do que os problemas que enfrentamos no passado. Só para ficar em períodos mais recentes, vale lembrar que nos anos de 1980 convivíamos com uma inflação estratosférica e, em 1999, com a desvalorização do Real, vários bancos quebraram e entramos numa estagnação econômica que só foi revertida a partir de 2004, durante o governo Lula. Por outro lado, existe uma crise política instalada e ela termina alimentando a crise econômica. Aliás, uma se alimenta da outra. Trata-se de uma situação política sem precedentes na história, pois desde que a presidenta Dilma tomou posse sofre uma oposição raivosa, que sempre aposta no pior porque não aceita o resultado justo das urnas. Há uma campanha diuturna contra a Dilma, nutrida por setores da mídia nacional, que propagam o ódio e o desrespeito a uma pessoa e a seus eleitores – a maioria do povo brasileiro. Em 45 anos de vida pública, nunca assisti nada igual. Não tenho registro de tamanha intolerância na história da República. Quanto a exercer a função de superintendente da SUDENE, considero que é mais um desafio, que encaro com alegria e determinação. Gosto de desafios e, mesmo diante das adversidades, serei incansável na busca de soluções, principalmente no que concerne ao desenvolvimento sustentável e não excludente dos Estados que compõem a área de atuação da autarquia. Defendo o legado dos governos populares de Lula e Dilma, que mudaram a face do Brasil por meio de programas sociais importantes, como o Minha Casa Minha Vida; o Bolsa Família; a Universidade Aberta, o ProUni, entre tantos.

NORDESTE: A importância da SUDENE ninguém discute, mas como recuperar sua força diante do esvaziamento?
Paulo: A SUDENE foi concebida em 1959 pelo grande economista paraibano Celso Furtado, um brasileiro notável. Poucos homens públicos deste país pensaram a economia como ele pensou. A SUDENE foi estruturada para cumprir um papel importantíssimo no planejamento e na articulação do desenvolvimento regional. “E cumpriu. Mas em 2001 foi extinta pelo PSDB, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2007, no entanto, foi reestruturada e recriada pelo ex-presidente Lula (PT) para cumprir uma nova missão, como fomentadora e geradora de emprego e renda e também para estimular e contribuir com os governos estaduais, prefeituras e sociedade civil organizada. Creio que é necessário retomar o planejamento estratégico, reorientar a sua capacidade técnica para fortalecer o desenvolvimento macroeconômico e, ao mesmo tempo, apoiar o pequeno e médio produtor rural. Uma de suas funções, agora, é dar sustentação econômica aos municípios e às regiões menos desenvolvidas.

NORDESTE: Como conseguir esse estágio de renovação diante da existência do Fórum dos Governadores?
Paulo: Nada funciona sem o diálogo. Vou estimular os canais de conversação, debates e todos os fóruns possíveis de interlocução com os governadores dos Estados, prefeitos e movimentos sociais e, assim, tentar e estabelecer parcerias com outros órgãos públicos, empresas privadas, entidades e representações da sociedade. E já estou começando a percorrer este caminho que, a meu ver, será um ponto estratégico de minha gestão. São onze estados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas Gerais e Espírito Santo. Não é pouca coisa.

NORDESTE: Como andam os entendimentos para a Superintendência da SUDENE retomar o domínio do prédio/sede do órgão, ultimamente alvo de medidas judiciais? O que falta?
Paulo: Atualmente o imóvel, o edifício SUDENE, compõe o patrimônio da União e é administrado por um condomínio de vários órgãos federais. Além da própria SUDENE, participam desse condomínio o IBGE (atual síndico), o Ministério da Saúde, a Codevasf, entre outros órgãos públicos. Diante do problema que encontrei ao tomar posse, tomei várias providencias junto aos representantes do condomínio e também estamos em negociações com o Corpo de Bombeiros (que também tem interesse em ocupar parte das instalações do prédio), o CREA, Ministério da Integração, Ministério do Planejamento para encaminhar as medidas referentes ao processo judicial. Há um entendimento de que são necessárias medidas para reforçar a segurança e concluir obras de estrutura do prédio (que já vêm sendo feitas pela própria SUDENE). Também estamos tomando providências para que o edifício volte a ter pleno funcionamento. Estamos acelerando as ações sobre o cumprimento das medidas judiciais. Tenho confiança que esse problema será superado em breve.

NORDESTE: Em sua opinião, quais são os principais projetos para os nove estados?
Paulo: Na verdade, são onze estados porque a SUDENE abrange uma parte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Entendo como projetos prioritários aqueles que geram emprego e renda e que beneficiam a população local. Nesta primeira fase, não posso indicar projeto “a”, “b” ou “c”. O que dá para avaliar é o conjunto dos programas e projetos dentro dos princípios que me norteiam para cumprir a missão do governo Dilma, cuja essência é o desenvolvimento da região. Temos necessidade de vários projetos estruturadores, especialmente os que envolvem abastecimento de água, produção de alimentos, infraestrutura e produção de bens. Os projetos de infraestrutura em curso, a exemplo da Ferrovia Transnordestina; a implantação do Polo Automotivo Jeep da Fiat Chrysler do Brasil Ltda., em Goiana (PE); o projeto de implantação do sistema de coleta, tratamento, destinação final, recuperação e expansão do sistema de esgotamento sanitário da região metropolitana de Recife e do município de Goiana (PE) são alguns exemplos que geram grande impacto e trazem uma nova realidade para essas localidades. Também estamos promovendo o fortalecimento e a capacitação das administrações locais para melhor aproveitar os impactos positivos gerados. Precisamos garantir condições para que a SUDENE atue com eficácia e eficiência por intermédio de seus mecanismos de atuação estratégica, como os Fundos de Financiamentos e Desenvolvimentos e dos Incentivos Fiscais para estimular as organizações a criarem um ecossistema produtivo. Defendo que todos os meios e condições que dispomos devam se voltar ao desenvolvimento regional, com unidade dos Estados e não como instrumentos de disputa. Precisamos que o Nordeste consiga aumentar sua participação na produção nacional e na balança comercial. Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, com os governos Lula e Dilma, queremos chegar a outro patamar de desenvolvimento. Para isso também precisamos ter foco nos estudos, nas pesquisas, nos projetos e ações com visão estratégica para o semiárido brasileiro. Não podemos pensar em desenvolvimento e esquecer as populações que vivem nas áreas mais pobres do Brasil. Para mim, minha gestão só fará sentido, se for para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo visando o desenvolvimento humano, como bem pensou Celso Furtado.

NORDESTE: Qual o quinhão que comporta a Pernambuco, seu estado?
Paulo: Não trabalho com essa lógica do “quinhão”. Os projetos devem obedecer a uma lógica regional e de importância social, econômica e ambiental. Todos os Estados que compõem a área de atuação da SUDENE deverão receber projetos dentro dessa ótica. É como deve ser a atuação de um presidente, um governador, um prefeito. Tenho que olhar para o todo. Mas é claro que tenho muito orgulho quando Pernambuco é beneficiado com um projeto estruturador e que beneficia sua população.

NORDESTE: De que forma o senhor vê a insistência de setores da sociedade em interromper o mandato dA presidenta Dilma Rousseff?
Paulo: Vejo como um profundo desrespeito à nossa democracia e às instituições e aos símbolos do País. É inadmissível o que estão fazendo com a presidenta Dilma e com o País. Temos apenas 30 anos ininterruptos de direitos constitucionais garantidos e estamos começando a nos sentir, ver e nos respeitar como cidadãs e cidadãos. Dilma Rousseff foi eleita para mais um mandato com mais de 54 milhões de votos dos brasileiros. Isso tem que ser respeitado. Os setores sociais organizados e a população em geral já perceberam as manobras sucessivas, via parlamento e mídia, para criar um clima de golpe. Nessas pregações liberticidas vemos até aberrações, como pedidos da volta de uma ditadura. Não vamos aceitar retrocessos. Precisamos deixar nossa presidenta trabalhar, pois só assim seremos capazes de enfrentar a crise econômica mundial. Não existe alternativa democrática fora a continuação de Dilma. O que está sendo feito no Congresso, por exemplo, é a banalização do instrumento do impeachment. Afinal, não existe nada contra a figura da presidenta. Se uma anomalia dessas passa, nenhum futuro presidente se sentirá seguro em seu cargo – voltaremos aos velhos tempos de golpismo na América Latina. Esse tempo já passou.

NORDESTE: Quando o senhor irá aos demais estados?
Paulo: Estou ainda tomando pé da situação e acompanhando a execução dos projetos. Mas essas viagens serão feitas em breve, em sintonia com o Ministério de Integração. Mas uma coisa já é certa – a próxima reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE (Condel) será um momento importante para o Nordeste e para a SUDENE. Temos de fazer uma grande discussão sobre as mudanças climáticas, o novo perímetro do semiárido brasileiro e a previsões que indicam a pior estiagem dos últimos 50 anos com a chegada do El Niño. São discussões importantes que merecem toda atenção do Condel para preparar a região no enfrentamento de grandes desafios.


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