BRASIL

A pauta do retrocesso: Em 2015, Congresso conservador reverteu ganhos sociais

Por Paulo Dantas

A Câmara dos Deputados sobre a batuta do presidente Eduardo Cunha (PMDB) tem avançado a passos largos em direção ao retrocesso de conquistas realizadas principalmente durante a Constituinte de 1988. As decisões (veja box) vão desde um conceito mais conservador em relação ao que vem a ser família até a possibilidade da Igreja questionar no Supremo Tribunal Federal leis aprovadas pelo Executivo ou Legislativo. Há uma forte crítica advinda das redes sociais e de parte da mídia em relação aos temas que estão sendo aprovados e as modificações em andamento. Para entender o fenômeno em torno do retrocesso no Câmara dos Deputados, que já foi alvo de críticas em 1988 por construir uma Carta Constituinte altamente progressista, a Revista NORDESTE ouviu o professor doutor Cloves Luiz Pereira Oliveira, chefe do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia, especialistas em mídia e política.

Para Pereira, realmente algumas propostas parecem retroceder conquistas sobre proteção de direitos sociais conseguidas em 1988. No entender do professor, desde a Constituinte o que estava vigorando até o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (PT) era a ideia de debater sobre o acesso a cidadania, mas sempre como ponto consensual uma ideia de uma sociedade cada vez mais distributiva e inclusiva.


A impressão é que o atual retrocesso é reflexo da própria sociedade. “A Câmara é a expressão das vontades dos eleitores. A reconfiguração do perfil da Câmara e do Senado é o resultado das escolhas dos eleitores. É reflexo da capacidade que esses políticos tiveram de convencer segmentos do eleitorado. Não se pode demonizar o Congresso sem lembrar que esse Congresso é expressão das vontades do eleitorado”, pontua o professor. Para o Pereira, a única solução possível seria que fosse estabelecida uma nova correlação de forças, onde lideranças pudessem persuadir outros blocos para acatar uma agenda mais progressista. Questionado se procede que um maior poder econômico possibilitou a eleição de uma bancada mais forte de segmentos como evangélicos, agronegócio e corporativos, como os militares, o professor argumentou que não totalmente.

“Um parlamentar que é eleito para a Câmara com uma cesta de votos de 200 mil, 300 mil votos, de certa forma não é resultado apenas das suas idiossincrasias e valores conservadores. Ele expressa os valores de um segmento importante do eleitorado e que se reconhece nesse discurso e nas atitudes e projetos que ele propõe na esfera do parlamento”, frisa. Sobre uma valorização crescente e saudosista da ditadura, Pereira acredita que não é um sentimento da maioria.

“Algumas pesquisas indicam que um segmento do eleitorado tem mostrado simpatia por discursos mais conservadores ligados a valorização de governos autoritários e menos adesão a valores democráticos. Mas esses números não são contundentes. De 100% da população, isso não chega a 10%. Agora o principal ponto, particularmente, é a omissão daqueles que valorizam a democracia em protegê-la. Há forte presença do discurso conservador porque eles são organizados, são intensos na sua expressão de opinião pública, então por isso mesmo parece que o número deles é bem maior do que realmente se configura na distribuição das opiniões e dos valores da sociedade”.

Movimento mundial
No entendimento do professor, o conservadorismo existe, mas é preciso ponderar sobre qual é a dimensão dele na sociedade. “O que ocorre, já de longa data, não só no Brasil, mas em vários países desde os anos 70, é que existe um declínio da identidade partidária. Então os escândalos de corrupção colocam em xeque o caráter dos parlamentares e dos políticos em geral. Provoca um declínio dessa credibilidade. E cada episódio desses cria essa situação de desconforto. Esse desconforto só faz ser reforçado pelas situações de cada vez maiores escândalos, sejam ligados ao PT, ao PSDB, aos governadores no sentido geral. Nesse caso nenhum partido parece ser isento dessa crítica”, pontua o professo.


Apesar de enxergar vias mais radicais e até uma pauta de retrocesso na Câmara Federal, Pereira argumenta que a sociedade mudou no que se refere a formação política dela. “O sentido de cidadania foi ampliado para cada vez mais se perceber como portadores de direitos, dos quais não se abre mão, e também responsabilizando os governantes por desenvolver uma boa política. Uma politica que respeite o patrimônio público, os valores da sociedade, a legislação. E cada vez que um parlamentar foge dessas expectativas ele sofre sanções”, finaliza.
 

Direitos ameaçados*

Já foram aprovadas em alguma instância da Câmara Federal:

 

Proposta que torna crime induzir, instigar ou auxiliar a gestante a abortar

Redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos – como estupro e latrocínio – e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte

Proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere do governo federal para o Congresso Nacional a competência para fazer a demarcação de terras indígenas

Projeto que define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher

Projeto que altera requisitos necessários e facilitando que o cidadão comum receba autorização para circular nas ruas portando armas de calibre

Projeto que dá às igrejas o direito de questionar decisões do Supremo

*(ainda devem ser apreciados pelo Senado e podem sofrer veto de Dilma)

 

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